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Nova série leva mundo dos vinhos a leigos e geeks com toques de cultura pop

Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas", na Apple TV+. - Divulgação
Fleur Geffrier, em 'Gotas Divinas', na Apple TV+.
Imagem: Divulgação

Tânia Nogueira

Colaboração para Nossa

26/04/2023 04h00

Desde "Sideways - Entre Umas e Outras" (2004), ninguém filmava uma história sobre vinhos tão divertida quanto a nova minissérie da Apple TV+, lançada no útimo dia 21. Inspirada no mangá "Kami no Shizuku" ("Drops of God", na versão para o inglês), "Gotas Divinas" tem tudo para conquistar o público, de aficionados ou não.

Funciona para quem quer apenas se emocionar com os romances e as relações familiares da trama e para quem é geek e quer saber de detalhes técnicos.

E mesmo quem não entende nada de vinhos pode aprender com a produção franco-nipônica.

A série é recheada de lições, como a do segundo episódio quando o vinhateiro Thomas Chassangre (Tom Wozniczka) dá a primeira aula de degustação para a protagonista Camille Leger (Fleur Geffrier). A explicação sobre as três etapas de uma degustação (visual, olfativa e gustativa) é precisa e pode ser útil para qualquer um.

Já aqueles que entendem tudo do tema vão se divertir em reconhecer detalhes escondidos para especialistas identificarem, como a cena em que dois sommeliers brincam com a "gafe" cometida por um deles ao fazer um pequeno barulho para abrir um champanhe — o certo é abrir sem fazer ruído nenhum.

Ou caçar os raros erros, como chamar um especialista em vinhos de enólogo (enólogo é um título universitário dado a profissionais preparados para produzir vinhos).

Mangá mexeu com mundo dos vinhos

Se provocar um décimo do impacto causado pelo mangá que a inspirou, a minissérie já será um sucesso.

"Kami no Shizuku" - Reprodução - Reprodução
"Kami no Shizuku"
Imagem: Reprodução
"Kami no Shizuku" - Reprodução - Reprodução
"Kami no Shizuku"
Imagem: Reprodução

Assinada por Tadashi Agi (na verdade uma dupla), a história em quadrinhos japonesa sobre o herdeiro obrigado (por testamento) a disputar a coleção milionária de vinhos de seu pai com um desconhecido teve um êxito tão grande que acabou por se transformar em uma coleção de 26 mangás, publicada entre 2004 e 2014.

Na época de seu lançamento, o mangá mexeu de maneira inimaginável com o mercado de vinhos de luxo, elevando rótulos pouco conhecidos a preços comparáveis aos de alguns dos mais famosos grand crus de Bordeaux só por serem citados nos quadrinhos. O fenômeno não ficou restrito ao Japão: sua tradução para o inglês chegou a ser best seller do "The New York Times".

Do papel para a tela

Tomohisa Yamashita e Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas" Apple TV+ - Divulgação - Divulgação
Tomohisa Yamashita e Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas" Apple TV+
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Com oito episódios, a minissérie da Apple TV+ não é um resumo da coleção de mangás. É uma nova trama, com alguns personagens novos e outros originais, que se passa nos dias de hoje, entre Tóquio e a França.

O personagem principal não é mais um rapaz japonês, mas, sim, a francesa Camille Leger. A espinha dorsal, no entanto, é a mesma: um blend bem feito de ação, drama, belas paisagens cheias de vinhedos e muita informação sobre características e histórias dos vinhos, seus terroirs e seus produtores.

Tomohisa Yamashita e Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas" Apple TV+. - Divulgação - Divulgação
Tomohisa Yamashita e Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas" Apple TV+
Imagem: Divulgação

A produção da série, dirigida pelo israelense Oded Ruskin, durou quatro anos. Desde o início, seu criador, o roteirista franco-vietnamita Quoc Dang Tran, sabia da complexidade da tarefa. Tanto que, quando o produtor alemão Klaus Zimmermann o convidou para adaptar o mangá para a minissérie, a primeira resposta foi um sonoro não.

