Ela criou maior pé de moleque do mundo, um pezão de 20 metros: 'Só alegria'
"A comida é uma forma de amar". De cabelos brancos e longos, um sorriso cheio de ternura e no rosto, linhas que são o mapa de sua história, Maria Eugênia da Silva cria receitas misturando tempero com amor.
E foi esse sentimento que moveu Dona Maria do Bolo, como é conhecida, a atender um pedido de sua filha mais nova e criar, em 1998, a festa junina do Maior Pé de Moleque do Mundo no bairro Rendeiras, em Caruaru, Agreste pernambucano. Foi através de um sonho que tudo começou.
Por volta dos 13 anos de idade, Dona Maria saiu da Zona Rural de Santa Maria do Cambucá, pequena cidade do Agreste de Pernambuco, e chegou a Caruaru. "Eu trabalhei 12 anos numa casa de família, vim do sítio ainda menina. Eu tinha minha casinha, mas vivia mais no meu trabalho do que em casa. Meus filhos mais velhos nasceram lá", relembra Maria, hoje com 77 anos.
Permaneceu no trabalho doméstico até o filho do seu patrão informar que havia uma vaga para faxineira no colégio em que ele estudava.
"Fui ser faxineira, mas na cantina eu via empada, bolo e queria aprender, só que ninguém me dava a receita", conta ela que não sabia ler, nem cozinhar, mas sabia rezar. E, depois da reza, em um sonho, escutou uma voz que lhe ensinou a primeira receita: uma massa de empada.
Eu ajoelhei e pedi a Maria para que ela me desse uma luz de como fazer empada, para eu dar uma vida melhor aos meus filhos. Fui dormir e acordei com uma voz me ensinando o passo a passo da receita. Aí eu corri, levantei e fiz um pouquinho de massa. Quando botei no forno, ficou aquela coisa linda"
A partir daí, Dona Maria descobriu que sonhar alarga o possível. Com essa receita, começou a fazer empadinha, sonho de forminha e pastel, até fazer bolos, guiada pela sua intuição.
"Fui pela minha cabeça mesmo, inventando. Botava na medida, sem balança, mexia na bacia, e eu pensava: um dia eu vou ter tudo, se Deus quiser", conta. O fazer e o acreditar foram e são os guias da vida de Dona Maria.
Além de salgados e bolos, Maria fazia canjica e pamonha. Levava todos em um carrinho de mão e ia de ônibus para o centro da cidade com seus filhos. Saiu do emprego no colégio para trabalhar com o que, agora, fazia de melhor.
Foi por necessidade que comecei a fazer bolos, para alimentar meus 6 filhos. Tinha dias que eu olhava para a cozinha e não tinha um pão para dar a um filho meu. Tem que sonhar e cantar. Se você só sonhar e não cantar você não faz nada"
Foi sonhando e cantando que Maria Eugênia se tornou Maria do Bolo e transformou a dificuldade de alimentar seus filhos em possibilidade de alimentar os filhos de outras pessoas.
"Hoje alimento a milhares de pessoas, faço uma festa grande cheia de fartura e quem chegar na minha casa, o ano todinho, eu duvido não ser alimentado". Conta com orgulho e brilho nos olhos, como se passasse na sua mente um filme de sua história que, entre tantos salgados e bolos, é lembrada e reconhecida por um, em especial.
O bolo pé de moleque já fazia parte das receitas de Dona Maria, mas em 1998, ele ganhou um novo tamanho.
Minha filha mais nova era muito festeira e, como eu não deixava ela ir pro Pátio do Forró no São João, pensei em fazer uma festa na rua"
Assim, surgiu a ideia do Pé de Moleque Gigante. Na época, só existiam duas comidas gigantes (tradição junina em Caruaru), a pamonha e o cuscuz. Dona Maria não só queria um Pé de Moleque enorme, como também em formato de pé.
"Fomos num funileiro e mandamos fazer a forma com o pé, patenteamos e com 15 dias aconteceu a festa e bombou. Aqui no bairro só vinha reportagem para notícias ruins e eu trouxe a imprensa para mostrar a festa, a alegria", lembra.
Hoje, para produzir o bolo gigante, são utilizadas cerca de 250 kg de margarina, 800 kg de massa de mandioca, 300 kg de açúcar, 3.600 ovos, 18 kg de cravo, 18 kg de canela, 18 kg de erva-doce, 90 kg de chocolate em pó, 70 kg de goiabada e 80 kg de coco ralado.
E não só, é preciso também muitas mãos. Afinal, são 20 metros de comprimento e mais de uma tonelada e meia de bolo. Por isso, os preparativos do alimento começam seis dias antes, mas a organização para os preparos acontece dois meses antes do evento, que há 25 anos é realizado todo mês de junho.
A grandiosidade do festejo é tanta que de uma rua passou a ser celebrado, desde 2007, na praça principal do bairro. Além disso, Dona Maria agora coordena uma equipe com mais de 20 pessoas. Elas fazem e distribuem a comida típica, feita para servir mais de 10 mil pessoas.
Quando eu comecei a fazer esse bolo, as portas se abriram. arrumei parceiros/patrocinadores muito bons que me ajudaram, reformaram minha casa e tudo mais"
Dona Maria conta também que, por meio do evento, ganhou reconhecimento. Já recebeu o título de cidadã caruaruense, foi eleita Patrimônio Vivo da cidade e uma das homenageadas do São João em 2018.
É desse clima de festa, do cheiro da fogueira, do calor do povo e do sabor das comidas típicas que Dona Maria gosta. "O São João representa tudo na minha vida, sem ele não tem nada. No São João, todo mundo ganha. A cozinheira ganha mais, a costureira ganha mais, é uma renda boa", diz.
Ela, que veio a Caruaru para trabalhar, ainda criança, com a barriga vazia, tinha o coração cheio de sonhos. Sonhou, cantou e realizou. Aprendeu a cozinhar, criou seus filhos e entendeu o significado da palavra casa.
Ela, que começou a aprender a ler aos 75 anos, fala da sua maior alegria, escrever o seu nome: Maria Eugênia da Silva. Agora e sempre: Dona Maria do Bolo.
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