SPFW supera a moda sombria da pandemia e traz celebs 'com significado'
"Origens" foi o tema da São Paulo Fashion Week edição N55. Apesar de nem sempre correspondida, a temática em torno da semana de moda ajuda a conduzir boa parte das histórias contadas nas passarelas. Sim, porque nem só (aliás, pouco é) de tendências se faz uma fashion week, principalmente em tempos atuais.
Há anos a SPFW proporciona em cada desfile uma vitrine para temáticas diversas, seja a partir das inspirações de cada coleção, pelo casting de modelos selecionados ou pelas celebridades convidadas.
Dados os últimos tempos em que a introspecção foi quase impositiva, o momento agora sugere expansão.
Entre a moda das roupas, muita imponência traduzida em ombros destacados, muita valorização manual em formato de crochê e fuxico, muita extravagância nos brilhos e oversized e muito balanço nos plissados. Já na moda do ser, muito orgulho das raízes, seja a partir da cidade natal ou pela ancestralidade.
"As modas" contaram histórias
Cada marca contou histórias riquíssimas em seus poucos minutos de passarela. A moda como ferramenta de transformação social por Ronaldo Silvestre e Ponto Firme; todo o axé entoado por Isaac Silva, Meninos Rei, Dendezeiro e Santa Resistência; a liberdade dos corpos de Led e The Paradise; as saudades das musas de Walério Araújo e Rafael Silvério; a cearensidade dos estreantes David Lee e Marina Bitu; as esculturas em forma de roupa de Fernanda Yamamoto e Linovillaventura, entre outros.
Nossa divide alguns pontos-chave dessa edição da SPFW:
Ombros do poder
Alçadas à moda sempre na sequência de alguma grande repressão, as ombreiras retomam as passarelas em propostas distintas das massificadas nos anos 1980. Não seria diferente agora. Porém, ao contrário das modelagens mais quadradas e rígidas de décadas passadas, os ombros agora ganham destaque em novas formas e a partir de elementos diversos.
A exemplo das palhas utilizadas por Maurício Duarte, valorizando todo o colo e ombros no look e carregando imponência nas proporções. Ou ainda a modelagem arredondada e plissada de Marina Bitu, nos looks de maior repercussão do desfile, causando uma suntuosidade sem rigidez, trazendo destaque para os ombros de forma contemporânea.
A Dendezeiro também destaca os ombros com diversas propostas: em ombreiras, com modelagens mais pontudas, nas jaquetas oversized ou ainda com decotes que os deixam à mostra. Santa Resistência aposta nas plumas para ombros valorizados, bem como a estética oitentista revisitada de Weider Silveiro.
Na contramão do "quiet luxury"
Camp, Kitsch, Over? seja qual for a nomenclatura gringa dada, o fato é que exagerar e brincar com proporções, brilhos e cores sempre é uma boa ideia quando falamos de moda. Afinal, nem o céu é limite para quem busca usar da imagem sem se apegar à conveções ou regras.
Falando assim, não há como não remeter à musa Elke Maravilha, inspiração de Walério Araújo para o desfile no último dia da SPFW. Figura extravagante e marcante da história da televisão brasileira, Elke exibia em suas produções a audácia de ser autêntica, sem caber em rótulos. Portanto, se divertia sem limites.
E assim foi o desfile de Walério com suas botas de cano altíssimo, bocas vermelhas enormes em destaque no look e acessórios de cabeça ousados (teve até cinzeiro cheio de bitucas). Uma extravagância como estilo de vida, tal qual Elke.
Az Marias também bebeu da fonte Camp com o vestido de imenso laçarote dourado metalizado. Um look que Elke ou Gaga certamente incluiriam em seus figurinos. As plumas da Santa Resistência também cabem à estética, especialmente no look todo em renda vermelha com grande calda e enorme flor na cintura — afinal, a Pombagira é um ser exuberante e extravagante.
Anos 2000 estão vivíssimos
Foi ali no início dos anos 2000 que a calça encontrou o vestido em um mesmo look. E é bebendo nessa fonte que o styling dos desfiles tem revivido essa proposta.
Longe de ser uma unanimidade, a proposta surgiu em várias coleções, seja em forma de conjuntinhos monocromáticos ou em contrastes de texturas. A brincadeira de proporções conseguiu transformar a trend controversa de outros tempos em propostas elegantes e moderninhas.
