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'I love NY': a real história por trás dos logos das grandes cidades

Artista pinta icônico logo de Nova York que mudou recentemente - Cindy Ord/Getty Images
Artista pinta icônico logo de Nova York que mudou recentemente
Imagem: Cindy Ord/Getty Images

Felipe van Deursen

Colaboração para Nossa

29/04/2023 04h00

Basta assistir a um filme ou série minimamente realista ambientado na Nova York dos anos 1970 para ver uma cidade bem diferente da atual: suja, violenta e perigosa. Viajantes que chegassem à metrópole em 1975 recebiam "guias de sobrevivência" nada calorosos que diziam: "Bem-vindo à cidade do medo".

"Não fique na rua após as 18h" era uma das dicas. "Não ande. Se tiver que sair do hotel à noite, não faça sozinho. Peça um táxi no balcão e aguarde no lobby. Repita o procedimento ao deixar restaurantes, teatros ou outras atividades noturnas." Era uma cidade quebrada, com uma dívida bilionária, 300 mil desempregados, serviços de coleta de lixo em greve e crime em ascendência.

Em meio ao caos social e econômico, o governo apostou em uma manobra ousada. Multiplicou por mais de dez o orçamento para o turismo do estado e investiu na criação e no posicionamento de uma marca, naquilo que os departamentos de marketing chamam de "branding".

Em 1977, o mundo conheceu aquela que se tornaria uma das logomarcas (e slogans) mais reconhecidas do planeta. Criada pelo designer Milton Glaser, o "I <3 NY" virou sinônimo da cidade, apesar de ter sido criado para promover todo o estado de Nova York. Foi um marco tão grande que o rascunho original, hoje, está no acervo do Museu de Arte Moderna (MoMA).

Simples, direta, sensível e universal, a marca virou um padrão a ser seguido no turismo. Especialmente porque deu certo: Nova York voltou a atrair multidões de visitantes e, após os atentados de 2001, o coraçãozinho virou um símbolo ainda mais poderoso para seus habitantes.

11 June 2019, US, New York: Cups with the "I love New York" logo are offered for sale in a souvenir shop. Hardly any logo in th - picture alliance/picture alliance via Getty Image - picture alliance/picture alliance via Getty Image
Canecas e inúmeros produtos passaram a estampar o logo
Imagem: picture alliance/picture alliance via Getty Image

"A gente ama Nova York?"

Passados 45 anos, o governo achou que era hora de mudar as coisas. Este ano, apresentou uma nova marca, claramente inspirada pela campanha dos anos 1970, mas diferente o suficiente para ser achincalhada por muitos nova-iorquinos, pelo menos nas redes sociais.

No Twitter, o "We <3 NYC" foi chamado de cafona e "uma afronta a esta grande cidade", com seu coração "feio", "como uma bolha" e de "proporção esquisita", com um "design tosco". "Por que mexer em uma marca identificável em todo o mundo?", perguntavam alguns. Mesmo que a nova marca seja apenas um complemento temporário, ela mexeu com os brios de muita gente.

NEW YORK, NEW YORK - MARCH 20: Robert Jon Burke aka 'The Naked Cowboy" poses near the 'We Love NYC' signage followi - Alexi Rosenfeld/Getty Images - Alexi Rosenfeld/Getty Images
Robert Jon Burke, o 'Naked Cowboy', personagem de Nova York e o novo logo ao fundo
Imagem: Alexi Rosenfeld/Getty Images

A logomarca ou slogan de uma cidade não é só uma marca. "Para quem nunca visitou uma cidade em particular, todas as opiniões são baseadas em mera especulação e interpretação de longe. O papel de uma logomarca de uma cidade é ajudar a reforçar ou corrigir as suposições das pessoas", explicou, em uma apresentação, Arek Dvornechcuck, designer gráfico especializado na criação de marcas e fundador do estúdio Ebaq, de Nova York.

Para a cidade, o logo ajuda a criar associações positivas e a diferenciá-la de outros destinos turísticos.

Isso faz parte do "place branding", a criação de uma marca para uma cidade ou país. Um de seus objetivos é divulgar o lugar para o turismo, novos negócios ou indústrias, por exemplo. Mas com o desafio de não tratá-lo como um produto na prateleira.

