Historiador garante que molho carbonara é americano - e irrita italianos
Um dos pilares mais "importados" e amados da cozinha italiana, o espaguete à carbonara não teria sido inventado na Itália, mas nos Estados Unidos — ao menos, é o que garante o historiador especializado em gastronomia Alberto Grandi.
Em entrevista recente ao jornal Financial Times, o italiano que também é jurado da Copa do Mundo de Tiramisù desmistificou algumas origens que ele considera inventadas após anos de estudo. "A cozinha italiana realmente é mais americana que italiana", provocou, citando como base a comunidade italiana estabelecida no país pós-Segunda Guerra e a necessidade de recriação, por parte dos imigrantes, de uma imagem idílica do país que deixaram.
No entanto, seus achados têm sido recebidos com controvérsias. No festival literário Les Mots em Aosta, em 2018, Grandi chegou a ser atacado por um apresentador romano que se ofendeu depois que o estudioso disse que o carbonara não tinha nada de italiano. "Ele me chamou de cada nome possível", relembrou.
Em 2019, o embaixador italiano na Turquia deu uma bronca pública em Grandi em uma conferência em Ancara depois que ele ridicularizou as 800 proteções que a Itália detém sobre Produtos Designados Pela Origem (PDO) que garantem que um alimento só é autêntico — e por isso, pode usar aquela marca ou classificação no rótulo, o que encarece seu preço — se fabricado em determinado local com condições específicas.
Este é o caso, por exemplo, do Parmigiano Reggiano, o "verdadeiro parmesão", ou do Champagne — espumante que só pode receber este nome se for francês. Para o embaixador, Alberto Grandi havia ido longe demais, tanto que em seu podcast "DOI" (Denominazione di Origine Inventata ou 'Denominação de Origem Inventada), ele brinca que "deveria sair de casa com guarda-costas como [o autor] Salman Rushdie" (atacado a facadas durante uma palestra em agosto de 2022).
Conheça as histórias reais, segundo Grandi, destas receitas extremamente populares:
Carbonara
Tanto ao Financial Times quanto ao Corriere della Sera, Grandi garantiu que a receita não aparece em nenhum livro anterior a 1952. O primeiro foi impresso em Chicago naquele ano e constava com o bacon como ingrediente, não a bochecha de porco. Esta substituição teria começado nos anos 90.
Uma receita de 1954 da revista La Cucina Italiana ainda adiciona queijo gruyère. Já uma de 1958 do restaurante romano Tre Scalini levava prosciutto (o presunto italiano) e cogumelos salteados. A teoria de outro historiador, Luca Cesari, é a apoiada por Grandi. Ela diz que, em 1944, o chef italiano Renato Gualandi teria feito o primeiro carbonara em um jantar em Riccione para o Exército americano com convidados que incluíam o então premiê britânico Harold Macmillan.
"Os americanos tinham um bacon fabuloso, creme muito bom, queijo e gemas de ovos em pó", relembrou Gualandi. Ou seja, segundo esta linha de pensamento, se o carbonara não foi feito pela primeira vez nos EUA, ele tem — ao menos — inspiração americana.
Panetone
O panetone nasceu mesmo na "bota", mas tem um passado mais recente do que se imagina e bem distante das 'nonnas' como os comerciais nos fazem crer, segundo Grandi. Ao menos, como o conhecemos hoje. Antes do século 20, o panetone era um pão fino e rígido recheado com algumas uvas passas, consumido habitualmente pelos italianos mais pobres. Ele também não tinha nada a ver com o Natal.
Já o panetone que conhecemos hoje seria uma invenção industrial, de acordo com o historiador. Ele nasceu nos anos 20, quando Angelo Motta, do rótulo italiano Motta, criou uma nova massa e iniciou a tradição de um pão mais fofinho e alto, em forma de "domo" com o nome de panetone. A ideia pegou. Nos anos 70, padarias independentes começaram a copiá-lo.
"Depois de uma jornada bizarra de trás para frente, o panetone finalmente se tornou o que nunca foi: um produto artesanal", diz Grandi.
Tiramisù
Outro que é bem mais jovem e menos tradicional do que se acredita é o tiramisù. Sua primeira aparição em livros de receitas data dos anos 80. Seu ingrediente principal, o queijo mascarpone, era raramente encontrado fora dos limites da cidade de Milão antes dos anos 60 — o que torna seu nascimento antes desta data improvável para Grandi.
Ele ainda lembra que os biscoitos em uma infusão de café que dividem as camadas do doce são Pavesini, um lanche popular vendido em mercados italianos a partir de 1948. "Em um país normal, ninguém ligaria para quando e onde uma sobremesa foi inventada", se divertiu, ao Financial Times.
Parmesão
Já o parmesão tem cerca de um milênio inteiro de idade. Mas antes dos anos 60, o queijo pesava só cerca de 10 kg — ao contrário das rodas gigantescas e caríssimas de cerca de 40 kg que conhecemos hoje. Sua casca até então também era preta e sua textura era mais macia e gordurosa do que a versão atual. "Alguns até dizem que este queijo, como sinal de qualidade, tinha que ser capaz de pingar uma gota de leite quando espremido", explicou.
"Seu exato correspondente moderno é o parmesão de Wisconsin", decreta Grandi, para o horror de italianos puristas. Ele acredita que, no início do século 20, imigrantes italianos da região do Pó ao norte de Parma, começaram a produção no estado americano, mas sua receita nunca mudou como a italiana.
Pizza
O estudioso jura que a maioria dos italianos não viu ou ouviu falar de pizza até os anos 50. "Discos de massa com cobertura de ingredientes" já existiam antes disso pelo Mediterrâneo durante séculos, com diferentes nomes. Mas, em 1943, soldados ítalo-americanos foram enviados para a Sicília (no bico da 'bota') e viajaram subindo pela península.
Foram eles que teriam avisado aos compatriotas em casa, nos EUA, que não havia pizzarias no centro e norte da Itália. Isto porque, antes da guerra, a "redonda" só era vendida e consumida nas ruas do sul, onde era um lanche popular entre as classes mais pobres. A primeira pizzaria, diz Grandi, abriu não na Itália, mas em Nova York em 1911. "Para o meu pai, nos anos 70, pizza era tão exótica quando o sushi é para nós hoje", diz.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.