Na Itália, as 'janelas de vinho' do tempo da Peste renovam tradição secular
Caminhar pelas ruas de Florença é como estar em um museu a céu aberto: você vai observar monumentos, praças e esculturas de arte por onde passa.
E é também pelas ruelas da cidade italiana que pode passar despercebido por você pequenas janelas, em seus diferentes formatos elas podem ser arqueadas ou arredondadas, esculpida em prédios com o nome escrito "buchette del vino", que traduzindo para o português significa "janelas de vinho".
Uma cidade com tanta história para contar, Florença se torna ainda mais atrativa quando uma nova descoberta pode passar despercebido por qualquer turista.
As centenárias "buchette del vino" eram usadas para atender clientes durante a época da Peste Negra, uma maneira de prevenir o contágio.
No período, os moradores batiam na janela com sua garrafa vazia, e o garçom voltava com uma cheia de vinho pelo buraco pequeno. Tornou-se tão popular que quase todas as famílias em Florença começaram a ter os seus próprios buchettes, e logo a tendência se espalhou para cidades toscanas.
Onde estão os buracos de vinho?
Nos últimos anos, a Associação Buchette del Vino vem tentando preservá-los como patrimônio cultural da Toscana, e identificando os buraquinhos pela cidade (já documentaram 180 até agora em Florença e mais 100 em todo o resto da Toscana), restaurando-os e colocando placas de identificação.
O presidente da associação, Matteo Faglia, comenta que a ideia de pesquisar sobre os buchette partiu de uma experiência pessoal.
Vivi num edifício no centro da cidade com um belo buchetta. A Associação pesquisa muitos documentos do passado que descrevem buchette que lá estavam e já não estão. No início eram as famílias nobres que vendiam o seu vinho dos seus palácios na cidade, e depois o comércio expandiu-se e outros produtores utilizaram os buchette para vender o seu vinho.
Ele conta que cada família só podia vender o seu próprio vinho, aquele que produzia nas suas propriedades. Portanto, era vinho de qualidade que só podia ser vendido pelo frasco, para não competir com tabernas onde o vinho de diferentes qualidades era servido pelo copo.
Mas ressalta que com o tempo, a maioria das janelas de vinho foi fechada.
Janelas que sobrevivem
Durante a pandemia, a notícia da reabertura de alguns buchettes de vinho em Florença reacendeu a tradição florentina, e ajudou a impulsionar muitas outras que há décadas permaneciam fechadas. Antes da pandemia de covid, apenas um tinha sido aberto, o buchette do bistrô Babae. O co-proprietário do Babae (Via Santo Spirito, 21), no coração do centro histórico da cidade, Claudio Romanelli, afirma que eles foram o primeiro restaurante a se reconectar com a antiga tradição reabrindo a janela durante a pandemia.
Este é um avanço bem-vindo para os amantes de vinho. Embora as formas de vender vinho tenham obviamente mudado desde que as vitrines eram completamente ativas ? este pequeno gesto, que destaca um nicho da história florentina, é muito bem-vindo. E para ajudá-lo a viver essa maneira antiga e única de vender um dos produtos agrícolas e comerciais mais importantes da Toscana: seu vinho.
Brasileira relata experiência local e cara
A brasileira Ninive Guarese, @ninimundoafora, 26 anos, consultora de viagens, se mudou para Firenze há quase um ano. E antes mesmo de chegar na Itália, já tinha ouvido falar das janelinhas que "entregavam" vinhos.
"Estamos acostumados a tomar vinhos em restaurantes, enquanto se está jantando entre amigos e posso dizer que pedir um vinho pela calçada em uma janelinha minúscula é uma experiência diferenciada. Você pede o vinho, paga, pega a taça e fica em pé na rua bebendo e batendo papo até que o vinho termina e você devolve a taça e vai pro próximo local para se divertir. Eu fui apenas uma vez e vi muitos turistas, não me recordo de ter visto italianos. E sim, dependendo do horário, vai ter uma fila ao longo da rua, pois como é somente uma janela na cidade, os turistas que conhecem, acabam indo mais no final da tarde".
Apesar de uma imersão na história italiana, a consultora salienta que foi uma experiência cara. "Eu achei caro, são preços para turistas. Inclusive lembro de no dia comentar que estava pagando o vinho para tirar foto e não apenas o vinho. Normalmente uma taça de vinho da casa num restaurante médio é 5-6 euros, ali foi 8 euros a taça. Mas realmente, você acaba pagando pela experiência e não apenas pelo que você vai beber", complementa.
Patrimônio cultural da cidade
Já para o florentino e blogueiro de viagens nascido em Florença, Alessandro Bertini, 51 anos, @girovagate, é uma experiência tradicional antes dos turistas aparecerem.
Os mais velhos sempre estiveram habituados a comprar ali as suas garrafas de vinho e muitas famílias voltam-se para o buchette quando querem um vinho excelente, do bom tipo! Para os mais jovens, por outro lado, é uma oportunidade de se reunirem; compram um copo de vinho e, por vezes, algo para comer e ficar na rua à hora do almoço ou do aperitivo"
Conhecida por muitos outros apelidos, ele afirma que as 'le porticine' (as pequenas portas) apesar hoje de serem mais turísticas, fazem parte do grande patrimônio cultural.
"Não consigo imaginar caminhar no centro da cidade e não vejo estes pequenos bares de vinho nas paredes externas das casas e palácios. A pandemia foi terrível mas se há um lado positivo, é que nos fez redescobrir tradições antigas e a "arte de fazer" italiana: a necessidade de manter o distanciamento social tornou-as novamente na moda e muitos florentinos redescobriram-nas e utilizaram-nas durante a emergência. Ao contrário de outras atividades que infelizmente tiveram de fechar as suas portas, os buchette reabriram e são agora mais numerosos do que três anos atrás."
Nos dias de hoje, além do vinho, você também consegue comprar drinques típicos italianos, como Aperol Spritz , sorvetes, e até mesmo um cafezinho. Para encontrar uma das janelas de vinho pela cidade, você pode buscar pelo site da Associação Buchette del Vino onde é possível ver todas elas catalogadas e com um mapa atualizado de todas elas na cidade: https://buchettedelvino.org/.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.