Terremoto e frio de -5ºC: a saga de um ciclista e seu doguinho pelo mundo
Luiz Fernando Prestes Camargo, 53, mais conhecido como "Éleéfe", era professor de história em três escolas em Santos, no litoral de São Paulo. Tinha uma rotina de muitas aulas semanais e usava as férias para fazer viagens de bicicleta.
Durante a pandemia, sentiu que precisava fazer mais do que isso. Há cerca de um ano, Luiz embarcou para Portugal com uma ideia: pedalar ao redor do mundo.
Em uma página no Instagram, a "Pedalando na História", ele mostra o dia a dia na estrada, compartilha análises históricas e aventuras ao lado do cachorro, Belmiro.
Entre outros acontecimentos, Luiz ajudou a arrecadar cerca de R$ 13 mil para as vítimas do terremoto na Turquia, em fevereiro. A Nossa, ele contou sua jornada.
'Podemos morrer na próxima semana'
"Eu andava de bicicleta há bastante tempo. Fiz uma viagem para o Uruguai, depois fui para a Itália e fiquei por lá um mês de bicicleta. Em outro ano, fui de Londres a Roma. Tudo isso nas minhas férias.
Com a pandemia, todo mundo parado, comecei a refletir sobre a vida. Sentia essa coisa de poder morrer logo. Foi a primeira vez que senti que poderia não ter muito tempo.
A gente acha que vai ter saúde até os 80 ou 90 anos, mas podemos morrer na próxima semana, mesmo levando uma vida saudável.
Comecei a pensar que queria fazer uma viagem por mais tempo, para aproveitar mais a vida. Vendi meu carro, pedi suspensão dos meus trabalhos como professor em três escolas particulares e comecei a juntar dinheiro.
Considerava arrumar uma companhia humana para essa viagem, e aí percebi que seria muito difícil porque as pessoas têm projetos e planos diferentes. Então pensei no Belmiro, o cachorro que está há três anos comigo.
A vida na estrada
Comecei a viagem em Portugal. No início, foi um choque.
Trabalhava como professor, mais de 40 aulas por semana, em uma rotina de escola, amigos, praia, jogos na Vila Belmiro e, de repente, tudo mudou completamente.
Comecei a viagem na primavera e ainda tinha alguns momentos de frio em que eu questionava se fiz o correto. Já pedalei a -5ºC e é muito difícil. Acho que é o maior obstáculo para mim, ainda mais porque sou acostumado com o clima tropical
Há muitos benefícios em uma viagem como essa. Vejo coisas lindas o dia inteiro. São montanhas maravilhosas, por exemplo. Além disso, o contato com as pessoas é simplesmente sensacional.
É super comum não cobrarem por um serviço porque as pessoas têm admiração quando você conta que está dando a volta ao mundo de bicicleta. Na estrada, recebo 50 acenos e quase todos os dias carros param para me dar água, chocolate.
Outro dia estava em um posto de gasolina e parou uma van cheia de turistas. Um empresário começou a conversar comigo e depois acabou me dando 50 euros porque gostou muito da ideia da viagem. O guia turístico que estava acompanhando o grupo me deu mais 20 euros.
Naquele posto, um homem também mandou fazer um prato vegetariano para mim e não me cobrou nada. Isso acontece muitas vezes. Com esse contato, acabei compreendendo o mundo de uma forma mais complexa, deixando para trás diversos estereótipos.
Solidariedade na Turquia
Tinha esse projeto de compartilhar um pouco da minha viagem nas redes sociais com o meu olhar de professor de história, até com o intuito de ganhar dinheiro, com os apoiadores. Tenho pessoas que me apoiam mensalmente.
Quando teve o terremoto na Turquia e na Síria, este ano, eu estava presente e foi essa rede de apoio, inclusive, que ajudou doando dinheiro para que eu pudesse comprar cobertores e alimentos e distribuir para as vítimas.
Vivi dois terremotos na Turquia, um deles foi o que deixou mais de 40 mil mortos. Foi surpreendente ver todo mundo correndo do hotel para a rua. Estava em Isparta e via famílias chegando em caminhonetes em cima de colchões.
Então, me propus a ajudar os turcos. Consegui arrecadar cerca de R$ 13 mil. Doava os mantimentos para as famílias que estavam chegando e ficaram refugiadas. Foi uma onda de solidariedade que nunca vi.
Fiquei vários dias comprando esses mantimentos e levando aos postos. Alguns estudantes de Isparta me ajudavam, especialmente com o idioma.
Imprevisível
Para viajar de bicicleta, tem de estar sempre preparado para um imprevisto. Às vezes tem uma tempestade, um problema na bicicleta, ou o Belmiro fica doente.
Geralmente fico em barraca, em hostel ou em casa de pessoas que me hospedam. Só consigo planejar a viagem com um dia de antecedência. Além disso, tem o Belmiro, que nem sempre é aceito nos lugares.
Grande parte dos hotéis na Europa não aceita cachorro — e, quando aceitam, cobram uma taxa. Hostel é quase impossível, mas no camping é mais normal.
Tem de ter os cuidados [com o cachorro] semelhantes aos de uma criancinha. Não dá para expor ao frio extremo, tem de parar de duas em duas horas para dar água e alimento. Não vou colocá-lo em risco
Quando estou na estrada, guardo pelo menos três momentos para passear com ele. Ele é meu parceiro e me ajuda muito emocionalmente na viagem. É alegre, feliz e adora viajar. A viagem é formatada por mim e pelas necessidades dele.
Quero continuar e pretendo chegar na China. Lá devo resolver se vou para o sul da Ásia ou se vou para o Alaska. A ideia é retornar ao continente americano e descer até São Paulo de bicicleta.
Acho que, com isso, eu e Belmiro devemos ficar mais uns dois anos viajando pelo mundo.
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