Panela gigantesca e 800 kg de milho: como é feito o maior cuscuz do mundo
Era domingo e fazia calor, mas o céu do Alto do Moura, bairro da cidade de Caruaru, estava cinza. O sol parecia se recusar a aparecer, porque o brilho era todo dele: o maior cuscuz do mundo.
Numa cuscuzeira com mais de 4 metros de altura, 800 quilos de flocos de milho cozinhavam em um forno a lenha e esperavam por milhares de pessoas que caminhavam ao seu encontro.
A "Caminhada do Forró" dá nome a esse trajeto, em que três trios elétricos são responsáveis por animar os passos das pessoas com o ritmo que é a cara do São João.
Tudo começou em 1993, com a caminhada. O idealizador, José Augusto Soares, de 65 anos, conta que foi realizado um trajeto de 8 quilômetros e três horas de forró do centro da cidade até o Alto do Moura. Chegando ao local, Augusto percebeu que faltava algo:
Nós saímos às 10 horas da manhã e chegamos ao destino por volta de uma da tarde, todo mundo cansado depois de dançar bastante e uma fome danada, né?"
Dias depois, ele entrou em um bar do bairro e pediu um cuscuz, mas, para sua surpresa, o prato não estava disponível. Foi aí que surgiu a ideia desse casamento: forró e cuscuz. No ano seguinte, o destino agora tinha um sabor diferente.
Em sua primeira edição, no dia 12 de junho de 1994, o cuscuz gigante teve cerca de 150 quilos. Nos anos seguintes, passou a ter 600 e, com esse valor, entrou para o Guinness, o livro dos recordes, em 1996. Mas, há alguns anos, são 800 quilos de flocos de milho que são fervidos para alimentar o público faminto.
Dona Socorro, que em 2023 completa uma década trabalhando na cozinha do maior cuscuz do mundo, relembra as "misturas" que já foram preparadas ao longo do tempo:
Já tivemos carne de bode guisada, galinha também, salsicha ao molho de tomate e charque"
Esse incremento no sabor depende dos patrocinadores de cada ano — como a festa é pública e movimenta multidões, diversas marcas procuram Augusto para patrocinar o evento. No último domingo, foram utilizados 150 quilos de charque, 200 de fiambre e 300 de salsicha ao molho de tomate.
Hoje, a rota da Caminhada do Forró foi encurtada para cerca de 1 quilômetro. Mas, apesar do trajeto ter diminuído, a duração permanece a mesma. Assim como a certeza de que na chegada, uma cuscuzeira gigante estará pronta para dar cor e sabor a festa — realizada todos os anos no segundo domingo do mês de junho.
Um dia antes, no sábado, uma equipe de vinte pessoas começa a preparar o alimento por volta das 16 horas. Mas é na madrugada que ele ganha fervura. São horas e horas para ficar no ponto que Dona Socorro considera o ideal: fofinho, macio e soltinho.
Não por coincidência, o segundo domingo é o mais movimentado no polo junino do Alto do Moura. Este, é um dos mais de 25 polos que compõem o São João de Caruaru, cidade nomeada como "A Capital do Agreste".
As festas juninas, que começaram nas zonas rurais, nas ruas dos bairros e no íntimo do ambiente familiar, com os anos foram centralizadas. Porém, na década de 1990, as comidas gigantes surgiram, com o intuito de fortalecer as tradições nos bairros do município.
Primeiro veio a pamonha gigante. Em seguida, o cuscuz. Hoje, são mais de 30 comidas típicas feitas para um grande público que vem de diversos lugares do Brasil para prestigiar a nossa festa do maior cuscuz do mundo" José Augusto Soares
São Paulo, Minas Gerais e Bahia foram alguns dos estados que levaram representantes para a edição de 2023 do cuscuz, que nos últimos anos recebeu mais de 50 mil pessoas de todas as idades. Inclusive, neste ano, um dos três trios elétricos que embalaram a multidão, era direcionado ao público infantil.
Diversas famílias se encontravam ali, reunidas, numa celebração de todos. Como se dançassem juntas, na mesma sintonia. O clima era de alegria e aquele calor que esquentava o cuscuz também se espalhava por aqueles que estavam ali.
Sorrisos, abraços e danças embalados pelo forró que ecoava por uma avenida inteira do bairro que abriga o maior centro de artes figurativas das Américas: era no Alto do Moura onde Mestre Vitalino moldava suas artes em barro e deixou seu legado para tantos outros artesãos que hoje vivem no bairro.
É também debaixo deste céu que, a cada mês de junho, a caminhada que começa com forró termina em cuscuz. E, para quem participa dela, nada faz mais sentido do que "forrar o bucho" com essa comida típica.
A gente sai caminhando e dançando com todo o gás, quando começamos a querer cansar, chega a hora de comer o cuscuz. Parece que tudo acontece no tempo certo" Josilene da Silva, que frequenta o evento há mais de 6 anos
Apenas farinha de milho flocada, água e sal na medida certa são precisos para o preparo do cuscuz nordestino. Mas, para o maior cuscuz do mundo é preciso um pouco mais: empenho, amor, forró e força. Afinal, a tampa da cuscuzeira não é leve, nem pequena, mas se abre para fazer o sol do segundo domingo do mês de junho brilhar em Caruaru.
Prepare o seu cuscuz
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