'Buonos dies': cidade em Portugal fala um idioma próprio e quase extinto
Poucos sabem, mas existem três idiomas oficiais em Portugal: o português, a língua gestual portuguesa e o mirandês. Este último foi declarado como língua nacional do país apenas em 1999, quando as autoridades afirmaram que o mirandês não era apenas um dialeto, mas possuía características próprias e bem diferentes do português. Ouvir o idioma, no entanto, não é simples, considerando que ele está em vias de desaparecer.
Apesar de ser recentemente reconhecida, a língua há muito tempo percorre as terras de Trás-os-Montes. Provavelmente, ela tenha sido substituída pelo português por volta de 1545, quando a então vila foi elevada a cidade.
Miranda do Douro hoje pertence ao distrito de Bragança, no extremo nordeste de Portugal. É a porta de entrada para o rio Douro, que atravessa também a Espanha. O primeiro sol de Portugal nasce na cidade, que faz fronteira com Zamora, já em território espanhol.
Cercada por muralhas, a história do município praticamente coincide com a fundação do próprio país. Foi no reinado de Dom Dinis I, conhecido como o Rei Trovador, que uma das principais atrações da cidade começou a ser construída. O Castelo de Miranda do Douro, de 1286, continua de pé, embora seja uma construção inacabada devido a um ataque das tropas espanholas em 1762.
Dentro das muralhas, encontram-se ruazinhas estreitas e a arquitetura de uma vila medieval. Na praça D. João III, há um monumento em homenagem ao povo mirandês, representado por um homem e uma mulher com trajes típicos — que ainda são utilizados pelo presidente da câmara em cerimônias oficiais.
Fala pertués?
Miranda do Douro é o único município português onde o mirandês é língua oficial. Um idioma minoritário falado por uma pequena comunidade nessa localidade. Com raízes antigas, o mirandês é considerado um patrimônio linguístico e representa uma parte importante da identidade local. Embora seja de origem latina, o idioma segue uma ramificação linguística chamada asturo-leonês, presente no antigo Reino de Leão.
O mirandês apresenta algumas semelhanças com o nosso idioma, mas não pense que falando português (ou até mesmo espanhol) conseguirá entender algo da língua. O vernáculo é, na verdade, uma mistura do português, do castelhano e do galego, devido à proximidade da região com a Espanha.
Assim como diversos idiomas indígenas brasileiros, o mirandês foi transmitido de geração em geração por meio da tradição oral. Por isso, é difícil encontrar uma literatura escrita nesta língua. No entanto, poesias, romances, contos e orações estão sendo reunidos e estudados. Luis de Camões, um dos maiores nomes da literatura portuguesa, já teve trechos de suas obras traduzidas para o mirandês. Existe ainda um tradutor online de português-mirandês, disponibilizado pelo município de Miranda do Douro.
A língua mirandesa apresenta três subdialetos e não é ensinada nas escolas, embora existam cursos opcionais para quem deseja conhecer o idioma. Em Miranda do Douro, é possível ouvi-lo em aldeias afastadas e entre falantes mais velhos.
A verdade é que o mirandês está desaparecendo. De acordo com uma pesquisa realizada em 2020 pela Universidade de Vigo, na Espanha, cerca de 3 mil pessoas conhecem o idioma. O mesmo estudo afirma que até 2040 ele pode se tornar uma língua morta.
Para brecar esse fim iminente, os habitantes locais e organizações lutam para que o idioma sobreviva. É o caso da "Associaçon de la Lhéngua", uma instituição que oferece cursos, realiza eventos e divulga materiais de estudo sobre a língua, ou melhor, lhéngua.
"L que ye l mirandés?": é um idioma que sobrevive a gerações, resistindo às interferências do tempo, da globalização e do possível esquecimento.
Comida e cultura
À parte da língua oficial, outra tradição local é a posta mirandesa, um prato à base de bife de vaca acompanhado de batata a murro — uma espécie de batata meio amassada. A bola doce mirandesa é mais uma iguaria da região: um bolo preparado com uma mistura contendo ovos, azeite e manteiga.
As principais atrações de Miranda do Douro estão centralizadas na rua Mouzinho de Albuquerque. Para aprender sobre a cultura do povo mirandês, a Casa da Cultura oferece uma variedade de atividades sempre relacionadas ao idioma, música e etnografia da cidade.
O Museu das Terras de Miranda apresenta textos em português e mirandês, com representações da culinária, vestimenta e religiosidade do município. Na rua Costanilha, encontram-se mais evidências da língua mirandesa. As placas das residências de pedra do século 16, por exemplo, possuem inscrições em português e mirandês.
Passado religioso
Durante o século 16, logo após ser elevada a cidade, Miranda do Douro tornou-se sede da diocese daquela região. Foi quando começou a ser construída a Sé de Miranda, hoje conhecida como Concatedral de Miranda. Com uma fachada gótica e imponente, a igreja é mais uma das construções que sofreu com os ataques das tropas espanholas em 1762.
No interior da catedral, os mirandeses se reúnem para ver a imagem do "Menino Jesus da Cartolinha", uma figura lendária da cidade. A população conta que, durante a invasão espanhola, um menino apareceu e incentivou as pessoas a resistirem.
Posteriormente, os mirandeses teriam se fortalecido e venceram a batalha contra a Espanha. Durante as comemorações, tentaram encontrar o jovem, mas ele nunca mais foi visto. Esse "milagre" é lembrado até hoje, principalmente nas festas religiosas, quando a estátua tem suas roupas trocadas e é carregada em uma procissão por um grupo de meninos.
Os burrinhos de Miranda
Infelizmente, não é apenas a língua mirandesa que está em vias de extinção. A Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino (AEPGA) é uma organização que tem como principal objetivo proteger os Burros de Miranda, uma raça de burros que só existe em Miranda do Douro. Em uma visita à instituição, é possível conhecer os burrinhos, entender sobre a sua criação e até apadrinhar um dos animais.
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