Ronaldo Silvestre brincou com proporções e estilos ao unir um romântico vestido de um ombro só com babados por cima de uma calça de modelagem ampla bem streetwear. Isaac Silva trabalhou com conjuntos estampados e vestidos com saia evasé com calças de mesma padronagem, bem como em looks monocromáticos em um verde vivo.
A Apartamento 03 uniu proporções over em blazer alongados ou vestidos abertos com calças de mesma textura, trazendo fluidez à proposta. A Dendezeiro trabalhou com a proposta da saia por cima da calça, aliada a uma t-shirt, bem como vestidos estilo kimono. Já David Lee traz o mix de texturas ao unir saias e vestidos em tricot com calças legging metalizadas.
Mauricio Duarte, Marina Bitu e Led foram outras marcas que investiram nesse styling em alguns looks, confirmando o desejo fashionista.
Castings estrelados
Casting repleto de celebridades já foi coisa do Fashion Rio, a extinta semana de moda no Rio de Janeiro. Nas últimas temporadas da SPFW, porém, a estratégia de incluir nomes conhecidos pelo público para além dos fashionistas também tem sido incorporada.
Nesta edição, os castings estrelados foram de ex-BBBs a personalidades políticas, passando por atores e influencers e a escolha de cada nome demanda uma sinergia com a história da marca ou com a mensagem transmitida pelo desfile.
E assim foi com os afros BBBs Fred Nicácio, Tina Calamba e Gabriel Santana em Meninos Rei, a Deputada Federal Erika Hilton em Led ou a atriz e ex-modelo Silvia Pfeifer para Lino Villaventura. Em cada passada, eles falavam (sem necessariamente dizer um palavra) sobre negritude, diversidade, etarismo, poítica e inclusão.
Vimos ainda o cantor Vitão, o ator José Loreto, a apresentadora Astrid Fontenelle ao lado do filho e a influencer Thai de Melo Brufem. Cada qual emprestando sua história, sua pele e sua vivência para, também, falar de moda.
Vestir-se de si
"Não sou eu que tenho que caber na roupa, a roupa é que deve caber em mim". Essa máxima não se refere somente a tamanho, mas a identidades.
Sendo assim, desde referências mais palpáveis até as mais subjetivas, as marcas da SPFW vem trazendo, a cada temporada, um vestir-se de si.
Dendezeiro, Meninos Rei, Mauricio Duarte, David Lee, Fernanda Yamamoto traduzem identidades por meio de tecidos e constroem coleções nas quais pessoas não vestem tendências passageiras, pois somos feitos de legados e heranças, e não do que acaba a cada estação.
Cidade em nós
Vai demorar a gente parar de relacionar tudo à pandemia e isolamento. E é a partir dessa ótica a observação sobre marcas que escolheram reverenciar sua natalidade nas coleções. Afinal, foi na reclusão da crise sanitária que tanta gente voltou a seu local de origem, buscou refúgio nas casas da família ou se emocionou quando o boteco favorito reabriu as portas.
Há ainda outra perspectiva: essa é uma edição de SPFW com um alto número de marcas oriundas de outras cidades que não a própria São Paulo. Reforçar uma identidade local e valorizar saberes nativos também são meios de exibir com orgulho características tantas vezes minimizadas.
Foi assim com Marina Bitu e seu hotel Bitu, numa viagem no tempo para uma Fortaleza em 1911, um período específico de efervescência na capital do Ceará. Ou seu conterrâneo David Lee que foi ainda mais fundo ao inspirar-se e homenagear um bairro de Fortaleza, a Parangaba, no qual acontece uma tradicional feira livre.
Ambos estreantes na SPFW, demarcar de onde veio é uma forma de iniciar uma história.
Bem como o Manauara Mauício Duarte e suas referências à cidade natal e seus saberes tradicionais, como as modelagens inspiradas na cestaria, por exemplo.
Mas, claro, que a cidade-nome da semana de moda também recebeu suas homenagens. Quando a Ponto Firme escolhe o Copan para receber a coleção, reverencia São Paulo e atrai olhares tanto de denúncia para a situação do centro da cidade como de carinho para locais emblemáticos da capital.
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