Tênis tipo Transformers, para você 'montar', são o futuro dos calçados?
A personalização de tênis não é uma novidade no universo dos sneakers. O desejo por modelos únicos fez surgir artistas especializados na arte de customizar cada detalhe dos modelos e transformá-los em peças exclusivas.
Um par estilizado por Dominic Ciambrone, conhecido como The Shoe Surgeon e considerado um dos grandes nomes da cena norte-americana, custa a partir de 5 mil dólares.
Alinhadas ao que seu público pede, as grandes marcas do segmento criaram modelos que apostam na versatilidade, como a colaboração da marca de Yoon Ahn, Nike Air Adjust Force x AMBUSH — uma "faixa" que combinada com outras cores, transforma o tênis quase que em um novo modelo (veja imagem mais abaixo).
Em 2023, uma tendência emergente nesse mercado estará cada vez mais em evidência: os tênis modulares. Uma das marcas de performance de trail running, a Speedland, agora permite adicionar ou retirar as palmilhas para melhorar a performance do atleta de acordo com o terreno ou tipo de treino.
A Speedland foi criada por Dave Dombrow e Kevin Fallon, dois veteranos da indústria de calçados com passagens pelo design de produtos da Nike, Puma e Under Armour.
Essa trend surge permeada não apenas pela proposta da ajustabilidade que as customizações permitem, mas desponta, principalmente, pela narrativa sustentável.
A italiana ACBC (sigla para Anything Can Be Changed) é uma expoente nessa tendência. A jovem marca criou um sneaker modular chamado Zip Shoe: o tênis é composto por base (a sola) e cabedal (parte superior), que se conectam por um zíper. As opções de desenhos e cores de cabedais podem ser esportivas ou mais discretas, que vão facilmente do treino à festa.
Usando 60% de materiais alternativos ao couro para a fabricação da sola, a marca utiliza restos de frutas e legumes, como o "tecido" Pinatex, criado a partir de folhas de abacaxi.
Cofundador da ACBC, Edoardo Iannuzzi, designer e professor do mestrado em moda na Universidade Politécnica de Milão, afirma que um dos objetivos é lançar luz para alternativas que provoquem menos impacto ambiental na moda.
A ACBC propõe ao consumidor usar modelos diferentes de tênis e sapatos a partir da intercambialidade dos cabedais sobre um mesmo solado, base para modelos diferentes, e assim empurrar um lifestyle mais sustentável.
Considerando que a produção da sola é a fase mais poluente do processo industrial a possibilidade de trocar a parte superior reduz pela metade as emissões de dióxido de carbono por si só e, por consequência, o "peso" do processo de fabricação no ambiente.
"A versatilidade na moda é cada vez mais vista com bons olhos, sendo relacionada à ideia de uma compra mais inteligente e consequentemente, de maior valor percebido para os consumidores. Não restringindo apenas ao custo do produto em si, mas também o valor por trás da praticidade que essa modularidade oferece", diz Natália Vargas, especialista em tendências na WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo; e ela completa:
Como, por exemplo, o caso de uma pessoa que decida viajar e opte por levar apenas um calçado que possa ser adaptado para as diferentes ocasiões, ocupando não apenas um menor espaço na mala"
Zeitgeist pós pandemia
Para Karem Keiko, criadora de conteúdo sneaker, a preocupação com a cadeia de produção e os materiais usados no design dos tênis são levados em consideração em suas escolhas. "Muitas marcas já estão se posicionando em prol do meio ambiente em suas produções, como a Nike adotando como pilar o Move to Zero, usando materiais recicláveis e sustentáveis".
Em 2020, com a pandemia, vimos uma expansão no conceito da modularidade de forma a atender às novas demandas que surgiram com esse cenário.
Após tantas restrições que vivemos, observamos em contrapartida uma grande busca por uma vida mais ao ar livre, onde nesse momento os calçados precisavam acompanhar tanto as necessidades dentro de casa — onde acabamos passando a maior parte do tempo — quanto as de fora de casa para uma infinidade de novas atividades.
Observamos que esta tendência também evoluirá para atender um consumidor com orçamentos mais apertados por conta do aumento do custo de vida, possibilitando que ele invista não apenas em peças que possam ser adaptadas para diferentes ocasiões como também as que acompanhem a sua preocupação crescente com quesitos em torno de sustentabilidade" Natália Vargas
Na crista da tendência, a Nike criou o ISPA Link e o Link Axis com esse mote sustentável também. O Link Axis tem três camadas que se encaixam (sem nenhuma cola) e, quando atingem a vida útil, o cliente pode deixar essas partes em uma loja da Nike para o serviço de doação e reciclagem.
Para a especialista da WGSN, cada vez mais veremos as marcas explorarem essa inteligência de produto. Desde marcas mais populares, voltadas à massa, quanto às marcas de luxo.
E um simples zíper está brilhando no design. A Havaianas em parceria com a norte-americana Market em uma collab inovadora, o Zip Top — um chinelo de tiras grossas que se transforma em um tênis, graças ao cabedal de tecido à prova d'água removível com zíper.
A MSCHF, nascida de um coletivo de arte americano, que chamou bastante atenção nos últimos dias por sua big red boots, por sua vez, conta em sua nova coleção com um tênis, que no primeiro olhar parece até comum, porém com a ajuda de um zíper, ele tem a funcionalidade estendida virando também um chinelo.
Vargas acredita que a modularidade vai seguir se popularizando e sendo aplicada não só em calçados. Ela pode se expandir para diversas categorias de produto por meio da aplicabilidade de bolsos, cintos ajustáveis, mangas adaptáveis, de acordo com a necessidade do consumidor.
Nicole McLaughlin é uma artista nova-iorquina coleções mirabolantes e utilitárias feitas a partir do que a maioria poderia chamar de "lixo", como bolas de tênis usadas, embalagens plásticas, roupas rasgadas e cadarços.
Depois de chamar a atenção das grifes Hermés e Prada, acaba de lançar uma colaboração com a marca esportiva Oakley, justamente com vestimentas utilitárias.
Seu próximo feat é com a Vans, com bolsos utilitários nos tênis de uma das líderes no streetstyle, que remetem à bolsa de jardinagem — e que foi febre por aqui nos anos 1990.
Para Karem, as marcas precisam se preocupar com a estética para que a trend se torne realmente popular e apelativa para o grande público. "Acho que as marcas precisarão investir mais no design para chamar mais a atenção geral. O ISPA, por exemplo, é interessante, mas não é o que geralmente as pessoas consideram bonito e desejável em um sneaker, e isso conta muito mais na decisão de compra para além da narrativa sustentável por trás do modelo".
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