Paris tem um moinho (não é o Moulin Rouge!) que virou ponto turístico
O endereço já era tradicional entre a boemia de Montmartre: uma esquina frequentada por artistas, comediantes, publicitários e afins e que já aparecera em outros dois filmes. Mas foi em 2001 que ele foi alçado à condição de ponto turístico cinéfilo, graças ao megahit francês "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain".
No filme, a protagonista, vivida por Audrey Tautou, é funcionária do Café des Deux Moulins, uma cafeteria que faz as vezes de bistrô e que, hoje, é repleta de homenagens à personagem-título. Nada mais justo, pois é ela que a maioria dos visitantes quer imaginar circulando entre os clientes.
Mas, bem antes de Amélie, o café teve uma longa história. Conheça agora.
Ele foi batizado em homenagem a dois moinhos do bairro. Um é o Moulin Rouge, que de tão famoso é nome até de filme premiado no Oscar (na mesma edição em que "Amélie" concorreu, inclusive).
O outro é o Moulin de la Galette. Em funcionamento desde o século 17, ele foi comprado pela família Debray em 1809, que passou a usar a farinha moída no moinho para fazer galettes, uma espécie de crepe salgada.
Os primeiros anos sob a nova direção foram terríveis. Em 1814, durante a Batalha de Paris, um dos últimos episódios das Guerras Napoleônicas, a capital foi sitiada por uma coalizão formada por russos, prussianos e austríacos. Membros da família Debray morreram ao tentar proteger o moinho.
Na Guerra Franco-Prussiana, em 1870, mais uma vez Paris foi sitiada pelos prussianos, mais uma vez a França foi derrotada e mais uma vez um Debray foi morto no moinho.
A bonança chegou, finalmente. Junto com a Belle Époque e o impressionismo. O Moulin de la Galette ganhou um salão de dança ao ar livre que, tal qual o Moulin Rouge, foi um ímã de boêmios no fim do século 19.
O cabaré popular atraiu artistas, que o pintaram. Van Gogh, Toulouse-Lautrec e Ludovic-Rodo Pissarro (filho de Camille) usaram o moinho de cenário em seus trabalhos.
O mais famoso, sem dúvida, é uma obra-prima do impressionismo, "O Baile no Moulin de la Galette" (1876), hoje no Museu D'Orsay. A tela de Renoir mostra a festança que a classe trabalhadora fazia em dias de folga, vestindo suas melhores roupas e dançando sob a sombra das árvores.
"Nós corríamos para o campo para celebrar a alegria de não ter que ouvir nem falar de política", escreveu naquele mesmo 1876 Émile Zola. A França ainda se recuperava das perdas da guerra, mas o crescimento econômico estimulava a busca por entretenimento e cultura. "O estado de sítio acabou, e Paris agora só quer aproveitar o sol da primavera", anotou o escritor francês.
Montmartre, naquela época, ainda tinha traços rurais. O bairro, que fora incorporado a Paris apenas 16 anos antes, tinha pomares, jardins e pastos, além dos dois moinhos. "Tinha fama pelo bom ar, o que, na era da industrialização, era um artigo raro na metrópole", explicam Rose-Marie e Rainer Hagen no segundo volume de "What Great Paintings Say" ("o que dizem as grandes pinturas", sem edição brasileira).
Nos anos 1920, o moinho foi transferido para a esquina onde se encontra até hoje. Desativado, ele virou um monumento da cidade e hoje enfeita um restaurante chamado, é claro, Moulin de la Galette.
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