Fungos que valem uma fortuna, trufas são nova aposta de cultivo no Brasil
Trufas são fungos meio feiosos. Parecem batatas encaroçadas que crescem embaixo da terra, agarradas a raízes de algumas árvores, como pés de nozes-pecã, avelãs e carvalhos, e dão um trabalhão para ser encontradas. Mas como são gostosas...
A raridade explica, em parte, por que figuram na lista dos alimentos mais caros do mundo — dependendo da variedade, o quilo pode custar de 100 euros, o equivalente a R$ 560, até 4 mil euros, o que dá mais de R$ 22 mil.
E não falta gente disposta a desembolsar essa fortuna. Extremamente aromáticas, trufas têm um sabor intrigante, que não se parece com nenhum outro, e o poder de transformar um simples ovo frito em prato de alta gastronomia. Quem prova não esquece.
Até poucos anos atrás, dizia-se que custavam tão caro porque era impossível cultivá-las. Voluntariosas, elas só cresciam de forma espontânea onde bem entendessem — e alguns países souberem explorar essa sorte, transformando suas trufas em iguarias cobiçadas mundo afora, capazes de movimentar a economia de regiões inteiras.
É o caso de Alba, no norte da Itália, famosa pelas trufas brancas, as mais caras do mundo, ou de Périgord, na França, que tem as trufas negras como principal chamariz.
Até por aqui
A novidade é que trufas já podem, sim, ser cultivadas. Chile, Argentina, Estados Unidos, Uruguai, Nova Zelândia, Portugal e Austrália já têm produção consistente de trufas de cultivo e até exportam. Agora, quem está dando os primeiros passos na truficultura é o Brasil.
Esta história começou em 2016, quando o gaúcho Marcelo Sulzbacher, doutor em Biologia de Fungos, encontrou as primeiras trufas brasileiras em plantações de nogueiras-pecã, em Cachoeira do Sul (RS). De uma espécie inédita no Brasil, as Tuber floridanum ganharam por aqui o apelido de Sapucay, que significa canto dos pássaros na língua tupi.
A novidade logo se espalhou e, de lá para cá, outros proprietários de terras empunharam enxadinhas para descobrir essa riqueza sob suas árvores. Um deles é o fruticultor Rodrigo Veraldi, de São Bento do Sapucaí (SP), no alto da Serra da Mantiqueira, que achou as primeiras trufas no outono de 2021.
Diferentes da Sapucay, elas são da espécie Tuber borchii, que na Itália recebem o nome de Bianchetto — sempre que consegue coletar uma quantidade razoável, Veraldi põe as trufas em pratos especiais do restaurante Entre Vilas, que ele mantém dentro da propriedade.
No Paraná, Leandro Becker, dono de um pomar com 1.000 pés de nozes-pecã, também foi atrás depois que leu sobre as trufas brasileiras. Só no ano passado, desenterrou 3 quilos. "A maior delas tinha cerca de 30 gramas", conta entusiasmado.
Os mais empolgados já estão investindo em pomares plantados especialmente com essa finalidade. Perto de Morungaba, no interior paulista, o engenheiro Fernando Heer plantou, em 2022, uma floresta com 400 pés de nogueiras-pecã inoculadas com esporos de trufas. As mudas chegaram com cerca de 50 centímetros de altura e já dobraram de tamanho.
Ninguém sabe ao certo quando começarão a dar retorno, algo entre 5 e 10 anos. Dependendo de como a plantação evoluir, quero plantar quatro vezes mais nos próximos anos" Fernando Heer
Em Monte Verde, no lado mineiro da Serra da Mantiqueira, Thiago Comenale vai no mesmo caminho. Produtor orgânico de uma série de espécies, de frutíferas a madeira de reflorestamento, ele já plantou 1500 mudas de carvalhos, 300 de aveleiras e 200 de diferentes nogueiras — todas inoculadas por ele mesmo.
Tenho estudado bastante as exigências do solo e todo o processo de cultivo para ser comercialmente viável", ele conta.
Como as trufas devem ser localizadas quando ainda estão escondidas na terra, a colheita é um processo bastante complexo. No passado, a tarefa era realizada com ajuda de porcos, mas eles não podiam ser treinados e, volta e meia, comiam as trufas.
