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Casal fabrica motorhome para ir à borda do mundo: 'Não queremos ver novela'

Lídia, 67 anos, e Marcos, 63, estão trabalhando em motorhome há dois anos - Arquivo pessoal
Lídia, 67 anos, e Marcos, 63, estão trabalhando em motorhome há dois anos Imagem: Arquivo pessoal

De Nossa, em São Paulo

01/05/2023 04h00Atualizada em 02/05/2023 11h00

Um casal decidiu deixar São Paulo para realizar o sonho de viajar, sem roteiro definido nem data para voltar.

Lídia Abreu, de 67 anos, e Marcos Mininel, de 63, colocaram a casa em que moram à venda para financiar a reforma de um micro-ônibus, que servirá de motorhome para os dois.

A dupla ainda está trabalhando em melhorias do futuro lar, que já tem banheiro e cama. Entre as poucas certezas, está a vontade de chegar à cidade argentina de Ushuaia, no extremo sul da América do Sul e conhecida como o "fim do mundo".

"Como não somos ricos, pensamos no motorhome como uma forma de não termos de pagar hotel e essas coisas todas. A intenção é cair na estrada até não aguentarmos mais. Não queremos passar a velhice sentados assistindo novela", diz Lídia.

Tutorial online e trabalho artesanal

Lídia e Marcos estão juntos há 23 anos. Eles começaram a planejar a viagem há quatro, inspirando-se em casais que compartilham suas vidas sobre rodas nas redes sociais.

Lídia e Marcos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lídia e Marcos reformam artesanalmente micro-ônibus para viajar
Imagem: Arquivo pessoal

Sem experiência, usaram tutoriais online para grande parte da reforma no micro-ônibus. Um trabalho "artesanal", nas palavras da Lídia.

O filho do Marcos trocou a fiação do painel, de resto ele mesmo está fazendo, tudo com base na experiência de terceiros. Nós fomos na raça e na coragem, aprendendo pelo YouTube"

Lídia também aprendeu alguns princípios de construção com o pai, que era médico, mas praticava marcenaria como hobby.

Como Marcos ainda trabalha fora, o casal conseguiu acelerar a reforma da futura casa apenas nos últimos meses, quando começou a usar as noites livres para mexer no motorhome.

Vamos sair 'sem lenço e sem documento', até onde aguentarmos. A ideia é programar uma primeira rota, mas, se não gostarmos, vamos para outro lugar. Acho que essa é a ideia do motorhome, a liberdade de ficar onde gostar. Gostaríamos muito de conhecer Ushuaia e ir subindo, pegar toda essa parte da América Latina

Testes e mais testes

Lídia destaca que viajar em um veículo adaptado exige testes.

Para dirigir um motorhome, tanto no Brasil quanto no exterior, basta uma habilitação normal, de categoria B, para veículos de até 6 toneladas. Mas o nível de exigência aumenta em casos como o do casal paulista, que faz sua própria reforma.

Os viajantes devem abrir um processo de vistoria no Detran. Em até 30 dias, o veículo adaptado passa por inspeção feita pelo Inmetro, que certifica a segurança das alterações. Caberá ao órgão emitir ou não um certificado.

Ainda vamos circular com o motorhome para ver se não cai nada, mas o Marcos tem a maior cautela, por isso estamos indo devagar. Acho que é mais fácil construir uma casa, porque o motorhome é cheio de curvas, então você precisa de uma paciência milenar para acertar tudo. Ainda assim, não fica tudo perfeito, mas o importante é ficar seguro e confortável para viajar"

Ela e o marido levaram dois anos para comprar o micro-ônibus e já estão há dois trabalhando na reforma.

Além da mão na massa, o casal ainda tem de enfrentar olhares desconfiados. Lídia diz que o filho, de um relacionamento anterior, não é "nem um pouco entusiasta". "Mas ele respeita minha liberdade, para eu fazer o que eu quiser."

Apesar da animação com o projeto, ela também destaca as adversidades enfrentadas para planejar a futura jornada.

Uma delas é a falta de estrutura do Brasil para entender motorhomes como meios de transporte — algumas cidades proíbem, por exemplo, que os veículos fiquem estacionados em suas vias.

Além disso, o casal também encara a tarefa de custear o projeto completamente sozinhos. Os dois mantêm o canal "Terceira idade pelo mundo", no YouTube, e pretendem voltar a postar vídeos atrás de apoiadores.

"Tem casais que a gente segue que conseguiram patrocínios por redes sociais, aí fica um pouco mais fácil, mas a gente optou por se preservar um pouco, até por ter um pouco de medo da exposição", diz Lídia.

"Já quando o assunto é a estrutura do dia a dia, sabemos que faltam pontos de apoio para os 'motorhomeiros', em que você possa descarregar água suja e carregar a caixa d'água, por exemplo. O desafio não é para qualquer um."