Nada de quentão! No Nordeste, licor aquece mais que fogueiras de São João
Quando chega o mês de junho, as temperaturas no interior do Nordeste ficam mais baixas e a tradição toma conta das ruas. São arraiás com quadrilhas juninas, comidas típicas com muito milho e farinha, além de fogueiras e muito forró.
O clima mais frio trouxe a necessidade de uma bebida quente para ser pedida pelos forrozeiros e o licor desceu bem, tornando-se um dos símbolos das festas juninas.
A bebida bem doce, feita da infusão de frutas com açúcar na cachaça, é muitas vezes consumida gelada, mas seu alto teor alcoólico esquenta o corpo de quem se diverte nas festas.
"O licor tem uma graduação alcoólica muito maior do que outras bebidas que se toma, como cerveja e vinho. É aquela bebida que parece inofensiva, é docinha e gostosa, dando aquele negocinho na boca, mas que derruba um", diz a chef Rô Gonzaga, coordenadora do curso de Gastronomia da Faculdade Senac em Petrolina (PE).
Mesmo tão tradicional na região, a origem da bebida é distante, do outro lado do Atlântico.
Acredita-se que ele veio da Europa, principalmente das festas portuguesas, onde a gente tem muito esse cerne da comida e da bebida estando no momento festivo. O lado pagão da celebração", explica a chef.
"É receita de família!"
A doceira Rita Goretty Martins Freire, 60, guarda na memória as noites de São João na roça, quando na infância morava em Feira de Santana (BA). Foi nessa época que aprendeu com a mãe a fazer licor, na ocasião o tradicional, de jenipapo, fruta típica do sertão baiano.
A bebida esteve presente em todos seus festejos juninos até se mudar para Petrolina, no fim da década de 1980, onde não encontrava para comprar. Então, resolveu fazer alguns litros para consumir com a família e presentear amigos. O que diz que começou como "uma brincadeira", se tornou renda durante o ano todo.
Rita produz mais de três mil litros de licor apenas para o período junino, há 30 anos. A preparação começa em dezembro, pois aproveita a safra de algumas frutas típicas, como umbu e tamarindo. "Esse ano eu estou sentindo que vai faltar, estou pedindo paciência aos clientes", comenta.
Na loja de artigos de festa, que orgulha-se de ter construído com a renda dos doces e bebidas que produz, há litros de licor por toda parte. Nos fundos, uma cozinha emprega outras cinco ajudantes. O empreendimento praticamente se dedica apenas à bebida junina, desde a páscoa. A produção é entregue para encomendas de toda região e distribuída em prateleiras de padarias e supermercados da cidade.
A empresária chegou a fazer um curso em São Paulo (SP) para se especializar na produção de licor, mas diz que não abre mão das suas receitas.
É receita de família! As minhas receitas são tudo de cabeça. Mas, eu converso com minhas filhas, para deixar alguma coisa escrita", diz.
Negócio de família
O licor de jenipapo também foi o primeiro produzido por Claudia Gicelli Batista Aragão, 58. Ela conta que um tio chegou com a fruta e a desafiou a fazer um licor para festejarem. Autodidata, ela pesquisou e começou a produção. Depois, tomou gosto pela bebida e investiu em novos sabores.
Claudia começou a fazer licor por encomenda há mais de 20 anos e, hoje, tem uma loja de licores em Petrolina (PE) há três anos, onde oferta um cardápio com mais de 23 sabores. A produção é durante todo o ano, mas, claro, se intensifica no período junino, quando chega a entregar mais de 1.500 litros. "Para poder ter São João, tem que ter licor", afirma.
Para dar conta de tanta bebida, as filhas ajudam nas vendas, enquanto a mãe produz.
Nossos licores são vendidos para várias cidades, em média 80% é para entrega. Muitos turistas compram para levar. Já teve cliente que levou até para a Itália", comenta Bruna Aline Aragão, 31.
Entre os mais vendidos estão o de marula (fruta africana), milho verde e doce de leite, principalmente os cremosos. Os de frutas da época, que demoram mais a ficarem prontos — às vezes até 6 meses, ficam mais com quem segue a tradição.
Mas, é justamente a reinvenção das receitas que mantém essa tradição viva. "A gente está tendo uma transição de geração e essa nova, quer bebidas mais doces, mais coloridas e os licores de hoje em dia estão bem voltados para isso", explica a chef Rô do Senac.
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