O furacão Elke Maravilha na moda: 'O mundo está supercareta sem ela'
Acharam que era Lady Gaga, mas era Elke Maravilha. É assim que Walério Araújo descreve o impacto da coleção desfilada na SPFW N55 entre os mais jovens.
Na coleção, o estilista pernambucano homenageia a excêntrica figura que por anos impactou telespectadores dos anos 1980 com sua imagem performática, repleta de plumas, paetês, pérolas e bordados — a maioria costurada por Walério.
"Tenho certeza que vários irão pesquisar agora e conhecerão mais do legado deixado por ela", comenta o designer após o desfile.
Elke morreu em 2016, aos 71 anos, após complicações da diabetes e de uma cirurgia de úlcera, deixando uma lacuna de excentricidade. "O mundo está supercareta sem a Elke", determina Araújo. Para ele, a artista era uma pessoa muito à frente e despretensiosa. "Eu não sei como ela reagiria hoje com tantos discursos fakes, com tanta artista que não é artista, nessa coisa de tudo ser no 'arroba'", reflete.
Foi de outra rainha brasileira que Walério ouviu: "Você é a continuidade de Elke Maravilha". As palavras ditas por Rita Lee (1947-2023) nunca mais deixaram de ecoar na mente do estilista que agora, em 2023, fez a devida homenagem à amiga.
Ela era da moda sem saber, era ícone sem saber. Tudo que a Elke fez ela 'causou' sem querer 'causar'. Mas como não? Uma mulher enorme, com maxiperucas, maxilook, maxibotas", observa.
Ícone, aliás, seria provavelmente remetido a ela como adjetivo por seguidores caso Elke fosse contemporânea das redes sociais. Afinal, em tempos de realities estrelados por drag queens e ícones pop como Pabllo Vittar e Glória Groove, Elke poderia ser, hoje, reconhecida em seu pioneirismo como uma mulher drag.
À época, porém, era diferente. "Ela chegou a apanhar na rua", revela Walério. Ainda assim, a artista não renegou seu gosto pelo exagero e pelo excêntrico. Aliás, ser over era a medida para aprovar os looks criados pelo estilista.
"Ela dizia: quando você estiver criando alguma coisa para uma cliente e perceber que ficou uma roupa ou cabeça muito grande, muito exagerada, então você aumenta ainda mais um pouco e traz pra mim. Essa é a minha medida.' E assim eu fazia", relembra.
Moda x Elke
A moda, porém, nem sempre a abraçou. Com uma ponta de amargura, Araújo expressou sua decepção por, após a morte de Elke, nenhum meio de comunicação de moda proeminente prestar homenagens a ela em formato de editorial de moda ou artigo.
Foi quando, logo após a perda da amiga, o estilista foi a um baile de uma revista de moda paramentado feito Elke. "Fui todo montado como ela, numa homenagem e numa denúncia de como ela foi invisibilizada pela moda", reforça.
Elke Maravilha respirava moda, conceito e extravagância. Deixou uma marca indelével em quem pôde testemunhar a sua presença magnética. Walério enfatiza a necessidade de lembrar e celebrar o legado de Elke, pois ela permanecerá um ícone que desafiou as convenções e inspirou gerações a abraçar sua singularidade:
Quando eu penso na Elke eu penso em liberdade".
Uma caixa de lembranças: "tem o cheiro dela"
Por isso o estilista resolveu homenageá-la numa passarela de semana de moda. No desfile, foi possível observar as diversas fases da vida profissional de Elke: jurada do programa do Chacrinha, modelo (ou manequim, como se chamava à época) de grande nomes na moda nacional como Zuzu Angel e Clodovil, a fase miss — além de referências a características pessoais como um acessório de cabeça repleto de bitucas de cigarro.
Como um arco-íris (representação da bandeira LGBTQIAP+), o desfile abre em tons crus e passa por alaranjados, vermelhos, azuis e roxos em figurinos já utilizados pela artista. Walério revelou ter produzido tal e qual foi vestido por ela em diferentes ocasiões, como as cabeças de pérola, de lustre e de peixe.
Em meio a criação da coleção, deparou-se com uma lembrança palpável: uma caixa repleta de pétalas de canutilhos. Com elas, o estilista criou mais um elemento de cabeça.
Inclusive, essa é uma peça que eu vou guardar, pois tem o cheiro dela, a energia dela", emociona-se.
Do legado em figurinos após a morte de Elke, o amigo guardou poucas peças. "O irmão dela deixou eu pegar o que quisesse. Escolhi uns tricôs, jaquetas, coletes, uma bota e só um look feminino que usei no tal baile de Carnaval de uma revista de moda", revela.
Essas roupas ajudam a guardar lembranças da amizade nascida num período em que Walério trabalhava em uma loja na rua 25 de Março, recém-chegado em São Paulo, e que foi essencial para o sucesso profissional do estilista.
"Foi a Elke que me deu visibilidade profissional", revela ao comentar que, após vesti-la, conquistou outras clientes estreladas como Sandy, Rita Lee, Fafá de Belém, Marisa Monte, Maria Rita e Vanessa da Mata.
Roupa feita de encosto de caminhão
A ousadia também englobava a escolha dos materiais para os looks: tecidos para estofados, tecidos para cortinas e até uma toalha de mesa pintada à mão de um altar, que ela trouxe para Araújo para transformar em blusa.
Ela já me trouxe dois encostos de caminhoneiro daqueles todos de retalho de malha e eu consegui fazer uma roupa. Desenhar e costurar para ela foi minha escola da prática".
E o abrir de cortinas do show de calouros era a passarela. Sem saber qual o cabelo ou a maquiagem escolhida para complementar o figurino, Araújo não desgrudava da tela do programa do Chacrinha aos domingos até surgir Elke.
Com tanta história juntos, hoje fica a saudade e a missão de manter viva a mensagem de liberdade, ousadia e excentricidade deixada por Elke Maravilha.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.