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Espumante para inglês ver: bebida favorita do Rei Charles chega ao Brasil

Rei Charles 3° em evento em março de 2023 - Andreas Rentz/Getty Images
Rei Charles 3° em evento em março de 2023 Imagem: Andreas Rentz/Getty Images

Sergio Crusco

Colaboração para Nossa

03/07/2023 04h00

Demorou, mas chegou. Gusbourne Exclusive Release Brut 2018 (R$ 499) é o primeiro espumante inglês importado para o Brasil, inaugurando entre nós uma tendência bastante celebrada no mundo dos vinhos. Pois chegou a vez dos espumantes da terra do Rei Charles 3º e a onda parece estar longe de ser modinha passageira.

Para quem quer mesmo moda e gosta de consumir produtos chancelados por celebridades, vale lembrar que a vinícola Gusbourne elabora rótulos para a loja oficial do Palácio de Buckingham.

Os dois últimos grandes eventos reais — o Jubileu de Platina da rainha Elizabeth 2ª, comemorado em 2022, e a coroação de Charles, este ano — ganharam edições especiais de espumantes Gusbourne, cujas primeiras vinhas foram plantadas em 2004.

A família real tem referendado a fama e a qualidade dos espumantes britânicos em cerimônias palacianas. Em novembro do ano passado, Charles recebeu o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, com um brinde do Blanc de Blancs da vinícola Ridgeview.

Em 2011, Elizabeth já havia concedido a mesma honra ao então presidente dos Estados Unidos Barack Obama, optando por um rosé borbulhante da mesma casa.

Barack Obama e Rainha Elizabeth brindam em encontro de 2011 - REUTERS/Lewis Whyld/PA Wire/Pool/File Photo - REUTERS/Lewis Whyld/PA Wire/Pool/File Photo
Barack Obama e Rainha Elizabeth brindam em encontro de 2011
Imagem: REUTERS/Lewis Whyld/PA Wire/Pool/File Photo

O que o Gusbourne tem

Elaborado com uvas Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier, Gusbourne Exclusive que chega ao Brasil é descrito como intenso, delicado, de notas amanteigadas e excelente acidez por Flavia Rosa Matté, sommelière da Divvino, ecommerce e clube de vinhos da rede de supermercados Angeloni, que importa o produto.

Tem um perfil muito próximo ao dos vinhos espumantes de Champagne", diz.

Gusbourne Exclusive  - Divulgação - Divulgação
Gusbourne Exclusive
Imagem: Divulgação

"O fato de Gusbourne ser um 'espumante do rei', sem dúvida, é um bom apelo de vendas. Isso influenciou nossa escolha pela vinícola, pois o brasileiro gosta de consumir vinhos que tragam alguma história", continua Flavia, anunciando para breve a chegada do rótulo Brut Reserve Royal Collection e adiantando que haverá mais importações de Gusbourne até o final de 2023. Um rosé está nos planos do grupo.

O apreciador de vinhos que não se guia pelo hype, mas tem curiosidade e quer ampliar o repertório sensorial, também tem na lista de desejos provar espumantes ingleses. A indústria de borbulhas cresceu incrivelmente no Reino Unido nos últimos anos e, dizem os mais ousados, pode desbancar Champagne. Todo mundo quer saber o que o "english sparkling wine" tem de bom.

Aquecimento global ajuda britânicos

As mudanças climáticas, que têm afetado a produção de vinho no mundo, de certa maneira foram benéficas para a Inglaterra. Antes um terreno desconhecido pelos enófilos, hoje o país é notório pela qualidade dos espumantes, que contabilizam cerca de 70% de sua produção de vinhos.

Vinhas da Gusbourne  - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Vinhas da Gusbourne
Imagem: Reprodução/Instagram

O planeta ficou mais quente. Na Inglaterra, a temperatura subiu cerca de um grau centígrado dos anos 1980 para cá. Invernos mais curtos, mais sol durante o resto do ano, porém com noites frescas, têm propiciado melhor amadurecimento das uvas, porém mantendo sua acidez, condições especialmente interessantes para a produção de espumantes e outros estilos de vinhos tranquilos (sem borbulhas).

Em Champagne, o clima esquentou demais, fazendo com que, dependendo da safra, vinhateiros tenham de colher as uvas mais cedo para garantir a tão desejada acidez. Na Inglaterra, o balanço entre açúcar e acidez nas frutas é mais facilmente conseguido com ajuda da nova ordem climática global.

Chuva e geada na época do desenvolvimento das uvas, no entanto, são problemas que os vinhateiros ingleses temem enfrentar, e que podem diminuir drasticamente o rendimento das colheitas. O ano de 2012 foi um desastre para os vinhos ingleses, pela baixa produção. Já em 2018 (ano do Gusbourne Exclusive Release), a safra foi boa e abundante.

Colheita das Pinot Noir da Gusbourne  - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Colheita das Pinot Noir da Gusbourne
Imagem: Reprodução/Instagram

Baixa produtividade, em muitos terroirs mundo afora, pode representar melhores vinhos. Ou seja, menor quantidade de uvas num vinhedo ou numa safra, mas com qualidade bastante superior do que em colheitas fartas. No caso da Inglaterra, a coisa é diferente.

"Ali, maior rendimento significa maior qualidade. Isso quer dizer que você teve uma estação mais quente durante o crescimento das uvas, com bom conjunto e boa maturidade. É o oposto do que você normalmente pensaria", disse à revista especializada em bebidas Daily Seven Fifty o empresário Steve Graf, cofundador da Valkyrie Selections, que importa espumantes ingleses para o mercado dos Estados Unidos.

