Cabeça, língua e até tripas: bacalhau é consumido por inteiro em Portugal
Esqueça aquele lombo alto de Gadus Morhua mergulhado no autêntico azeite extra virgem português com batatinhas ao murro, também conhecido como Bacalhau à Lagareiro.
O tema aqui são as partes menos conhecidas no nobre peixe nórdico que é sucesso absoluto nas mesas lusitanas e um exemplo ímpar de sustentabilidade e aproveitamento máximo do animal.
Em Portugal, onde o bacalhau é muito mais popular em mesas natalinas do que na Páscoa, prepare-se para se deparar com um cardápio com oferta de pratos preparados com línguas, bochechas, caras (chamados assim porque não constituem a cabeça inteira do pescado) ou ovas de bacalhau.
Aliás, tais ingredientes extraídos do peixe também podem ser encontrados em versões em conserva.
No comando da Tasca da Esquina, o renomado chef Vítor Sobral, afirma que algumas partes do bacalhau são ricas em sabor, como é o caso das boinas — bexiga-natatória — ou dos samos, que são as tripas do peixe.
O samos é cozido, habitualmente, com grão de bico ou feijão, enquanto a bexiga é confeccionada em preparações tipo guisados e estufados [refogados]" Vítor Sobral
Já as línguas, de acordo com o chef, caem bem com arroz caldoso, empanadas ou fritas. As cabeças por sua vez, são preparadas assadas no forno, cozidas com legumes ou em feijoadas (sim, em Portugal, a versão deste prato com peixes e frutos do mar é bem comum).
Tais ingredientes, no entanto, não costumam estar na carta convencional dos restaurantes de Sobral, especialmente no Brasil, onde o acesso aos ingredientes, digamos, mais peculiares, é difícil.
Em Portugal, costumo incluir esses ingredientes, especialmente as línguas e as caras de bacalhau, em menus degustação ou em cardápio de eventos" Vítor Sobral
Um exemplo é a moqueca de línguas de bacalhau, rica em texturas e sabores.
E por falar em menu degustação, o premiado chef Rui Paula, à frente do duas estrelas Michelin Casa de Chá da Boa Nova, em Leça de Palmeira, ao norte de Portugal, é entusiasta das partes menos nobres do bacalhau, especialmente dos samos. "São bem gelatinosos, com muito colágeno e muito agradáveis à boca. Um ótimo ingrediente", garante.
No entanto, o chef reforça que é fundamental usar técnicas e processos para extrair o melhor do ingrediente, como retirar a película que envolve estas partes do peixe.
"Depois de bem limpos, os samos devem ser cozidos lentamente e confitados em azeite", ensina. No restaurante de fine dining do chef, é feita uma releitura da feijoada, que nasceu em Portugal, é sempre bom lembrar.
Gosto de servir com purê de grão-de-bico e algumas lascas de bacalhau, finalizado com o molho do próprio peixe. Fica muito saboroso e representa muito a nossa gastronomia" Rui Paula
Aqui, vale reforçar: apesar de o bacalhau não ser originário de Portugal, o país é o maior consumidor do peixe no mundo e foi responsável por criar as receitas mais originais com o produto.
Cabeça
Outro fato curioso revelado pelos chefs e confirmado pela diretora do Conselho Norueguês da Pesca, Randi Bolstad, é que o costume de comer as chamadas miudezas do bacalhau é, de fato, autenticamente português.
São hábitos ligados à cultura gastronômica de cada país. Na Noruega, por exemplo, o bacalhau costuma ser consumido em filetes e sem pele" Randi Bolstad
E aqui, cabe um adendo: as caras são apenas uma parte da cabeça do bacalhau, que até virou expressão brasileira para algo difícil de ser visto por aqui. Afinal, quem aí já viu cabeça de bacalhau?
Por questões mercadológicas, boa parte das cabeças são retiradas antes do processo de secagem e rumam, especialmente, para a Nigéria, onde viram protagonista de uma sopa substanciosa e muito popular por lá.
Aproveitamento
O processamento do bacalhau que chega ao mercado internacional começa com a retirada do sangue, que ocorre ainda nos barcos. "O fígado é separado para a produção de óleo e o peixe segue para o processamento em terra", explica Randi.
O avanço tecnológico nas estações de processamento de bacalhau permite que a extração e separação das partes do bacalhau e encaminhamento das partes mais nobres para o processo de salga seja mais rápido.
"Muitas etapas são feitas por máquinas, o que agiliza o processamento e a separação das partes apreciadas em cada mercado". Em uma delas, por exemplo, são retiradas as espinhas, de onde se extraí o colágeno.
Aqui, mais um fato curioso: a melhoria no transporte de cargas nos caminhões frigoríficos está contribuindo para uma mudança de hábito.
Alguns mercados começam a dar preferência ao bacalhau que não passa pelo processo de salga, uma tradição que tem muito a ver com a conservação do produto" Randi Bolstad
Há, agora, um projeto em andamento na Noruega que tem o objetivo de dar aproveitamento, também, ao sangue do bacalhau, geralmente eliminado ainda nos pesqueiros. "É um projeto que foca na sustentabilidade, no uso, realmente, integral do bacalhau", finaliza Randi.
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