"Uma empresa deve gerar lucro. Uma cidade é feita de cidadãos - seu objetivo jamais deve ser passar por cima de seus habitantes", diz a professora Rita Ribeiro, coordenadora do programa de pós-graduação em design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). "Uma marca sem propósito, sem um conceito claro, dificilmente será lembrada e assimilada.

O caso de Amsterdã

No começo do século, a capital holandesa caiu algumas posições nos rankings de melhores cidades para trabalhar e para realizar feiras de negócios e nas listas de destinos turísticos europeus. A concorrência com metrópoles que, dez anos antes, estavam afundadas em crises ou isoladas do mundo se fazia sentir nos canais de Amsterdã. Barcelona, Praga, Budapeste e outras cidades estavam em alta.

I amsterdam is the name of City of Amsterdam's official English-language web portal for Amsterdam's international visitors, expats, students and enterprises.Taken in front of Rijksmuseum. This shot was originally taken from its reverse side as it's hard to actually take a good one because of the number of people haggling just to get a picture with this big signage. - Maylin Geronimo - Maylin Geronimo
Letreiro em Amsterdã faz fila de turistas para fotos
Imagem: Maylin Geronimo

Para não perder o bonde, Amsterdã precisava mostrar ao mundo que não era só uma espécie de Las Vegas medieval que os mochileiros mais entorpecidos vendiam quando voltavam para casa. Entre aqueles predinhos de muitos séculos, havia espaço para coffee shops e prostituição legalizada nas vitrines, sim, mas também para toneladas de arte, cultura, negócios e qualidade de vida.

Em 2004, surgiu a marca que se tornou o letreiro mais famoso do mundo, pelo menos entre aqueles que você pode escalar as letras com relativa facilidade (foi mal, Hollywood). Ou melhor, podia escalar. E isso explica o sucesso do "I amsterdam".

Tal qual o de Nova York, o novo logo era simples e universal, falava com diversos públicos, não com este ou aquele. O trocadilho com o inglês funcionou com a mensagem de que "eu sou Amsterdã". Você também pode ser. Assim como o coração nova-iorquino, as letras em vermelho e branco (cores que estão na bandeira da cidade) logo se multiplicaram em um miríade de produtos de merchandising.

Cada uma das dez letras pesa cerca de 250 kg e tem por volta de 2 m de altura. Instaladas na Museumplein, a Praça do Museu, atrás da principal instituição de arte holandesa, o Rijksmuseum, elas viraram um dos lugares mais fotografados da cidade. Conforme Amsterdã atraía mais turistas e as redes sociais se tornavam mais presentes na vida das pessoas, o letreiro virou um ímã de selfies.

Não importavam os avisos para não subir as letras, tinha gente que subia. Muita. O resultado era algo entre 6 e 8 mil fotos postadas por dia e, eventualmente, algum vandalismo. Em 2010, o "a" e o "m" vermelhos foram furtados (depois apareceram misteriosamente, segundo o site "Dutch Amsterdam").

Letras ficam na Museumplein, atrás do Rijksmuseum - ANNA GETT/Moment Editorial/Getty Images - ANNA GETT/Moment Editorial/Getty Images
Letras ficam na Museumplein, atrás do Rijksmuseum
Imagem: ANNA GETT/Moment Editorial/Getty Images

Junte a isso o crescimento das companhias de passagens baratas e os aplicativos de hospedagem. Os 9 milhões de visitantes que iam aos Países Baixos nos anos 2000 dobraram na década seguinte. Amsterdã virou uma das cidades mais lotadas de turistas e uma das que têm tentado contornar o que, hoje, é um desafio: como receber tanta gente sem apavorar e afugentar seus 800 mil habitantes nem tornar a experiência do turista um tormento de filas e muvuca sem fim?

Em 2018, um gesto bastante simbólico. Após 14 anos, o letreiro foi removido da Museumplein. O "I amsterdam" foi vítima de seu próprio sucesso, e alguns políticos locais o acusaram de representar o pior do turismo excessivo.

