Com casaco colorido e peça estrelada, Silvero Pereira vive Belchior
O desafio estava lançado: cantar e interpretar uma música de Belchior na televisão. Apesar de ator experiente, a tarefa não era simples para Silvero Pereira. A canção "Sujeito de Sorte", além de um clássico do músico cearense e conterrâneo do ator, havia se tornado um hino com a releitura de Emicida em parceria com Majur e Pabllo Vittar.
O refrão "ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro" ecoava pelos festivais no Brasil. Como, então, reinterpretar uma canção já tão emblemática em outras performances?
"Foi quando eu vesti a minha armadura nordestina que senti a força pra esse momento", relembra o ator. A armadura era um casaco feito de retalhos, brilhos e mistura de tecidos assinado pelo estilista, também conterrâneo, Kalil Nepomuceno.
Ao ver a peça, os olhos de Silvero enxergaram música. Era a materialização de outra canção de Belchior: Velha Roupa Colorida. O músico, falecido em 2017, entoava que o passado é uma roupa que não nos serve mais. E que o que há algum tempo era novo, hoje é antigo. Tal qual alguns conceitos de moda bem retrógrados.
Antes dessa armadura libertadora, já vesti uma armadura social de gênero. Eu, Silvero, garoto do interior, tinha que usar azul, short, camisa. Hoje, passei a não me preocupar mais sobre com o que as pessoas pensariam sobre o que eu estivesse vestindo. Me descubro uma pessoa mais disposta e mais enfrentativa com relação às imposições do passado", comenta.
Roupa foi 1ª referência
Ao vestir a armadura da velha roupa colorida Silvero percebeu que uma mudança, em breve, iria acontecer. Foi após a fatídica e exaltada apresentação no programa de TV "Altas Horas" que amadureceu a ideia de um musical inspirado em Belchior.
O roteiro, esboçado seis anos antes ao mergulhar mais na musicalidade do cearense, passeia pelas canções de amor, de decepções, de enfrentamento e de xenofobia, sentimentos partilhados entre os dois artistas vindos do interior. Nascia, então, o show "Silvero Interpreta Belchior".
E, nesse momento, o casaco também ajuda a contar essa história. Por ser a peça utilizada na performance na televisão, é também com ele que Silvero abre o show entoando "Sujeito de Sorte".
As pessoas são levadas de volta a essa memória do programa. Então, esse casaco faz parte da primeira imagem a ser construída no show", observa.
Além disso, a mistura de tons e texturas da peça ajuda o ator a encarnar um "showman". "Ele tem brilho, tem cor, tem vida", enaltece.
As estrelas de Elis
A "armadura nordestina", porém, não é feita apenas de um casaco. Durante a construção do espetáculo, a roupa continua ajudando a levar o público para lembranças e memórias relacionadas às canções de Belchior e outras interpretações que marcaram época. Após as cores, são as estrelas que ajudam a entoar os versos.
"Como Nossos Pais" foi eternizada na voz de Elis Regina em uma performance no "Fantástico", da Rede Globo. Trajando um vestido branco com estrelas prateadas bordadas, a pequena notável cantava em versos que "viver é melhor que sonhar".
Para este momento do show, no qual apresenta a sua interpretação para a canção, Silvero então veste uma releitura do figurino de Elis. Feito pelo mesmo estilista do casaco, o ator surge em um macacão preto com o rosto iluminado pelas estrelas bordadas na altura dos ombros.
O público tem a apresentação da Elis marcada na memória, então não fugimos dessa referência, mas trouxemos uma releitura", conta.
Moda ousada fora dos palcos
Hoje o espetáculo roda o Brasil, tendo já passado por São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre. Silvero, porém, reforça não se considerar ainda um cantor. "É o primeiro show que eu faço sozinho enquanto vocal, sem backing vocal. Então, esse caminho está sendo traçado", reforça. Autorizar-se cantor ainda está em processo: "ainda acho um pouco pretensioso me considerar um cantor de fato".
Por carregar consigo os mais de 30 anos de teatro, acredita que cada ofício artístico merece o respeito e o devido estudo. "Me incomoda as pessoas fazerem uma oficina hoje e amanhã se considerarem atores", comenta. "Mesmo com todo esse tempo, até hoje me amedronta começar um processo novo".
Ainda assim, a caminhada entoada pela voz vem sendo trilhada por este musical e por uma sequência de singles com releituras de Belchior. "Como Nossos Pais" abre caminho como o primeiro de seis canções a serem lançadas até o fim do ano.
O show segue em turnê enquanto, paralelamente, Silvero toca projetos para o streaming e aguarda a entrada em circuito do filme "BRTrans", no qual o artista dá voz a diversas narrativas, reais e ficcionais, de travestis e transexuais.
E, tal qual conta no filme, se no passado foi preciso usar um personagem para vestir-se como desejava, hoje esse passado é uma roupa que não o veste mais.
Eu deixei de ousar apenas no artístico pra ir pro pessoal. Eu passei a me preocupar apenas com eu estar me sentindo bem com a minha roupa. Não vou dar mais satisfação pros outros", conclui.
Vestindo a sua velha roupa colorida, Silvero torna-se são, salvo e forte.
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