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Pelé, Jô, Hebe: os personagens e a história do Terraço Itália, ícone de SP

Pelé foi com a esposa e amigos no Terraço Itália em 1967 e deixou uma humorada mensagem sobre a refeição - Acervo Terraço Itália
Pelé foi com a esposa e amigos no Terraço Itália em 1967 e deixou uma humorada mensagem sobre a refeição
Imagem: Acervo Terraço Itália

Colaboração para Nossa

28/03/2023 04h00

Uma história repleta de glamour merecia uma homenagem a altura. E toda a opulência do restaurante mais icônico de São Paulo está entregue no livro "Terraço Itália — 50 Anos + 5", que acaba de ser lançado pela editora KPMO Cultura e Arte.

Estão na obra as assinaturas de Pelé, Juscelino Kubitschek, Paulo Autran, Hebe Camargo, Paloma Picasso, Grande Otelo, Eder Jofre, Ray Conniff e Silvio Santos. Também recheiam o livro imagens e histórias saborosas, como quando Jô Soares se deixou fotografar em uma das mesas, ou a passadinha que a rainha Elizabeth deu no Terraço Itália para admirar a vista, assim como a primeira-ministra da Índia Indira Gandhi.

Encarapitado nos 41º e 42º andares do Edifício Itália, sede do Circolo Italiano, 165 metros acima da Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, o restaurante é um ícone paulistano desde sua inauguração, em 29 de setembro de 1967.

Já nasceu pomposo, com vocação de destino turístico, e nunca perdeu a majestade.

Registro da rainha Elizabeth (ao centro) na sua visita Terraço Itália - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Registro da rainha Elizabeth (ao centro) na sua visita Terraço Itália
Imagem: Acervo Terraço Itália

Ao longo de 55 anos, porém, não foram poucas as mudanças ocorridas dentro do restaurante e fora dele — em 1967, São Paulo não chegava a 5 milhões de habitantes e, nem de longe, poderia ser considerada uma metrópole gastronômica.

Visitas ilustres: o Terraço Itália recebeu de Jô Soares... - Arquivo Terraço Itália - Arquivo Terraço Itália
Visitas ilustres: o Terraço Itália recebeu de Jô Soares...
Imagem: Arquivo Terraço Itália
... ao sacerdote que, anos mais tarde, se tornou o Papa Francisco - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
... ao sacerdote que, anos mais tarde, se tornou o Papa Francisco
Imagem: Acervo Terraço Itália

Porém, a história que a autora Keila Prado Costa relata volta ainda mais no tempo — ela revisita a Itália de 1873 para explicar em que família nasceu Evaristo Comolatti, fundador do restaurante.

Nascido no vilarejo italiano de Stazzona, neto de uma dona de armazém que foi transformado em tratoria pela segunda geração, Comolatti trabalhou como maquinista de trem antes de migrar para o Brasil. Em São Paulo, prosperou no comércio a ponto de se tornar um importante empresário do setor automobilístico e, como vários de seus conterrâneos, era sócio do Circolo Italiano.

Instalado inicialmente em um casarão, o clube criado pelos imigrantes italianos já estava pequeno nos anos 1950 e precisava de uma sede nova, bem maior. Criou-se então um concurso para a escolha do projeto, do qual saiu vencedor o arquiteto alemão Adolfo Franz Heep.

O projeto vencedor para a nova sede do Circolo Italiano - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
O projeto vencedor para a nova sede do Circolo Italiano
Imagem: Acervo Terraço Itália

Comolatti não só acompanhou as obras de perto como deslumbrou-se com a vista assim que teve chance de subir ao terraço. Ali, diante da selva de pedra paulistana, decidiu criar o Terraço Itália.

Evaristo Comolatti percebeu a cidade como espelho de sua própria trajetória. Ele, que havia chegado aqui com tantos sonhos, crescera juntamente com as ruas e avenidas que o acolheram", escreve a autora.

Registro histórico da inauguração do Edifício Itália - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Registro histórico da inauguração do Edifício Itália
Imagem: Acervo Terraço Itália

Comolatti não fez por menos: encomendou o projeto do restaurante ao arquiteto Paulo Mendes da Rocha e o paisagismo do terraço, a Roberto Burle Marx. Mobiliou o salão com poltronas de couro e pôs recepcionistas uniformizados para receber os clientes na calçada do arranha-céu.

Um luxo só: funcionários uniformizados recebiam os clientes do Terraço Itália - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Um luxo só: funcionários uniformizados recebiam os clientes do Terraço Itália
Imagem: Acervo Terraço Itália

Inicialmente havia dois salões, o Nobre e o Vermelho, além de um Belvedere, terraço aberto equipado com mesas e ombrelones, que durou apenas três anos — ventava tanto que o proprietário decidiu fechar o espaço, dando origem a mais dois salões e um bar. A cobertura metálica, conta o livro, foi içada pelo exterior do edifício.

Com serviço luxuoso, o Terraço Itália marcou época e entrou no ideário dos paulistanos - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Com serviço luxuoso, o Terraço Itália marcou época e entrou no ideário dos paulistanos
Imagem: Acervo Terraço Itália

Da cozinha original, a cargo do chef Eloy Xavier, saía a fina flor da cozinha internacional, o que havia de mais chique na época. Nos anos 1970, o menu incorporou clássicos como o Trance de Badejo à Luís XV, o Steak à Diana e a Lagosta à Thermidor. Para servir truta com amêndoas, Comolatti instalou, em 1972, os primeiros tanques de truticultura do país, em Campos do Jordão.

