Dos baianos da grife Meninos Rei a Beyoncé: afrofuturismo conquista a moda
O que as baianas de acarajé e a Beyoncé têm em comum? Ou ainda, onde o filme "Pantera Negra" e a marca brasileira "Meninos Rei" se conectam? Além da evidente representatividade negra em si, ambos — em algum momento — se interligam ao chamado afrofuturismo.
Apesar de não existir um significado único para o termo, ele parte das bases da cultura africana e da diáspora, para criar contra-narrativas sobre o futuro da humanidade, como explica a Nossa a pesquisadora e escritora Morena Mariah (@morenamariah), criadora do podcast "faleafrofuturismo" (@faleafrofuturo).
"Em referência à escritora Ytasha Womack, um dos principais nomes no assunto, o afrofuturismo mistura elementos da cultura negra, tecnologia, imaginação, espiritualidade e crítica racial", conta.
Ao longo dos últimos 20, 30 anos, o movimento tem assumido significados cada vez mais plurais, nas mais diversas áreas do conhecimento e há inúmeros exemplos recentes de que ele chegou e se destaca, também, na moda.
Mais ancestralidade e menos consumo
A ideia é conectar o futuro sem abandonar a ancestralidade. "Nossa conexão com o passado é o que nos move para o futuro. Não existe afrofuturismo sem cultura africana. E não existe cultura africana sem ancestralidade", afirma Mariah.
Neste aspecto, a pesquisadora cita o cuidado que as baianas de acarajé têm em seus adornos e vestes, originárias na cultura dos terreiros. Alegorias e fantasias de Carnaval, criadas e produzidas com essa base, que passa de geração para geração nos barracões das escolas de samba, também são lembradas.
Além disso, o movimento conta com uma estética que busca integrar a natureza e a espiritualidade. "A moda africana não é pautada pelo consumo. O corpo é o tempo do espírito da pessoa africana, portanto tudo que se veste deve refletir essa ligação", ela garante.
Afrofuturismo na moda pop
O movimento está em destaque, por exemplo, em "Black is King", álbum visual de Beyoncé, que trouxe o uso de estampas de onça, leopardos e outros felinos que, na tradição africana, estão ligados à espiritualidade.
Impossível também não comentar o premiado figurino do filme "Pantera Negra", assinado por Ruth E. Carter, que apostou nas raízes ancestrais exibindo tecidos e diversas padronagens.
Entre os itens referenciados, está o chapéu da rainha Ramonda, interpretada por Angela Bassett, que vive a mãe do rei T'challa.
Segundo a estilista, a peça foi produzida em referência ao tradicional chapéu usado pelas mulheres Zulu. No entanto, para o filme, o item precisou ser feito em impressora 3D, para torna-o mais leve.
Outro nome que fez questão de explorar as tradições da cultura negra em seus trabalhos é Normani. Em 2021, no clipe de "Wild Side", feat com Cardi B, a cantora exibiu toda a versatilidade do cabelo afro com diferentes penteados e acessórios. Entre eles, uma espécie de tiara formato de dado, outra de leopardo e um rabo de cavalo curvado para o lado, sem falar das tradicionais tranças.
Brasil afrofuturista
De Iza...
Chegando em solo brasileiro, Iza é mais uma artista que, além de valorizar, potencializa todos os aspectos dessa base negra. Em "Meu Talismã", por exemplo, a carioca se aproxima ainda mais das raízes. Ostenta uma variedade de cabelos e chama atenção com um take em que aparece em um salão de beleza, na companhia de outras mulheres negras trançando os cabelos.
É importante lembrar que ter os olhos voltados para tais referências traduz uma mudança na indústria da moda, da beleza e até mesmo do entretenimento. Mais que representatividade, é necessário o pertencimento, expressões e ideias reais na construção de novas narrativas.
... à São Paulo Fashion Week
Para a N55 da SPFW, realizada entre os dias 25 a 28 de maio deste ano, a marca baiana "Meninos Rei", comandada pelos irmãos Júnior e Céu Rocha, apresentou a coleção "Pop Ancestral", embasada no movimento justamente com a ideia de conectar o presente, o passado e o futuro da contribuição dos povos negros.
"Nós acreditamos nessa força ancestral que nos alimenta e nos faz seguir. Estamos contando nossa história por nós mesmos e isso faz toda a diferença", comenta a dupla ao Nossa.
Para eles, é necessário reconhecer o próprio lugar e dessa forma se empoderar de tudo aquilo que já lhes foi roubado. "É missão. As nossas pautas provocam e incomodam o sistema. Mas é por meio delas que estamos promovendo um levante de transformação", acrescentam.
Mesclando desenhos em preto e branco, sem abandonar os tons mais coloridos, os artistas também apostaram na estampa de onça, símbolo da realeza africana, exercendo novas combinações. "Popularizar a história do nosso povo preto, nossa ancestralidade e a nossa fé foram alguns dos fios condutores para o desenvolvimento da 'Pop Ancestral'".
Nós acreditamos que o futuro é ancestral e que a nossa matriz está no passado, então tudo é pensado com a intenção de criar essa reconexão, permitindo um elo de confirmação e reconhecimento. Nós somos o sonho vivo dos nossos ancestrais".
E quando se fala de Brasil, não é novidade dizer que por aqui a população negra é maioria. Para ser mais exata, 56,1% dos brasileiros são negros, conforme dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
E o que isso reflete? "A língua, a comida, a música, tudo no Brasil foi construído pela população negra", entrega a pesquisadora.
"Como diz o mestre Januário Garcia, grande fotógrafo e pensador negro brasileiro, existe uma história do povo negro sem o Brasil, mas não existe uma história do Brasil sem o povo negro".
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