Azeite invade cozinha doce e entra em receitas de bolo, mousse e sorvete
Italianos, espanhóis e portugueses, três das nacionalidades que mais imprimiram seus gostos à cultura brasileira, nos ensinaram a usar o azeite de oliva na cozinha salgada. Difícil imaginar um vegetal cru ou cozido, uma pizza, uma carne ou um peixe que não fique ainda mais gostoso sob um fio — ou uma regada generosa — de um bom óleo extraído de azeitonas.
Para quem já era fã, aí vai uma ótima notícia: chef e confeiteiros estão cada vez mais convencidos do valor do azeite também para a cozinha doce.
A onda é relativamente recente, como afirma a sommelière Ana Beloto, autora do livro "Azeite-se".
"Meu primeiro contato com o azeite nos doces foi no início dos anos 2000, quando o chef espanhol Ferran Adrià lançou uma linha de azeites aromatizados com baunilha e canela, que ele usava em receitas e servia com sorvete."
Adrià não chegou a inventar a roda — antes dele, o azeite de oliva até aparecia eventualmente em sobremesas tradicionais. É o caso do pudim de azeite e mel, doce típico da região portuguesa do Alentejo, que o chef Vitor Sobral atualizou e tornou famoso até aqui, no Brasil.
Febre do azeite
Mas nada se compara à criatividade da fase atual, que deu ao azeite de oliva permissão para entrar em sobremesas autorais, frequentar a mesa do café da manhã e até do lanche da tarde.
No restaurante vegetariano Quincho, em São Paulo, o chef confeiteiro Rafael Aoki prepara um sorbet de pepino que vai à mesa com mousse de boursin e baunilha, mel de mandaçaia e crumble de iogurte, composição finalizada com vinagrete de azeite e mel. No também paulistano Cozinha 212, o sócio Stefan Weitbrecht finaliza um bolo de manjericão, toffee e mascarpone com azeite e sal.
Uma das sobremesas prediletas da chef Bia Freitas, do Pasta Shihoma, a torta olio di oliva vem a ser uma espécie de bolo molinho de azeite Borriello, baunilha e flor de sal.
O restaurante Cepa usa azeite na receita da mousse de chocolate, assim como a chef Anouk Migotto, do Donna Pinha, em Santo Antônio do Pinhal (SP). Já o confeiteiro Diego Lozano, da nova Levena, em São Paulo, recheia um de seus bombons com ganache e azeite.
Sorvete azeitado? Também tem. Em um de seus menus sazonais, a rede Davvero Gelato já teve sorvete de limão-siciliano com azeite Arbequina Borriello. E no restaurante do Hotel Fera, na capital baiana, o chef Fabrício Lemos e a pâtissière Lisiane Arouca assinam a sobremesa pão, azeite e chocolate, que inclui um sorvete artesanal de azeite.
Azeite no doce: como usar
Há basicamente duas formas de usar o azeite de oliva extravirgem em receitas doces. A primeira delas, e mais simples de adotar, é adicionar um fio na finalização dos doces, como se faz com as saladas. Vale azeitar, por exemplo, o sorvete predileto, uma fatia de goiabada, aquela colherada de doce de leite ou até a tigelinha de salada de frutas do desjejum.
Mas o azeite também pode virar ingrediente e fazer parte da receita, substituindo parcial ou integralmente outras gorduras, como óleo e manteiga.
Em seu livro, Ana Beloto ensina a fórmula: "Em uma receita que leve manteiga, por exemplo, experimente substituir essa gordura por azeite de oliva. Uma colher de sopa de azeite equivale a duas colheres de sopa de manteiga".
Nos preparos que levam outro tipo de óleo, a substituição é ainda mais fácil de calcular — no lugar de 1 colher de sopa de óleo de soja, entra 1 colher de azeite, simples assim. Mas o confeiteiro Pedro Frade alerta: não é qualquer receita que admite tal substituição.
"Nos preparos onde a manteiga é responsável pela estrutura do doce, como na massa de torta, o azeite não funciona. A massa fica mole demais, não dá liga."
Já nas receitas cremosas, como ganaches e mousses, o azeite faz bonito, assim como nos bolos. "Nesses casos, o azeite de oliva proporciona mais umidade e muito mais sabor."
Combinar para acertar
Como o azeite está longe de ser um ingrediente neutro, é preciso conhecer regrinhas básicas de harmonização para escolher o tipo mais adequado a cada preparo. Blends classificados como suaves, ou monovarietais da espécie Arbequina, recomenda Ana Beloto, são ideais para acompanhar receitas delicadas, como compotas de frutas, doce de leite e goiabada.
Ela também é fã do azeite varietal de Arbosana, que considera um dos mais aromáticos.
Nos pratos quentes, o calor ajuda a evidenciar os aromas do azeite. Como as sobremesas geralmente são frias, gosto de usar um azeite naturalmente perfumado."
Quando se consideram receitas que levam ingredientes mais potentes, como chocolate ou café, a história muda — elas pedem azeites com maior teor de amargor e picância, como os blends classificados como intensos e os monovarietais da espécie Koroneiki.
"Gosto muito dessa combinação com chocolate meio amargo. No sorvete e até brigadeiro, o azeite Koroneiki evidencia o sabor do cacau", diz Ana.
A harmonização com azeite tem o poder de mudar a experiência de quem prova a sobremesa. É o que acontece com o arroz doce, por exemplo. De acordo com a sommelière, quem quiser destacar a delicadeza do arroz deve jogar, sobre ele, um fio de azeite suave, como os de Arbequina ou de Arbosana. Mas essa receita leva canela, uma especiaria potente, cujo aroma pode se tornar ainda mais presente combinado a um azeite intenso, como o monovarietal de azeitonas Picual.
De toda forma, nenhuma regra é absoluta. "Como a produção brasileira é recente, ainda estamos mapeando os sensoriais de cada variedade de azeitona. Em geral, o azeite Arbequina produzido na Serra da Mantiqueira é delicado. No entanto, provei um Arbequina da safra 2023, produzido pela Sabiá, no Rio Grande do Sul, e me surpreendi com o sensorial intenso."
Em seu livro, Ana Beloto publica seis receitas doces harmonizadas com azeites — entre elas está o arroz doce com calda de caramelo e azeite, criação do chef e confeiteiro Pedro Frade, que a gente compartilha aqui:
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