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O mistério da Câmara de Âmbar, sala coberta de joias que sumiu na 2ª Guerra

Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra - Andrej Andrejewitsch Seest/Creative Commons
Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra Imagem: Andrej Andrejewitsch Seest/Creative Commons

De Nossa

26/03/2023 04h00

Considerada a "Oitava Maravilha do Mundo" desde que foi construída em 1701, a Câmara de Âmbar — um luxuoso salão coberto de ouro, âmbar, espelhos e pedras preciosas no Palácio de Catarina em Tsarskoye Selo, na Rússia — segue misteriosamente desaparecida desde o final da Segunda Guerra até hoje.

Mas, afinal, como um aposento inteiro pode simplesmente desaparecer? Esta pergunta não tem uma resposta definitiva, mas entender a história da câmara esclarece parte da questão.

Quando foi concebida pelo escultor barroco alemão Andreas Schlüter e pelo artesão de âmbar dinamarquês Gottfried Wolfram no início do século 18, a câmara foi instalada no Palácio de Charlottenburg, em Berlim, lar de Frederico 1º, rei da Prússia. No entanto, logo ele foi movido para o Palácio de Berlim (atualmente na Ilha dos Museus), então conhecido como Palácio Real.

Caixa de âmbar dada por Frederico 1º da Prússia, a Pedro, o Grande, da Rússia durante sua estadia em Berlim em 1716 - Shakko/Creative Commons - Shakko/Creative Commons
Caixa de âmbar dada por Frederico 1º da Prússia, a Pedro, o Grande, da Rússia durante sua estadia em Berlim em 1716
Imagem: Shakko/Creative Commons

Segundo o museu americano Smithsonian, durante uma visita em 1716, o czar russo Pedro, o Grande (ou Pedro 1º da Rússia) admirou o trabalho do salão imponente e o ganhou de presente como símbolo da aliança da Prússia e da Rússia contra a Suécia.

Assim, a Câmara de Âmbar foi desmontada e enviada à Rússia em 18 caixas, onde foi instalada no Palácio de Inverno de São Petersburgo como parte de uma coleção de arte europeia. Em 1755, no entanto, ela fez uma nova mudança, depois que a czarina Elizabeth, filha de Pedro, ordenou que o salão fosse levado ao Palácio de Catarina em Tsarskoye Selo, perto dali.

Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra - giggel/Creative Commons - giggel/Creative Commons
Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra
Imagem: giggel/Creative Commons

O designer italiano Bartolomeo Francesco Rastrelli reimaginou o design da câmara para que ela coubesse no seu novo espaço, bem maior, usando âmbar adicional trazido de Berlim. Depois de diversas reformas ao longo do século 18, ele passou a ocupar mais de 55 metros quadrados e abrigava mais de 6 toneladas de âmbar e pedras semipreciosas.

Historiadores do Smithsonian avaliam que hoje a Câmara de Âmbar custaria US$ 142 milhões ou pouco mais de R$ 751 milhões, embora a agência de notícias United Press International tenha apontado um valor bem maior: US$ 500 milhões ou R$ 2,66 bilhões.

Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra - giggel/Creative Commons - giggel/Creative Commons
Imagem: giggel/Creative Commons

Ao longo dos anos, ela serviu de cômodo de meditação para a czarina Elizabeth, sala de reuniões de Catarina, a Grande, e armazém de troféus de Alexandre 2º da Rússia, um expert em âmbar. O salão sobreviveu até ao fim da dinastia Romanov e da monarquia russa com a Revolução Bolchevique de 1917.

O sumiço

O aposento visto, no entanto, nas fotos desta matéria não é este salão histórico, mas uma reconstrução fiel dele. Isto porque, em junho de 1941, Adolf Hitler enviou três milhões de soldados alemães à então União Soviética como parte da Operação Barbarossa, que resultou no saqueamento de dezenas de milhares de obras e, inclusive, da Câmara de Âmbar.

Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra - Edgar El/Creative Commons - Edgar El/Creative Commons
Imagem: Edgar El/Creative Commons

Os nazistas acreditavam que, como ela havia sido feita por alemães, deveria retornar à Alemanha. Curadores e funcionários do Palácio de Catarina tentaram desmontar e esconder a câmara, mas o âmbar começou a secar e esfarelar, o que — segundo o Smithsonian — fez com que tentassem colocá-lo atrás do papel de parede. O truque não funcionou.

Os alemães empacotaram o salão em 27 caixotes e enviaram a Könisberg — então na Alemanha, hoje Kaliningrado, na Rússia — onde ela foi reinstalada no museu do castelo da cidade. Nos dois anos seguintes, Alfred Rohde, diretor do museu e apaixonado por âmbar, estudou a história de seus painéis exibidos ao público.

Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra - GAlexandrova/Creative Commons - GAlexandrova/Creative Commons
Imagem: GAlexandrova/Creative Commons

No segundo semestre de 1943, com a guerra chegando ao fim, ele aconselhou que o salão fosse novamente desmontado e armazenado. Em agosto de 1944, bombardeios dos Aliados destruíram a cidade e transformaram o castelo em ruínas. Desde então, a Câmara de Âmbar nunca mais foi encontrada.

'Reaparecimentos' e maldições

Existem diversas teorias para o que aconteceu com a Câmara de Âmbar depois dos bombardeios de 1944. Uma reportagem investigativa dos jornalistas Catherine Scott-Clark e Adrian Levy para o jornal The Guardian em 2014 concluiu que o salão teria sido provavelmente danificado com o castelo e, enfim, destruído quando soviéticos saquearam e queimaram o museu destruído.

Contudo, há historiadores que já levantaram outras hipóteses, como seus caixotes estarem escondidos ainda em outro local em Kaliningrado ou terem sido embarcados no navio Wilhelm Gustloff, depois naufragado por um submarino soviético no Mar Báltico. Em 1997, um mosaico italiano que era parte da Câmara foi encontrado por um grupo de detetives de arte alemães.

O mosaico italiano 'Feel and Touch', de 1751, encontrado em Bremen em 1997 - Shakko/Creative Commons - Shakko/Creative Commons
O mosaico italiano 'Feel and Touch', de 1751, encontrado em Bremen em 1997
Imagem: Shakko/Creative Commons

Ele estava no escritório do advogado do "proprietário" — que tentava vender a peça — em Bremen, na Alemanha. O homem em questão era filho de um soldado falecido e não sabia qual era a origem do painel. Documentos oficiais dos Arquivos Nacionais da Rússia revelam que a investigação pós-guerra concluiu o mesmo que os jornalistas do Guardian: a câmara foi destruída.

Neste caso, o mosaico encontrado na Alemanha teria sido provavelmente retirado dos escombros do castelo. No entanto, as dúvidas persistem e uma teoria insiste que Stalin teria permitido a destruição de uma cópia do aposento e não do seu original. Esta teoria voltou a ganhar tração em 2020, quando um grupo de mergulhadores poloneses encontrou um navio naufragado.

Câmara de Âmbar, o salão de palácio desaparecido desde a Segunda Guerra - GAlexandrova/Creative Commons - GAlexandrova/Creative Commons
Imagem: GAlexandrova/Creative Commons

A embarcação era o S.S. Karlsruhe, que foi parte da Operação Hannibal de evacuação de emergência das tropas alemãs da Prússia para escapar dos soviéticos. No navio estavam muitos caixotes de conteúdo desconhecido até o momento. O portal científico LiveScience cogitou, na ocasião, que possam se tratar das partes da Câmara de Âmbar.

Além de todo o mistério, a câmara foi considerada amaldiçoada depois que diversas pessoas relacionadas ao aposento real tiveram destinos trágicos: o diretor do castelo Rohde e sua esposa morreram de tifo quando a KGB investigava o salão. O General Gusey, oficial da inteligência russa, morreu em um acidente de carro após dar uma entrevista sobre a câmara. Já um de seus 'caçadores', o ex-soldado alemão Georg Stein, foi assassinado brutalmente em 1987 em uma floresta na Bavária.

Uma símile recebe turistas

Para substituir esta joia perdida, talvez para sempre, o governo russo encomendou a reconstrução da Câmara de Âmbar (ou melhor, de sua réplica) em Tsarskoye Selo em 1979. O processo foi longo — durou quase 25 anos — e custou cerca de US$ 11 milhões ou R$ 58,35 milhões para reproduzir, com riqueza de detalhes, a ostentação de outros tempos.

O estúdio de reconstrução da Câmara de Âmbar em Tsarskoye Selo - Robert Breuer/Creative Commons - Robert Breuer/Creative Commons
O estúdio de reconstrução da Câmara de Âmbar em Tsarskoye Selo
Imagem: Robert Breuer/Creative Commons

O novo salão foi inaugurado em 2004 pelo presidente Vladimir Putin e pelo então chanceler alemão Gerhard Schröder para marcar os 300 anos de São Petersburgo, em uma cerimônia que marcava a amizade entre os dois países, como aconteceu originalmente.

Desde então, a nova câmara está aberta ao público no Palácio de Catarina, dentro da Reserva dos Museus Nacionais de Tsarskoye Selo. Seus ingressos podem ser adquiridos através da bilheteria online do museu por a partir de 300 rublos ou cerca de R$ 20. O complexo fica aberto das 10h às 18h das quartas às segundas. Às terças, os palácios fecham.