Na 'Paraty de Portugal', bati papo, pus a mão na massa e virei artesã
Natália Manczyk
Colaboração para Nossa, em Loulé (Portugal)
05/04/2023 04h00
O som é ouvido a um quarteirão de distância pelos que passeiam por Loulé, a cidade portuguesa que é como uma Paraty do Algarve.
Entre as casas branquíssimas com bordas e janelas caprichadas e as ruas de pedras que tornam impossível dar passos de salto alto, ecoa o martelo de Seu Analide batendo forte no cobre.
De avental jeans escuro, cabelos brancos e sapato social lustrado, é assim que ele molda o metal para formar a cataplana (recipiente para cozinhar típico do Algarve), além das pulseiras, tigelas e argolas de guardanapo.
Há mais de 50 anos, essa é a rotina desse português concentrado, que exibe pendurados em sua oficina com o maior orgulho os martelos de todos os tamanhos e seu belo artesanato.
O som forte da bateção no cobre fez com que a audição de Seu Analide não seja mais como nos velhos tempos, mas em sua oficina ele vê um entra e sai constante de turistas interessados em assistir como nasce a cataplana e em comprar os itens de decoração de muito bom gosto.
Loulé, a só 17 km da mais famosa Faro, sempre foi terra de artesãos, dos tradicionais sapateiros aos relojoeiros. Era centro comercial e ponto de encontro de gente do Algarve e do Alentejo que ia comprar comidas e utensílios para a casa.
No entanto, o turismo que proliferou no Algarve foi aos poucos levando esses profissionais para outras áreas e deixando tais trabalhos mais escassos — o que o Brasil já viu em muitas de suas cidades.
Mas uma iniciativa criada pela prefeitura em 2014, o Loulé Criativo, fez nascer ali o conceito de turismo criativo. Tem quem só caminhe pelas ruelas e vá passando de ateliê em ateliê, todos de portas abertas para receber os visitantes.
Marteladas e uma boa prosa
Quem está atrás do balcão não são atendentes contratados especialmente para isso, e sim os próprios artistas.
Bons de prosa que são naturalmente os portugueses, eles vão explicando como fazem as lindas cerâmicas, os lustres de folha de palma, os copinhos para medronho (a aguardente do Algarve, produzida com o fruto de mesmo nome) e tudo mais o que você quiser saber enquanto eles trançam as folhas de palma, batem o martelo, alisam o barro ou dedilham sobre os teares manuais.
Pondo a mão na massa
Além de ir de loja em loja e de ateliê em ateliê entre os casarões brancos e o imponente castelo de pedras de Loulé, os turistas têm a chance de vivenciar ainda mais a cultura do Algarve colocando literalmente a mão na massa.
Isso porque o Loulé Criativo organiza workshops nas tantas oficinas associadas.
Basta rodar pelo imponente Mercado Municipal de Loulé, por exemplo, para ver que um dos doces mais tradicionais é a estrela de figo seco e amêndoa. Você pode até comprar, mas teria que voltar para Portugal toda vez que quisesse mais.
Mais fácil é aprender a fazer receitas com as duas iguarias em um workshop de duas horas promovido pela confeiteira Ana Figueiras (30 euros).
Ela ensina, além da estrela, uma receita de figo seco com recheio de amêndoa e especiarias, e a produzir também o queijinho de figo — massa feita com figo e amêndoa torrada e moída com especiarias.
Já na Casa da Empreita, mais um casarão tal qual os de Paraty, as artesãs entrelaçam a palma, folha da Península Ibérica, para fazer cestas, bolsas e apoios de prato.
A técnica milenar e tão tradicional de Loulé pode ser aprendida pelos turistas em mais um workshop por 30 euros, em que os forasteiros entendem sobre a preparação da palma e aprendem a tirar a folha e a trançá-la.
A Casa da Empreita é um exemplo e tanto de como os artesãos de Loulé se atualizaram: as bolsas, lustres de palma, tapetes, espelhos e cestos ganharam um design contemporâneo e poderiam estar expostos em qualquer loja refinada de decoração.
Tudo graças ao Loulé Criativo, que incentiva os artesãos a criarem com o design atual, mas sempre preservando a técnica transmitida entre as gerações.
Os turistas com isso movimentam não só as ruas, mas também as lojas e oficinas, seja para dar uma olhadinha seja para conversar ou aprender técnicas.
Bernadette é mais uma boa de papo.
A ceramista é apaixonada pelo que faz. Ela pede desculpa pelo ateliê bagunçado.
Mas se não houvesse tantas esculturas, argilas, potes com água e pinceis espalhados, os visitantes não saberiam que ali ela usa tanta criatividade para moldar os objetos que tomam todo o ateliê: de cinzeiros formados por conchas das praias do Algarve a esculturas de elefantes.
A quem pergunta, ela explica sobre a areia da região, as conchas e as muitas praias que a inspiram.
É, ninguém ali tem acanho de ensinar. Ela dá aulas de modelagem de barro, e pela cidade ainda tem quem ensine pintura de azulejo, bordado de flores tradicionais do Algarve, móveis de cartão... é só entrar no site www.loulecriativo.pt e reservar o seu workshop na cidade que encontrou uma forma de manter vivas as tradições do Algarve.