"A mudança climática está devastando ecossistemas, economias e comunidades. Somos um dos poucos vencedores em um mundo cheio de perdedores", disse à publicação de luxo "Robb Report" o acadêmico Greg Dunn, chefe da divisão de vinhos do Plumpton College, que oferece cursos de enologia na Inglaterra.

Blanc de blancs, da Ridgeview  - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Blanc de blancs, da Ridgeview
Imagem: Reprodução/Instagram

Flavia Rosa não acredita que a supremacia da região de Champagne possa ser ameaçada tão brevemente, mas prevê um futuro de maior diversidade para os amantes das borbulhas:

O consumo de espumantes tem crescido no mundo e no Brasil, e é interessante que outros países entrem no mercado para suprir a demanda, sobretudo no nicho de vinhos de alta gama. Nesse sentido, a Inglaterra tem muitas boas surpresas a oferecer".

Terroir propício e produção bombando

A história dos modernos espumantes ingleses começa no final dos anos 1980, quando um casal de americanos, Stuart e Sandy Moss, reconheceu, no sudoeste da Inglaterra, condições parecidas com as de Champagne. O mesmo solo calcário, inclusive, com a diferença de a região inglesa contar com influência oceânica, que contribui para levar mais frescor às uvas.

Colheira na Nyetimber, em Petworth - Chris Gorman/Getty Images - Chris Gorman/Getty Images
Colheira na Nyetimber, em Petworth
Imagem: Chris Gorman/Getty Images

Fundadores da vinícola Nyetimber (hoje uma das mais importantes da Inglaterra), Stuart e Sandy investiram no plantio de Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier, exatamente as três uvas mais importantes permitidas para a elaboração de Champagne.

Um vinhateiro ali, outro acolá, foram imitando a bossa do casal e a produção foi crescendo, cooptando produtores de outras variedades de uvas e de outras culturas agrícolas. Os espumantes ingleses começaram a ganhar prêmios em concursos internacionais (às vezes, superando rótulos de Champagne) e destaque na imprensa especializada.

O buzz revolucionou o mercado de vinhos na Iglaterra. Hoje há cerca de 900 vinhedos e cerca de 200 vinícolas operando na Inglaterra, com espumantes sendo responsáveis por 70% da produção, segundo dados da associação Wines of Great Britain. Nos últimos 5 anos, a quantidade de vinhedos cresceu em 74%. Cerca de 76% das vinhas estão localizadas no sudoeste da Inglaterra.

Colheita de Pinot Meunier, na Nyetimber, em West Chiltington - Peter Macdiarmid/Getty Images - Peter Macdiarmid/Getty Images
Colheita de Pinot Meunier, na Nyetimber, em West Chiltington
Imagem: Peter Macdiarmid/Getty Images

No ano passado, 10 milhões de garrafas de espumantes ingleses foram vendidas. Um número bastante modesto, se mais uma vez fizermos a comparação com Champagne, que vendeu algo perto das 322 milhões de garrafas em 2021.

Antes de se considerarem rivais, grandes produtores franceses começam a investir em solo inglês. Casas famosas de Champagne como Pommery e Taittinger já têm vinhas na região sudoeste da grande ilha britânica.

Pioneirismo inglês nos espumantes

A produção de vinhos na Inglaterra não é novidade. Em 1086, um senso realizado pelo rei William 1º, o Doomsday Book, contabilizou cerca de 40 vinhas no país. A atividade comercial, no entanto, foi incrementada apenas a partir dos anos 1950, com a cultura de uvas pouco conhecidas como Seyval Blanc, Bacchus e Müller-Thurgau.

Entre os séculos 11 e 20, o que pode parecer "novidade" para muita gente é o fato de ingleses terem precedido franceses na elaboração intencional de vinhos espumantes pelo método de segunda fermentação na garrafa. É o que dizem os registros.

Christopher Merret  - Reprodução - Reprodução
Christopher Merret
Imagem: Reprodução

Em 1662, o médico e cientista Christopher Merret apresentou à Royal Society (instituição destinada à promoção do conhecimento científico) um estudo sobre a técnica de refermentação, nos moldes do que hoje é conhecido como método tradicional ou método champenoise.

Isso aconteceu mais de 30 anos antes do monge francês Dom Pérignon fazer seus experimentos com a segunda fermentação — e daí ter nascido a lenda de que ele "bebeu estrelas" ao provar o produto final de sua técnica.

Há registros de que monges franceses de Limoux já faziam vinhos espumantes no século 16, estilo denominado Blanquette de Limoux. A técnica, porém, era diferente. O vinho começava a fermentar no tanque e o trabalho das leveduras continuava a acontecer dentro da garrafa (o método ancestral empregado nos dias de hoje por produtores de pét-nats, os espumantes naturais).

Naqueles tempos, a formação de borbulhas, que geralmente acontecia de forma acidental, era considerada defeito ou descuido do produtor. O vinho parava de fermentar no inverno, mas na primavera as leveduras acordavam e ainda encontravam açúcar para devorar dentro da garrafa, produzindo gás carbônico.

A sacada de Merret foi jogar mais açúcar e uma nova turma de leveduras no vinho já fermentado para, de propósito, produzir espumante. A mesma sacada que, coincidentemente ou não, os produtores de Champagne viriam a ter alguns anos mais tarde.

Os planos do cientista inglês floparam, ninguém deu bola para suas bolhas. Os franceses levaram a ideia adiante, refinaram a técnica de refermentação e, no final do século 19, Champagne já era uma das regiões vinícolas mais cobiçadas do Velho Mundo, fama que só cresceu daquele tempo para cá.

Pois chegou a vez do espumante inglês ir à revanche.