Hoje, cachorros especialmente adestrados farejam o solo e são capazes de identificar onde as joias comestíveis estão enterradas, sem danificá-las - em 2021, todo o bonito ritual italiano da caça às trufas foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A raça de cães mais usada na Itália, Lagotto Romagnoli, já desembarcou por aqui — em Atibaia (SP), a criadora Luiza Sobral começou com um casal importado da Croácia e já viu nascerem 10 filhotes, em duas ninhadas.
Uma das fêmeas, a Birba, vive na propriedade de Rodrigo Veraldi e está sendo treinada para caçar trufas junto com a vira-lata Laika. Já o macho Nero vive com o casal Carlos e Mônica Claro, proprietários da rede de restaurantes Tartuferia San Paolo, na capital paulista.
Embora a especialidade da casa sejam as trufas italianas, ambos são entusiastas da produção brasileira e têm colocado as nacionais no cardápio sempre que possível.
Nero começou a trabalhar cedo. Em novembro de 2021, com 10 meses de idade, ele foi levado a Cachoeira do Sul para a primeira caçada de trufas realizada no Brasil — e descobriu a maior peça já encontrada por aqui, com 134 gramas.
Em março deste ano, os Claro repetiram a dose e levaram Nero até a propriedade de Leandro Becker, no Paraná. Voltaram animados com o cão e com as trufas. "No início, as Sapucay tinham 5 gramas, em média, e não conseguimos mais do que 20 quilos. Este ano, elas estão chegando com o dobro do tamanho e devemos conseguir dobrar o volume também", diz Mônica.
Segundo Marcelo Sulzbacher, elas também estão mais aromáticas:
A melhora da qualidade tem a ver com o manejo correto do solo. Nos pomares que estão começando do zero, a possibilidade de sucesso, nos próximos anos, é ainda maior"
Nos restaurantes da Tartuferia San Paolo, a clientela pode enriquecer qualquer prato com as lâminas de Sapucay.
O ritual é o mesmo dedicado às mais caras trufas europeias. Guardada sob redoma de vidro, a bolota fresca é levada à mesa pelo garçom e pesada à vista do cliente. Depois de laminá-la com cuidado sobre o prato, o atendente pesa o pedaço que sobrou, para calcular quantos gramas foram utilizados — cada grama da Sapucay sai por R$ 23 e considera-se que 4 gramas é a quantidade mínima para sentir o gostinho da trufa.
Um prato foi criado especialmente para as Sapucay que Nero encontrou na fazenda do Paraná: o Rigatoni alla Parmigiana traz a massa coberta por fonduta de parmesão, finalizada com 4 gramas de trufas frescas laminadas na hora, por R$ 135 — é por tempo limitado, enquanto houver trufa.
Barato não é, mas não deixa de ser uma pechincha comparada ao preço do grama da trufa branca de Alba — em 2022, durante o outono europeu, única época em que é possível encontrá-las, o grama custava R$ 88 na Tartuferia San Paolo e R$ 95 no Beefbar. No restaurante Fasano, o prato de macarrão cabelinho-de-anjo com trufas brancas era servido por R$ 1.300.
Conheça os principais tipos de trufas que chegam ao Brasil
- Branca (Tuber magnatum Pico) -- mais cara entre as mais de 60 espécies registradas no mundo, cresce exclusivamente na região do Piemonte, norte da Itália
- Pregiato (Tuber melanosporum Vitt) -- mais nobre entre as trufas negras, é a espécie que ocorre na região francesa de Périgord e em Norcia, na Itália
- Bianchetto (Tuber borchii Vittadini) -- parecida com a trufa branca, é também conhecida como Marzuolo e já foi encontrada em São Bento do Sapucaí (SP)
- Sapucay (Tuber floridanum) -- foi descoberta no Rio Grande do Sul, em 2016, e já foi encontrada no Paraná
- Estivo (Tuber Aestivum Vittadini) -- trufa negra típica do verão italiano, pode ser colhida entre maio e setembro
- Uncinato (Tuber Uncinatum Chatin) -- parecida com a trufa de verão (Estivo), se desenvolve em montanhas de várias regiões italianas
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