Mecas do 'vinho de garrafão' tentam mudar a imagem com rótulos sofisticados
Ambas próximas a São Paulo (respectivamente, 50 e 70 quilômetros), as cidades de Jundiaí e São Roque formam um binômio no qual a cultura da uva e dos vinhos populares, "de garrafão", originou festas e festividades que, ao longo do tempo, tornaram-se parte seminal da vocação turística de ambas, configurando uma pioneira rota enoturistica no estado.
Agora, em ambas as "rotas do vinho", já vigora nas vinícolas locais a atenção a rótulos mais elaborados, na tentativa de abrir o leque também a visitantes mais exigentes.
"Antes até do fim da escravidão, D. Pedro 2º fez experiências com a vinda de imigrantes italianos para substituir a mão de obra escrava nas lavouras, principalmente de café", afirma Eduardo Alvarez, gestor da Unidade de Agronegócio, Abastecimento e Turismo de Jundiaí.
"Isso aconteceu em algumas regiões do Brasil, e em Jundiaí também. Os italianos trouxeram com eles a uva de mesa. Com a 'quebra' do café nos anos 1920, esses agricultores, que já produziam uva para consumo próprio, viram nela a saída, principalmente por estarem próximos a um grande centro, como São Paulo já era na época".
A partir daí, Alvarez explica que um mix de (muito) "lavoro" no campo e tino comercial fez com que essa uva rosada — a famosa Niágara — ganhasse status e caísse no gosto do brasileiro.
Dessa forma, em 1934 surge na cidade a primeira Festa da Uva, culto à fruta que, por tabela, já apresentava também vinhos de mesa simples, populares — mas bastante consumidos. E ao longo do tempo, o evento experimentou um crescendo que vem até os dias de hoje, atraindo legiões de paulistanos. "De certa forma, essa cultura em torno da uva acabou sendo incorporada ao DNA da cidade", avalia Alvarez.
Com investimentos municipais de cerca de R$ 6 milhões por edição, há nove anos o evento foi rebatizado como Expovinis. Atualmente, ocupa três grandes pavilhões e é grande atração turística jundiaiense — em 2023, por lá passaram cerca de 250 mil pessoas, 70% delas visitantes (de outros estados e países, inclusive).
As principais adegas e vinícolas da região que compõem a chamada Rota do Vinho do município integram o evento, oferecendo mais de 40 variedades de vinhos, alguns deles mais, digamos, "autorais", do que os vinhos de mesa protocolares.
Hoje se destacam Luar Syrah e seu Poesia de Inverno Syrah 2019, que foi medalha de ouro no Wines of Brazil Awards 2019 e Gran Ouro no concurso Vinhos e Destilados do Brasil 2019, a Vinícola Casa de Pizzo, com variedades como Syrah, Tempranillo e Cabertent Franc, e a Adega Beraldo di Cale, com seu Cabernet Sauvignon Reserva, com seu Tannat Reserva.
Castas mais nobres
Não muito longe dali, em São Roque, o culto a Baco também ocupa lugar especial no calendário turístico do município, através de festejos tão ou mais famosos que os de Jundiaí. E como nesta, sua origem igualmente remonta à história da imigração italiana — no caso de São Roque, com o acréscimo também da chegada de portugueses e espanhóis ao país.
"O vinho está no DNA da cidade praticamente desde sua fundação, entre os primeiros povoados daqui", aponta Alex Moraes, atual presidente do Sindicato da Indústria do Vinho de São Roque (Sindusvinho), entidade que desde 1936 amalgama proprietários rurais produtores de vinhos de mesa.
"É uma tradição muito antiga do município, que pega mais força ainda a partir do início do século 20. O que também ajudou esses imigrantes foi encontrar na região um clima parecido com o de sua terra natal para a produção de uvas de qualidade e de bons vinhos de mesa", avalia Moraes.
Em 1942, surge a primeira Festa do Vinho, que uma década depois já era popular em todo o estado e cuja (enorme) fama atravessaria gerações, recebendo milhares de visitantes a cada nova edição — sempre regada a vinhos populares, produzidos por clãs da cidade. Alguns deles se tornariam referências nacionais no quesito, como a Vinícola Góes.
Atualmente, o Sindusvinho reúne cerca de catorze produtores locais, praticamente todos descendem dos pioneiros imigrantes. Esses empresários cada vez mais investem em castas de uvas propícias a rótulos de melhor qualidade — Malbec e Syrah, entre outras, cepas que ensejam tintos, brancos, rosés, licorosos, frisantes e espumantes.
Com a adoção pela municipalidade do lema "São Roque, Terra do Vinho", a Festa do Vinho foi rebatizada como Expo São Roque — Vinhos e Alcachofras, maior evento do gênero na região, acrescentando a seu menu a iguaria, de larga produção local.
Paralelamente, o Roteiro do Vinho do município conduz a experiências enoturísticas, envolvendo degustações, gastronomia, história e lazer, através de adegas, vinícolas, restaurantes, hotéis, pousadas e centros de atendimento.
Renovação
O sommelier Manoel Beato, um dos principais nomes do vinho no Brasil, vê com muito bons olhos o fato de produtores desse eixo, Jundiaí e São Roque, investirem em rótulos mais sofisticados.
"É um movimento que está por aí há não muito tempo, e já estou vendo resultando. Provei recentemente um bom Chardonnay e sei de bons Syrahs que estão sendo produzidos".
Beato acredita que o garrafão, o vinho suavizado, certamente ainda tem seu público, mas vê um aprimoramento. "Os produtores estão atingindo um público que consome bons vinhos, e que agora vêem a região com outros olhos. Também é importante ressaltar que estão moldando o gosto do público antes adepto do vinho de garrafão, e a tendência é que parte desses consumidores passe a consumir vinhos de mais qualidade", conclui.
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