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Brasileira vende pastéis na janela de casa e faz sucesso em Berlim

Ao som de música brasileira, a carioca Sandra Bello recebe os clientes na janela de sua casa em Berlim - Rodrigo Silva/UOL
Ao som de música brasileira, a carioca Sandra Bello recebe os clientes na janela de sua casa em Berlim Imagem: Rodrigo Silva/UOL

Rodrigo Silva

Colaboração para Nossa, de Berlim, Alemanha

21/04/2023 04h00

Caminhar pelas ruas de Berlim em um domingo de primavera, ainda invernal, e encontrar uma janela aberta não é tarefa das mais fáceis. E se de uma destas janelas vier aquele cheiro hipnotizante do nosso famoso pastel de feira?

O momento se completa com uma caixa de som e a voz inconfundível de Jovelina Pérola Negra cantando que "na feirinha da Pavuna, houve uma grande confusão, a Dona Cebola que estava invocada, ela deu uma tapa no Seu Pimentão".

A cena, que na capital alemã poderia parecer impossível, é bem real na Avenida Schönhauser 33. É lá que vive Sandra Bello. A carioca de 63 anos se mudou para Berlim há quase 3 décadas.

Nascida e criada na Ladeira dos Tabajaras, comunidade localizada em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, Sandra exercia a função de professora do Ensino Básico e sempre participou de movimentos sociais negros nas favelas. A ideia de vender os pastéis na janela, que firmou mesmo há uns cinco anos, nasceu exatamente de suas origens.

Sandra Bello no local que ficou conhecido informalmente como "Pastel na Janela" - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Sandra Bello no local que ficou conhecido informalmente como "Pastel na Janela"
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

"Foi no estilo de vida do povo que sempre está se reinventando para ter um pouco mais de confortabilidade social. Meus pais tiveram que se "virar nos trinta" para furar o bloqueio imposto pelo racismo e desigualdades sociais", diz a Nossa.

Aqui em Berlim, queria lembrar as birosquinhas e os puxadinhos existentes nas favelas cariocas. Esses lugares sempre foram socializantes. De vigilância, de paquera ou do simples bom dia. Durante a pandemia, a minha janela foi terapêutica"

A janela da sala de casa é o ponto de venda de pasteis e outras delícias  - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
A janela da sala de casa é o ponto de venda de pasteis e outras delícias
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

Terapêutica e saborosa para todos os gostos. Dos tradicionais carne, queijo, camarão e palmito, aos mais exóticos, como jaca e frango com quiabo. Em algumas datas pontuais a Sandra mergulha na culinária baiana e também vende abará, acarajé e xinxim de galinha.

O cliente pede pela janela e, se ainda tiver lugar na sala, a Sandra manda entrar. A depiladora Cleyde Marques, que está em Berlim há 17 anos, já virou cliente e amiga, e diz que a casa da Sandra é uma "embaixada informal" do Brasil.

A depiladora Cleyde virou cliente e amiga - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
A depiladora Cleyde virou cliente e amiga
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

Enquanto esperam pelos pastéis, montados e fritos um a um, as pessoas se conhecem, trocam experiências de vida, comem e, na hora de ir embora, prometem voltar. Caso da mineira Angélica Campos. A virologista, que mora em Berlim há dois anos, descobriu o pastel da janela pelas redes sociais.

Toda vez que ela anuncia eu venho. Essa coisa de receber em casa para quem chega em Berlim e não conhece ninguém é muito importante. Você vem comer pastel e se sente acolhido, em família. E além de tudo, tem o sabor!" Angélica Campos

Nem o friozinho espanta os clientes de Sandra - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Nem o friozinho espanta os clientes de Sandra
Imagem: Rodrigo Silva/UOL
Mário sempre que pode bate ponto no pastel na janela - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Mário sempre que pode bate ponto no pastel na janela
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

Quem também não dispensa o pastel de camarão, além do acarajé, é Mário Vasconcellos. O médico que vive em Berlim há sete anos conheceu a Sandra em um samba. E sempre que pode bate ponto na Schönhauser Alle 33.

"Acho uma ideia fantástica. Sinto muita falta da comida brasileira e sempre venho aqui prestigiar e dar um beijo na Sandra que é um doce de pessoa. Mesmo não estando no Brasil, você se sente em casa", afirma Mário.

Alessandro Comparini é outro que se sente em casa sem ter que pegar um avião para o Brasil. O estudante, que já está há oito anos na Alemanha, gosta da informalidade de como tudo é feito. Tanto que já trouxe muitos amigos para provar os pastéis da Sandra.

