Ele cria guias de viagem de países que não existem mais (mas valem visitar)
Uma viagem de férias, dependendo do roteiro, é também uma viagem imaginativa no tempo. Ao visitarmos ruínas, antigos castelos, fortalezas de outras eras, nós tentamos imaginar como esses lugares eram séculos atrás.
Tudo tem história. Por trás daquela pedra aparentemente abandonada no chão existe a base de uma pilastra que já sustentou um templo dedicado a um deus que já se aposentou de suas funções divinas e hoje descansa nos livros de mitologia.
Da mesma forma que palácios e igrejas se transformam com o passar das décadas, com as mudanças de rumos políticos, econômicos e sociais, podendo ganhar novas funções ou ser abandonados até virar ruínas, cidades e países também nascem e, eventualmente, morrem.
Roma não é eterna. A cidade faz parte da Itália moderna há apenas 153 anos. Antes disso, a capital dos papas foi capturada por Napoleão, invadida por normandos, conquistada por Carlos Magno, saqueada por ostrogodos, vândalos e visigodos. Foi a capital do império e da república, e antes era um domínio etrusco.
Quando viajamos para um país, viajamos também para os Estados, confederações, ducados, reinos e impérios que o precederam. Com isso em mente, o jornalista italiano Giovanni Vale concebeu um guia de viagem dedicado a um país extinto, a República de Veneza.
Hoje capital da região italiana do Vêneto, Veneza foi capital, por muito mais tempo, de uma república que, ao longo de mais de um milênio, tornou-se uma potência comercial do Mediterrâneo, com possessões nas costas das atuais Itália, Eslovênia, Croácia, Montenegro, Albânia, Grécia e Chipre.
Esses países, hoje, são destinos desejados no turismo internacional. Alguns no topo da prateleira, outros que entraram no radar há menos tempo e outros que ainda são considerados roteiros alternativos. Mas todos têm um apelo turístico notável.
Logo, juntá-los em um guia de viagem faz sentido do ponto de vista editorial. A sacada de Vale foi usar a República de Veneza como fio condutor, em vez de apenas aglomerar os países e dar um título como "Mediterrâneo" ou "Europa do Sul".
Veneza foi a primeira cidade italiana a fazer negócios com países ao norte dos Alpes, por volta do ano 1000. Em 1122, os venezianos lançaram sua própria Cruzada, capturando Tiro, no atual Líbano. A vitória permitiu aos italianos dominar todo o Mediterrâneo, da Espanha à Síria.
A importância da república foi tremenda. Consequentemente, ao longo desses vários séculos, laços culturais surgiram nas áreas dominadas, e hoje podem ser notados na arquitetura, na culinária etc.
Foi em uma das fases desse domínio, entre os séculos 15 e 18, que muitas cidades croatas ganharam muralhas, por exemplo. O maior interesse de Veneza era a segurança e a defesa dos portos, a fim de garantir o comércio marítimo.
Bons guias dedicados a esses países vão mencionar a influência veneziana. Mas ela não é o assunto central dos livros.
O objetivo do nosso guia é a herança em comum desse Estado extinto, compartilhada em diferentes países. Então, o viajante explora esse meta-espaço entre passado e presente" Chiara Marchesini, diretora-assistente da Paper Boat, editora criada para publicar o guia
O livro foi lançado em 2021, após uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo que levantou mais de 25 mil euros em três semanas. Vale, um experiente jornalista de viagem radicado na Croácia, viajou a todos os cantos da antiga república e conduziu cerca de 500 entrevistas com historiadores, chefs de cozinha, guias de turismo, artistas e outros profissionais cujo ofício reflete as influências ainda visíveis exercidas por Veneza em suas vidas.
Algumas delas são difíceis de captar, como o vocabulário e a pronúncia em certos dialetos locais, herança direta da língua vêneta, algo que não deixa de ser surpreendente em países cujos idiomas principais são tão diferentes, como o italiano, o grego e o servo-croata. Outras são mais nítidas, tipo a presença de antigos símbolos venezianos, como o leão alado de São Marcos, em antigos domínios da república no outro lado do Mar Adriático.
"O uso de azeite, alho, ervas e produtos locais na culinária reflete a herança mediterrânea compartilhada. Encontramos receitas semelhantes em todos esses países", diz Marchesini.
Por exemplo, o ensopado de peixe brodetto (em Veneza) se chama brudet na Croácia e bourdeto na Grécia. O prato de carne pastissada (em Verona) é pasticada na Croácia e pastitsado na Grécia"
Em um mundo onde a tendência de erguer muros é maior do que a de construir pontes, o guia oferece um alívio revigorante. "Nosso objetivo é encurtar as distâncias e aproximar as pessoas. Começamos destacando o que eles compartilham, uma história comum. A partir daí, celebramos as diversas interpretações regionais desse patrimônio compartilhado, valorizando a beleza encontrada nessas diferenças", diz Marchesini.
O próximo guia da série já está em produção. Será sobre o Império Austro-Húngaro, potência que dominou a Europa Central por séculos até desaparecer no fim da Primeira Guerra Mundial. Um guia sobre a Grécia Antiga também está nos planos.
Mais informações em https://extinguishedcountries.com/
Itens para sua viagem
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