A fama que o lugar conquistou atraiu a nata paulistana e celebridades. Da visita que Pelé fez ao restaurante em 1967, acompanhado da esposa e de amigos, até hoje guarda-se a mensagem de agradecimento feita a punho na qual o Rei elogia, com humor, a refeição da casa:

A respeito da comida posso adiantar que já engordei 4 quilos" Pelé

Bilhete deixado por Pelé em sua ida ao Terraço Itália em 1967 - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Mensagem deixada por Pelé em sua ida ao Terraço Itália em 1967
Imagem: Acervo Terraço Itália

Curioso saber que, por três décadas, somente chefs brasileiros comandaram a cozinha do Terraço Itália. O primeiro cozinheiro veramente italiano, Giancarlo Marcheggiani, foi contratado somente em 1997, já pelo filho do fundador, Sergio Comolatti.

Nascido na Toscana, Marcheggiani promoveu uma grande transformação no cardápio da casa — saiu de cena a cozinha internacional, um conceito que já andava surrado, pela culinária italiana autêntica.

O chef Giancarlo Marcheggiani foi o primeiro realmente italiano a comandar a cozinha - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
O chef Giancarlo Marcheggiani foi o primeiro realmente italiano a comandar a cozinha
Imagem: Acervo Terraço Itália
Foto histórica da antiga cozinha do Terraço Itália - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Registro histórico da antiga cozinha do Terraço Itália: da culinária internacional, migrou para a italiana
Imagem: Acervo Terraço Itália

Desde então, só chefs nascidos na Itália ocuparam o posto: Samuele Oliva, que permaneceu na casa de 2008 a 2012, foi substituído por Pasquale Mancini, até hoje no cargo.

Nos dois cardápios que cria anualmente, Mancini não abre mão de ingredientes de seu país. "Azeite, pomodoro, farinha de trigo, funghi porcini secchi e arroz de risoto são fundamentais", fecha questão, misturando o português com o idioma natal.

O chef Pasquale Mancini assumiu as panelas em 2012, e segue até hoje - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
O chef Pasquale Mancini assumiu as panelas em 2012, e segue até hoje
Imagem: Acervo Terraço Itália
Ele faz questão que alguns ingredientes venham da sua terra, a Itália - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Ele faz questão que alguns ingredientes venham da sua terra, a Itália
Imagem: Acervo Terraço Itália

Os preços ajudam a manter a aura de restaurante para ocasiões especiais. Do último cardápio de primavera/verão, o risoto de açafrão com lagosta e abobrinha custa R$ 214. O prato de espaguete à carbonara sai por R$ 156.

A adega para 5 mil garrafas faz jus ao menu. O vinho mais barato é o italiano Cantine Settesoli Inzolia, a R$ 242. O mais caro, o francês Château Latour 2011, que custa a bagatela de R$ 14.032.

Em uma casa com 55 anos, as equipes precisam saber lidar com a memória afetiva da clientela. Diretor da casa, Alberto Cestrone conta que há pratos com lugar cativo no menu, caso do filé-mignon com trufas negras acompanhado de risoto à parmigiana (R$ 210), que nunca sai de cartaz.

Temos clientes que se casaram aqui e voltam a cada aniversário de casamento. Outros frequentavam quando jovens e, hoje, trazem filhos e netos", justifica o cuidado.

O Terraço Itália é palco de cerca de 100 pedidos de casamento por mês - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
O Terraço Itália é palco de cerca de 100 pedidos de casamento por mês
Imagem: Acervo Terraço Itália

O Terraço Itália também é o cenário escolhido para muitos pedidos de casamento — acontecem cerca de 100 por mês. Existe até um pacote para essas ocasiões, o L'Amore Dall'Alto, que inclui taças de espumante de boas-vindas, menu de quatro tempos impresso com a foto do casal e buquê de flores. Na hora da sobremesa, o garçom leva o anel de noivado na bandeja, escondido sob a cloche.

Tanta tradição não impediu que o Terraço Itália se modernizasse. O bar com programação de jazz e MPB ao vivo, o ambiente mais concorrido nos fins de tarde, agora tem carta de drinques autorais assinada pelo bartender Alê D'Agostino — entre eles está o Passione, que leva bourbon, maracujá, açúcar, prosecco e bitter rosso (R$ 55).

A vista panorâmica, com a cidade a seus pés, é uma das mais famosas de São Paulo - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
A vista panorâmica, com a cidade a seus pés, é uma das mais famosas de São Paulo
Imagem: Acervo Terraço Itália

Uma reforma de peso foi realizada em todo o complexo durante a pandemia — o que colaborou para o atraso no lançamento do livro.

A ideia era que ficasse pronto no aniversário de 50 anos, mas a organização das fotos históricas levou mais tempo do que o previsto. Quando veio a pandemia, eles decidiram aproveitar o restaurante fechado para reformar salões e os bastidores" Keila Prado Costa

Não é preciso desembolsar um jantar: por R$ 50 pode-se ver a vista, com direito a uma taça de espumante - Acervo Terraço Itália - Acervo Terraço Itália
Não é preciso desembolsar um jantar: por R$ 50 pode-se ver a vista, com direito a uma taça de espumante
Imagem: Acervo Terraço Itália

Os atuais quatro salões do Terraço Itália acomodam 90 pessoas cada um, mas parte dos 2 mil visitantes que sobem ao topo do arranha-céu todos os meses não chega a sentar à mesa — muitos pagam R$ 50 somente para admirar a vista de 360º, com direito a uma taça de espumante.

Importante: para chegar ao topo, é preciso estar vestido de acordo. Bermuda, regata e chinelo são proibidos — para os desavisados, a equipe tem sempre algumas peças de roupa para emprestar.

Terraço Itália - 50 Anos + 5
De Keila Prado Costa, Editora KPMO Cultura e Arte
R$ 250 (à venda somente no restaurante)