"Achei impossível", diz Quoc. "Mas, naquela noite, comecei a ler os mangás e, no dia seguinte, liguei dizendo que faria. Gostei muito dos personagens".

Geeks devem aprovar

Tom Wozniczka e Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas" Apple TV+ - Divulgação - Divulgação
Tom Wozniczka e Fleur Geffrier, em "Gotas Divinas" Apple TV+
Imagem: Divulgação

Assim como a protagonista, Quoc pouco entendia de vinho e teve que aprender às pressas. Ele precisou entender um pouco de tudo que envolve vinho pois tinha de escrever uma história divertida para o público geral, mas convincente os especialistas e apaixonados pelo tema.

Camille, por sua vez, tinha de vencer um aluno brilhante de seu pai em provas de degustação e desafios mirabolantes sobre vinhos para poder pôr suas mãos na herança de quase 200 milhões de dólares em rótulos raros.

Tanto Quoc quanto seu personagem (e a atriz que o interpreta) tiveram ótimos professores. Tudo que Camille aprende com o belo Thomas foi ensinado a Quoc pelo consultor de vinhos da produção, o sommelier Sebastien Pradal. "Aprendi bastante de vinho", conta Quóc.

Mas não foi preciso me tornar um especialista. A história gira em torno dessa competição entre Camille e Issei Tomine (Tomohisa Yamashita). Eles têm de cumprir vários desafios. Eu criava desafios interessantes para o desenrolar da história e Pradal buscava os vinhos que se encaixavam nele."

Tomohisa Yamashita em ?Gotas Divinas?, já disponível no Apple TV+ - Divulgação - Divulgação
Tomohisa Yamashita em "Gotas Divinas", já disponível no Apple TV+
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Boa parte dos desafios incluíam descobrir a que vinho (de que safra) o falecido se referia no jogo um tanto sádico, mas ao mesmo tempo amoroso, que deixou preparado para os jovens.

Logo no primeiro desafio, os rivais têm de dizer qual a região, o produtor e a safra de um vinho tinto degustado às cegas (sem ver o rótulo) no escritório do advogado (Antoine Chappey) responsável pelo testamento. É na busca desse primeiro vinho que Camille (e o espectador) aprende suas primeiras lições. Thomas lhe apresenta o conjunto de aromas Le Nez du Vin, que é usado na vida real para treinar o nariz dos profissionais da área. Fala das famílias de aromas.

Já Philippe (Gustave Kervern), pai de Thomas e proprietário do fictício Chateau Chassangre, a leva para o meio dos vinhedos e mostra o que é terroir. "As palavras deles são minhas", diz orgulhoso Pradal, que, além de sommelier, é proprietário do estrelado restaurante parisiense La Pascade e de vinícolas no sul da França.

Pradal revisou cada texto que mencionava vinhos ou qualquer coisa relacionada a eles. Quando os concorrentes precisam indicar uma harmonização, é Pradal quem sugere as comidas e os vinhos de ambos os lados.

Fleur Geffrier e Tom Wozniczka, em "Gotas Divinas" Apple TV+. - Divulgação - Divulgação
Fleur Geffrier e Tom Wozniczka, em "Gotas Divinas" Apple TV+
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"Mas tinha de haver espaço para fantasia, pois era para a Camille ter superpoderes", conta o sommelier se referindo à capacidade da protagonista, depois de treinada, de identificar região, produtor e safra em degustações às cegas.

Na vida real, mesmo os melhores sommeliers raramente acertam 100% de um chute desses.

Goles luxuosos

Outra licença poética faz com que seja possível recriar hoje um blend de 1990, um corte das 13 uvas permitidas na denominação Chateauneuf-du-Pape. Isso seria impossível já que os vinhos armazenados separadamente evoluem de forma distinta do blend.