Segundo o "Dutch Amsterdam", o marketing da cidade agora quer focar mais em empresas, seja para convencê-las a abrir escritórios e filiais, seja na organização de feiras e congressos. O público que viaja a lazer, afinal, está mais que conquistado.

Isso não quer dizer que o "I amsterdam" esteja aposentado. Há outros letreiros, um no Aeroporto de Schipol, um outro, menor, que circula pela cidade e um no Amsterdam Museum.

O símbolo acabou criando tendência. Podemos ver andando por aí, sem sair do Brasil. Aracaju (SE), Bertioga (SP), Brejo dos Santos (PB), Campos Verdes (GO), Caxias do Sul (RS), Corrente (PI), Gravatá (PE), Indaiatuba (SP), Lindolfo Collor (RS), Londrina (PR), Manaus (AM), Olinda (PE), Piraquara (PR), Poços de Caldas (MG), Xanxerê (SC).

I am amsterdam - Biris Paul Silviu/Moment Editorial/Getty Images - Biris Paul Silviu/Moment Editorial/Getty Images
Letras ficam atrás do Rijksmuseum
Imagem: Biris Paul Silviu/Moment Editorial/Getty Images

A lista não para. Nos últimos anos, dezenas e dezenas de cidades, muitas inclusive sem tanta vocação turística, investiram em grandes letreiros com seus nomes instalados em praças ou outros lugares visíveis e de fácil acesso.

Para Ribeiro, Amsterdã teve influência nisso, mas se trata muito mais do efeito das redes sociais, porque a maioria são letreiros simples, sem identidade, sem um trabalho efetivo de criação de marca. "Hoje as pessoas querem ter certeza de serem vistas nos lugares. Os ambientes de bares e restaurantes já são planejados para serem fotografados e divulgados nas redes sociais. A visibilidade é um dos sintomas de nossos tempos. Não basta estar no lugar. É preciso que o outro saiba que estivemos lá."

Outras cidades

Nova York mostrou lá atrás que uma marca bem feita faz muito bem para o turismo e até para a autoestima de uma cidade. Nas últimas décadas, outros lugares seguiram a trilha. Mesmo que não sejam icônicos como Amsterdã, são exemplos elogiados no meio.

Para Dvornechcuck, que cita em seu site o logo de São Paulo como um dos melhores do mundo ("simboliza perfeitamente a atmosfera festeira"), a capital da Noruega é um bom caso. A logomarca de Oslo foi inspirada no brasão de armas da cidade e criou uma identidade coesa, simples e funcional para todos os órgãos públicos.

Já o Porto se inspirou na rica história dos azulejos portugueses. O logo fica centrado em uma identidade flexível, que combina referências gráficas, ícones e padrões que simbolizam a paisagem e a cultura diversas da cidade. "Mesmo sem visitá-la, você tem uma noção do que é o Porto, é como uma janela que se abre para ela", escreveu Tony Hardy, fundador da agência britânica Canny, em um post a respeito.

Hardy cita Helsinque como outro bom exemplo. Criada em 2017 em apenas sete meses, a marca foi espertamente criada em cima de um pedacinho do brasão de armas da capital finlandesa.

Logo das cidades - São Paulo, Helsinque, Oslo e Porto - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação


Ribeiro lembra que a logomarca é só uma parte da identificação de um lugar. "Os espaços na cidade são muito mais importantes que uma marca", diz a professora. "Atualmente colocaram um letreiro instagramável na entrada do Mercado Central de Belo Horizonte, um dos lugares mais interessantes da cidade. Isso vai aumentar o turismo? Não necessariamente. As pessoas se preocupam muito mais com a experiência que a cidade proporciona. Temos aí Rio de Janeiro, Salvador, Recife, cidades que têm na sua cultura uma marca muito mais forte que apenas uma logomarca."

Para ela, uma marca bem feita traz identificação das pessoas. "Quando eu digo 'eu amo' qualquer coisa, essa é uma afirmação muito séria. Uma marca bem-sucedida tem que ser capaz de demonstrar o amor por aquele lugar. Mas o amor pela cidade se demonstra na apropriação dos seus espaços pelas pessoas."