Chef Rodrigo Oliveira abraça tradições nordestinas com curau de milho
Flávia G Pinho
Colaboração de Nossa
21/06/2023 04h00
Mocofava, sarapatel, baião de dois e carne de sol — pratos que, até pouco tempo atrás, se restringiam à culinária regional nordestina — ganharam o Brasil e conquistaram o mundo pelas mãos do chef Rodrigo Oliveira.
A história começou lá atrás, quando seu José de Almeida, pernambucano de Mulungu, distrito rural do município de Sanharó, migrou para a capital paulista e abriu uma venda, onde também servia caldinho de mocotó. Era o ano de 1973, Rodrigo só nasceria sete anos depois, mas acabaria por colocar o boteco improvisado do pai no mapa gastronômico mundial.
Apesar de ser uma espécie de embaixador internacional da cozinha sertaneja, Rodrigo não nasceu no Nordeste. É paulistano d gema, criado na Vila Medeiros, no coração da Zona Norte, bairro onde vive com a mulher, a historiadora Adriana Salay, e cinco filhos.
Só fui conhecer as grandes festas juninas do Nordeste quando era adulto. É outra experiência. Tudo muito lindo, grandioso e democrático, todos juntos diante do mesmo palco e comendo a mesma comida. Aquilo me encanta."
Milho pra toda receita
Mas foi nas cercanias da Vila Medeiros, ele emenda, que se moldaram suas lembranças mais doces, aquelas que têm gosto de paçoca e pé de moleque. Numa época em que a garotada era dona das ruas e se perdia com liberdade pelas praças da periferia, as quermesses eram o ponto alto do mês de junho — e, o que era melhor, se repetiam ao longo do mês.
Uma tradição que ele apelida de "sudestina", porque ultrapassa fronteiras regionais, a começar pelo receituário à base de milho verde, comum a boa parte do país.
Só mudam os nomes. A canjica daqui é munguzá no Nordeste, enquanto a canjica de lá é o nosso curau. Mas todo mundo assa milho na fogueira."
Rodrigo e a irmã, Patrícia, não perdiam uma quermesse sequer. "Como aconteciam na minha rua, a gente simplesmente descia a escada de casa, livres para comer e brincar." Eram parecidas com os festejos religiosos do interior — a organização ficava a cargo da paróquia, mas a vizinhança toda fazia questão de participar.
"Era tudo muito organizado. Os próprios moradores montavam barracas de quentão, maçã doce, pipoca, pamonha, canjica e curau, e não faltavam a fogueira e as bandeirinhas para decorar a rua."
E as brincadeiras, então? Tentar a sorte já era bom, mas voltar para casa com uma prenda na mão era ainda melhor. De uma delas, Rodrigo não esquece — venceu no jogo e ganhou uma lata de óleo de soja.
"Foi a primeira e única vez. Fiquei muito orgulhoso e mostrei para minha mãe, achando que era um produto especial por ser de soja, sem saber que era o óleo comum que ela usava na cozinha", acha graça.
Guloseimas feitas em casa
Também tinha festa na escola, difícil saber qual era mais divertida, um programa que Rodrigo ainda não dispensa, agora na qualidade de pai de Pedro, 8 anos, Cora, 7, e Alice, 6 — as mais velhas, Nina e Flor, estão adolescentes e já não ligam tanto para as quadrilhas.
"As festas das escolas têm sido super eventos, preparadas ao longo de várias semanas. O engraçado é que você come de tudo, de baião de dois a açaí na tigela."
Na casa dele também se fazia festa — mas na cozinha. Mês de fartura de milho verde nas feiras, junho sempre foi tempo de preparar gostosuras especiais. Dona Maria de Lourdes, mãe de Rodrigo, comandava a produção.
Ela costurava muito bem, mas trabalhava o dia inteiro, por isso os preparativos começavam no fim de tarde. Na nossa casa, nunca houve bolacha recheada no armário. Quando tinha uma guloseima, era preparada por ela."
Se a receita fosse trabalhosa, tios, tias, primos, comadres e compadres eram intimados a ajudar — no preparo de pamonhas, não se desperdiçava um braço sequer.
Curau, comida de lembrança
Mais fácil de fazer, o curau ficava pronto rapidinho. E que delícia... Debulhados das espigas e batidos no liquidificador com leite, os grãos de milho verde são misturados com manteiga e açúcar e vão para panela engrossar. Deixar as palhas, sabugos e "cabelos" do milho em infusão no leite, antes do preparo, é um truque de família.
Essa etapa traz ainda mais o sabor do milho para o curau, mas é opcional."
O ponto do doce, cada um tem o seu predileto — Rodrigo prefere nem lá nem cá. Tem que ser firme o suficiente para cortar em quadrados ou losangos, mas com o interior macio, e bastante canela polvilhada em cima, como só sua mãe sabia fazer.
Não por acaso, o chef (que acumula uma série de prêmios) nunca tinha preparado curau em casa até a sessão de fotos para Nossa. Ficou tenso, ainda mais na presença da filharada, mas suspirou aliviado no final.
"Mamãe ficaria orgulhosa."