O estudante Alessandro gosta da informalidade do pastel da janela e do sambinha de fundo - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
O estudante Alessandro gosta da informalidade do pastel da janela e do sambinha de fundo
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

É um jeito de mostrar um pouquinho desse sentimento bem brasileiro. Aqui na Alemanha é sempre tudo regrado. Eu adoro esse negócio de você bater na janela de alguém e pedir um pastel! E ainda espero ouvindo um sambinha" Alessandro Comparini

Ana Martiniano também é fã da comida que a Sandra prepara. A cineasta enfatiza que a experiência do pastel da janela, além de gastronômica, é também muito afetiva. Nascida em São Paulo, Ana lembra das tradicionais feiras de rua que acontecem nos fins de semana em muitas cidades brasileiras.

"É um momento de feira de domingo que a gente tem aqui na casa da Sandra. O recheio do pastel é de carinho e de amor. Para nós brasileiros, a Alemanha é fria em todos os sentidos. Ela agrega não só com comida", destaca Ana.

Ana: "O recheio do pastel é de carinho e de amor" - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Ana: "O recheio do pastel é de carinho e de amor"
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

A janela também atrai outros povos

A Sandra diz que a maioria da clientela é brasileira. Nos dias de acarajé também recebe a visita de muitos africanos, principalmente de camaroneses.

Os alemães também curtem seus pastéis. Só que, segundo ela, muitas vezes esperam um atendimento mais ágil e impessoal. O que não é o caso de Raika Wiertz. A historiadora alemã é apaixonada pela culinária brasileira e pelo atendimento caloroso da Sandra.

O meu namorado é brasileiro e ele me apresentou a Sandra. Eu gosto muito do sabor! Adoro tudo isso que ela faz na própria casa! É uma ideia muito boa" Raika Wiertz

A maioria da clientela é brasileira, mas os pastéis também atraem alemães e imigrantes de outros países - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
A maioria da clientela é brasileira, mas os pastéis também atraem alemães e imigrantes de outros países
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

E é com o mesmo carinho de sempre que a Sandra recebe os chegam pela primeira vez. Caso da baiana de Feira de Santana Lay Gleim. A pedagoga que está há 20 anos na Alemanha e mora na cidade de Frankfurt foi com o marido, filhos e amigos passar uns dias em Berlim. E aproveitou para provar o pastel da janela.

"Acompanho há algum tempo esse movimento da Sandra. Sempre desejei vir. Muito saboroso! São coisas que só a gente sabe fazer. É o pastel da feira com gostinho bem especial", lembra Lay.

Bruna Hartmann é psicóloga e vive há apenas seis meses em Berlim. A gaúcha também descobriu o famoso pastel da janela pelas redes sociais. Então não pensou duas vezes e partiu para a casa da Sandra. E o arrependimento passou longe.

Estou matando a saudade do Brasil. Estava muito querendo comer pastel. Enquanto esperava, vi as pessoas comendo e dava água na boca. Senti um gostinho do Brasil aqui. Caseiro com espírito brasileiro" Bruna Hartmann

Lay estava a passeio em Berlim e decidiu conhecer o pastel na janela - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Lay estava a passeio em Berlim e decidiu conhecer o pastel na janela
Imagem: Rodrigo Silva/UOL
Bruna e o marido: "Senti um gostinho do Brasil aqui" - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Bruna e o marido na casa de Sandra: "Senti um gostinho do Brasil aqui"
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

Quintal vira Quilombo

E a inquietude da Sandra não tem limites. A agitadora cultural, como gosta de se definir, vai além dos pastéis e acarajés. Com um belo e grande quintal atrás de seu apartamento, fundou o Quilombo Alle. Lá montou uma pequena biblioteca e dá foco total à luta anti-racista com a exibição de filmes, rodas de conversas e festas.

O Quilombo Allee é um espaço de carinho. Fazemos parte de frentes da política migratória e lutamos por uma Alemanha que a cada dia aprenda a viver e conviver com a diversidade" Sandra Bello

Sandra recebe os clientes na sala de casa: clima familiar - Rodrigo Silva/UOL - Rodrigo Silva/UOL
Sandra recebe os clientes na sala de casa: clima familiar
Imagem: Rodrigo Silva/UOL

Da janela com os saborosos pastéis, à sala cheia de antigos e novos amigos, ao quintal que virou Quilombo, Sandra mostra que não perdeu a vocação daquela professora da Ladeira dos Tabajaras de quase trinta anos atrás.

Entre pedaços de tomate, cebola e coentro, coexistem outros temperos que não podemos ver, mas sentir.