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O furacão Elke Maravilha na moda: 'O mundo está supercareta sem ela'

O estilista Walério Araújo conta suas memórias com Elke Maravilha: "Ela era ícone sem saber" - LatinContent via Getty Images
O estilista Walério Araújo conta suas memórias com Elke Maravilha: 'Ela era ícone sem saber' Imagem: LatinContent via Getty Images

Gabriela Dourado

Colaboração para Nossa

05/06/2023 04h00

Acharam que era Lady Gaga, mas era Elke Maravilha. É assim que Walério Araújo descreve o impacto da coleção desfilada na SPFW N55 entre os mais jovens.

Na coleção, o estilista pernambucano homenageia a excêntrica figura que por anos impactou telespectadores dos anos 1980 com sua imagem performática, repleta de plumas, paetês, pérolas e bordados — a maioria costurada por Walério.

"Tenho certeza que vários irão pesquisar agora e conhecerão mais do legado deixado por ela", comenta o designer após o desfile.

Elke morreu em 2016, aos 71 anos, após complicações da diabetes e de uma cirurgia de úlcera, deixando uma lacuna de excentricidade. "O mundo está supercareta sem a Elke", determina Araújo. Para ele, a artista era uma pessoa muito à frente e despretensiosa. "Eu não sei como ela reagiria hoje com tantos discursos fakes, com tanta artista que não é artista, nessa coisa de tudo ser no 'arroba'", reflete.

Foi de outra rainha brasileira que Walério ouviu: "Você é a continuidade de Elke Maravilha". As palavras ditas por Rita Lee (1947-2023) nunca mais deixaram de ecoar na mente do estilista que agora, em 2023, fez a devida homenagem à amiga.

Ela era da moda sem saber, era ícone sem saber. Tudo que a Elke fez ela 'causou' sem querer 'causar'. Mas como não? Uma mulher enorme, com maxiperucas, maxilook, maxibotas", observa.

Elke Maravilha e Walério Araújo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elke Maravilha e Walério Araújo
Imagem: Arquivo pessoal

Ícone, aliás, seria provavelmente remetido a ela como adjetivo por seguidores caso Elke fosse contemporânea das redes sociais. Afinal, em tempos de realities estrelados por drag queens e ícones pop como Pabllo Vittar e Glória Groove, Elke poderia ser, hoje, reconhecida em seu pioneirismo como uma mulher drag.

À época, porém, era diferente. "Ela chegou a apanhar na rua", revela Walério. Ainda assim, a artista não renegou seu gosto pelo exagero e pelo excêntrico. Aliás, ser over era a medida para aprovar os looks criados pelo estilista.

Elke Maravilha e Walério Araújo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elke Maravilha e Walério Araújo
Imagem: Arquivo pessoal
Mazé, Walério Araújo e Elke Maravilha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mazé, Walério Araújo e Elke Maravilha
Imagem: Arquivo pessoal

"Ela dizia: quando você estiver criando alguma coisa para uma cliente e perceber que ficou uma roupa ou cabeça muito grande, muito exagerada, então você aumenta ainda mais um pouco e traz pra mim. Essa é a minha medida.' E assim eu fazia", relembra.

Moda x Elke

A moda, porém, nem sempre a abraçou. Com uma ponta de amargura, Araújo expressou sua decepção por, após a morte de Elke, nenhum meio de comunicação de moda proeminente prestar homenagens a ela em formato de editorial de moda ou artigo.

Elke Maravilha, em 1972 - Acervo UH/Folhapress - Acervo UH/Folhapress
Elke Maravilha, em 1972
Imagem: Acervo UH/Folhapress
Elke Maravilha em 1975 - Folhapress - Folhapress
Elke Maravilha em 1975
Imagem: Folhapress

Foi quando, logo após a perda da amiga, o estilista foi a um baile de uma revista de moda paramentado feito Elke. "Fui todo montado como ela, numa homenagem e numa denúncia de como ela foi invisibilizada pela moda", reforça.

Elke Maravilha respirava moda, conceito e extravagância. Deixou uma marca indelével em quem pôde testemunhar a sua presença magnética. Walério enfatiza a necessidade de lembrar e celebrar o legado de Elke, pois ela permanecerá um ícone que desafiou as convenções e inspirou gerações a abraçar sua singularidade:

Quando eu penso na Elke eu penso em liberdade".

Uma caixa de lembranças: "tem o cheiro dela"

Por isso o estilista resolveu homenageá-la numa passarela de semana de moda. No desfile, foi possível observar as diversas fases da vida profissional de Elke: jurada do programa do Chacrinha, modelo (ou manequim, como se chamava à época) de grande nomes na moda nacional como Zuzu Angel e Clodovil, a fase miss — além de referências a características pessoais como um acessório de cabeça repleto de bitucas de cigarro.

Walério Araújo na SPFW N55

Como um arco-íris (representação da bandeira LGBTQIAP+), o desfile abre em tons crus e passa por alaranjados, vermelhos, azuis e roxos em figurinos já utilizados pela artista. Walério revelou ter produzido tal e qual foi vestido por ela em diferentes ocasiões, como as cabeças de pérola, de lustre e de peixe.

Elke com acessório de Walério Araújo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Elke com acessório de Walério Araújo
Imagem: Reprodução/Instagram

Em meio a criação da coleção, deparou-se com uma lembrança palpável: uma caixa repleta de pétalas de canutilhos. Com elas, o estilista criou mais um elemento de cabeça.

Inclusive, essa é uma peça que eu vou guardar, pois tem o cheiro dela, a energia dela", emociona-se.

Do legado em figurinos após a morte de Elke, o amigo guardou poucas peças. "O irmão dela deixou eu pegar o que quisesse. Escolhi uns tricôs, jaquetas, coletes, uma bota e só um look feminino que usei no tal baile de Carnaval de uma revista de moda", revela.

Walério Araújo e Elke Maravilha, em 2012 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Walério Araújo e Elke Maravilha, em 2012
Imagem: Reprodução/Instagram

Essas roupas ajudam a guardar lembranças da amizade nascida num período em que Walério trabalhava em uma loja na rua 25 de Março, recém-chegado em São Paulo, e que foi essencial para o sucesso profissional do estilista.

"Foi a Elke que me deu visibilidade profissional", revela ao comentar que, após vesti-la, conquistou outras clientes estreladas como Sandy, Rita Lee, Fafá de Belém, Marisa Monte, Maria Rita e Vanessa da Mata.

Roupa feita de encosto de caminhão

A ousadia também englobava a escolha dos materiais para os looks: tecidos para estofados, tecidos para cortinas e até uma toalha de mesa pintada à mão de um altar, que ela trouxe para Araújo para transformar em blusa.

Ela já me trouxe dois encostos de caminhoneiro daqueles todos de retalho de malha e eu consegui fazer uma roupa. Desenhar e costurar para ela foi minha escola da prática".

E o abrir de cortinas do show de calouros era a passarela. Sem saber qual o cabelo ou a maquiagem escolhida para complementar o figurino, Araújo não desgrudava da tela do programa do Chacrinha aos domingos até surgir Elke.

Elke Maravilha e Walério Araújo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elke Maravilha e Walério Araújo
Imagem: Arquivo pessoal
Walério Araújo e Elke Maravilha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Walério Araújo e Elke Maravilha
Imagem: Arquivo pessoal

Com tanta história juntos, hoje fica a saudade e a missão de manter viva a mensagem de liberdade, ousadia e excentricidade deixada por Elke Maravilha.