Fleur Geffrier e Tom Wozniczka, em "Gotas Divinas" Apple TV+. - Divulgação - Divulgação
Fleur Geffrier e Tom Wozniczka, em "Gotas Divinas" Apple TV+
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Chateuneuf-du-Pape, a AOC (Appellation d' Origine Contrôlée) mais famosa do vale do Rhône, por sinal, é um dos cenários principais da minissérie. As cenas dentro da vinícola de Philippe foram filmadas lá, no famoso Chateau Beaucastel da Famille Perrin (que, por curiosidade, são sócios de Brad Pitt na Provence).

Em contraste com as cenas de Paris ou Tóquio, onde o luxo domina, tudo no chateau parece muito simples e genuíno, apesar dos superpoderes da protagonista e do super preço que sabemos custar um vinho desses. O que traz um equilíbrio interessante para a série.

O local também é o fundo da maior parte das cenas em flashback de Camille e seu pai, o famoso autor de um prestigioso guia de vinhos Alexandre Leger (Stanley Weber). Ali Alexandre ensina a menina a reconhecer os aromas, usando frutas, flores e outros elementos.

Episódio 8. Tomohisa Yamashita e Fleur Geffrier em "Gotas Divinas", da Apple TV+ - Divulgação - Divulgação
Episódio 8. Tomohisa Yamashita e Fleur Geffrier em "Gotas Divinas", da Apple TV+
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Ensina também a principal lição que todo degustador precisa aprender: crie um arquivo mental para os aromas onde você consiga acessá-los facilmente, crie conexões que te ajudem nesse processo.

"Sugiro sempre associarem aromas a emoções ou situações vividas", diz Pradal. "Como a fruta que você comia na casa da sua avó. Fica muito mais fácil lembrar deles".

Aprenda essa lição e você também será um superdegustador.

Objetos de desejo

Personagens da série "Gota Divinas" quase só falam sobre e quase só bebem grandes vinhos. Aqui cinco deles

Chateau Le Puy Cuvée Barthélemy 2017

Um corte de 85% merlot e 15% cabernet sauvignon, este é um dos melhores exemplos de que um vinho biodinâmico e natural pode ser tão ou mais especial do que um premier grand cru classé. Importado pela World Wine, ele está esgotado. Na Europa, ele custa três vezes o preço do Le Puy Emilien, que na World Wine custa R$ 589.

Joseph Drouhin Beaune Clos des Mouches Blanc Premier Cru 1995

Este vinho citado, mas não bebido na série. Como a grande maioria dos brancos da Borgonha, é 100% chardonnay. É um dos grandes brancos da região. Uma safra assim não é fácil de achar. A safra 2017 está por R$ 2.205,00, na Mistral.

Château Cheval Blanc 1999

Tinto apesar do nome, é um corte de merlot e cabernet franc. Esteve por anos no topo da classificação dos vinhos de Saint Emilion, em Bordeaux, mas abandonou o sistema de classificação em 2021 por considerar que ele tinha sido deturpado. Uma safra antiga assim é difícil de encontrar. A safra 2015 está por R$ 19.705,00, na World Wine.

Château de Beaucastel Roussanne Vieilles Vignes Blanc 2005

Um 100% roussanne da denominação Châteauneuf-du-pape AOC, é considerado um dos maiores vinhos brancos da França. A safra 2005 não é muito fácil de ser encontrada. A safra de 2020 está por R$ 2.763,00 na Mistral.

Domaine Armand Rousseau Chambertin Grand Cru 1996

Outro vinho que é mencionado, mas não degustado na série da Apple TV+. Como a grande maioria dos borgonhas tintos, é 100% pinot noir. Um dos Domaines de maior prestígio da Borgonha, Armand Rousseau tem a maior área (2,56 ha) desse vinhedo tão especial chamado Chambertins. Seus vinhos são trazidos para o Brasil pela Clarets — sem preço divulgado. Para se ter uma ideia, em Portugal, na Garrafeira Nacional, a safra 2017 custa 2.620 euros.