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Família transforma motorhome em circo sobre rodas e viaja a América Latina

O malabarista Douglas, a palhaça Fran e os filhos Téo e Kinã: a trupe do Circo no Asflato - Arquivo pessoal
O malabarista Douglas, a palhaça Fran e os filhos Téo e Kinã: a trupe do Circo no Asflato Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Vessoni

Colaboração para Nossa

05/07/2023 04h00

Respeitável público, a viagem vai começar. E a palhaça o que é? É mãe, produtora, copilota e esposa do malabarista.

Desde a fundação da sua companhia 'Circo do Asfalto' (@circodoasfalto), em 2007, o casal Fran e Douglas Marinho viaja pelo continente em busca de picadeiros em destinos fora das rotas tradicionais.

"Nossos espetáculos são feitos na rua e para a rua, mas evitamos as grandes cidades. Em lugar de Buenos Aires, por exemplo, que tal a Quebrada de Humahuaca?", sugere Fran Marinho, em referência a esse vale no noroeste argentino, conhecido por suas montanhas coloridas, em regiões pré-colombianas.

Seja em comunidades ribeirinhas do Rio São Francisco ou em povoados autóctones dos Andes, a família circense vai onde nem todo circo consegue chegar. Nem que a trupe tenha que cruzar o continente até a Cidade do México.

Para isso, o casal adaptou uma van Sprinter, que hoje serve de casa (e circo) sobre rodas e com a qual já rodou o interior do Brasil e países hispânicos da América do Sul. A próxima viagem começa em agosto, quando eles e os dois filhos partem em um roteiro que culminará no tradicional Dia dos Mortos, em 2 de novembro.

O sonho de ter seu próprio motorhome veio durante a pandemia, e fizeram tudo 'na raça' - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O sonho de ter seu próprio motorhome veio durante a pandemia, e fizeram tudo 'na raça'
Imagem: Arquivo pessoal

Do Brasil, seguirão viajando por terra para se apresentar em cidades da Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, onde a família vai despachar a van por navio e pegar um avião até o México. Afinal de contas, algumas acrobacias são evitáveis, como a instabilidade política em certos países da América Central e a (impossível) travessia do Estreito de Darién, considerada a selva mais perigosa da América Latina, entre a Colômbia e o Panamá.

A gente vai fazendo uma pesquisa para saber como está a situação nos países, em grupos de viajantes e em aplicativos que reúnem dados de viagens de outras pessoas"

E vai ter perrengue? Vai, sim, senhor.

A trupe reunida da sua casa sobre rodas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A trupe reunida da sua casa sobre rodas
Imagem: Arquivo pessoal

Que palhaçada: os perrengues na estrada

Se viajar com criança pequena é tão complexo quanto equilibrar pratos, o que dizer então sobre sair por aí com um circo nas costas?

Depois de viajarem por anos no estilo mochila e barraca, Fran e Douglas conseguiram realizar o sonho de ter o próprio motorhome, em 2020.

"A ideia nasceu durante a pandemia. Foi no meio daquele desespero que a gente encontrou essa disposição para construir nosso próprio motorhome", lembra a intérprete da palhaça Francisquinha.

Com o veículo construído por eles mesmos, inspirados em tutoriais na internet, os dois artistas rodaram cerca de 30 mil quilômetros, em 25 estados do Brasil.

Primeiro motorhome do "Circo do Asfalto", durante passagem por Cafayate, na Província de Salta, na Argentina - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Primeiro motorhome do "Circo do Asfalto", durante passagem por Cafayate, na Província de Salta, na Argentina
Imagem: Arquivo pessoal

Em dois anos de viagem, a dupla se apresentou em destinos onde nem sempre as estradas são convidativas, como o Jalapão (TO), Vale do Catimbau (PE) e Lençóis Maranhenses (MA).

Mas pelo menos as estradas no Brasil não têm precipícios ao lado da pista, como as que rodamos em países dos Andes"

Aliás, foi do lado de lá da fronteira que eles passaram as maiores dificuldades, sobretudo por conta da falta de água, tanto para cozinhar como para consumo próprio.

"São países desérticos com escassez de água e contaminação pelo minério. Muitas vezes, chegamos a ficar cinco dias sem tomar banho", conta Fran que consumia apenas água mineral para evitar outra daquela "diarreia sinistra que durou sete dias".

Fran e Douglas, durante ensaio no norte da Argentina - Circo do Asfalto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fran e Douglas, durante ensaio no norte da Argentina
Imagem: Arquivo pessoal
A família já visitou também desertos de sal, como o Uyuni, na Bolívia, e Salinas Grandes, na Argentina - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A família já visitou também desertos de sal, como o Uyuni, na Bolívia, e Salinas Grandes, na Argentina
Imagem: Arquivo pessoal

Falta de ar é outro perrengue que a família precisou administrar em suas apresentações em cidades mais altas, como La Paz, na Bolívia, e Cuzco, no Peru.

"É terminar o número circense e pedir uma balão de oxigênio" brinca Fran. Por isso, apresentações menos agitadas e práticas como aclimatação e chá de folha de coca, dias antes de montar o circo, são fundamentais para a adaptação.

Nessa nova viagem para o México, os artistas tiveram também que economizar na estrutura do seu circo ambulante, que terá o próprio motorhome como cenografia e uma redução de 50% no tamanho do pano do picadeiro.

Todos os dias, preciso sentar e fazer um mapeamento dos espaços culturais que podem nos receber nesses países. Mas o elenco é reduzido e o espetáculo, mais tranquilo de levar"

O motorhome do Salar do Uyuni, na Bolívia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O motorhome do Salar do Uyuni, na Bolívia
Imagem: Arquivo pessoal
E o interior do carro que serve de casa e circo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
E o interior do carro que serve de casa e circo
Imagem: Arquivo pessoal

Família que viaja unida, trabalha ainda mais unida.

Enquanto a mãe interpreta a palhaça Francisquinha e o pai é o malabarista Diou, o primogênito Téo, de 12 anos, atua como sonoplasta do espetáculo e seu irmão Kinã, de 2, pratica sua função de… caçula.

A gente tem sempre o Kinã por perto. Ele faz uma participação curta de um minuto, mas fica por ali, sempre à vista"

"Circo do Asfalto"  durante viagem na América do Sul  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Circo do Asfalto" durante viagem na América do Sul
Imagem: Arquivo pessoal

O circo de cada um

Assim como nenhuma viagem é igual a outra, os espetáculos do 'Circo do Asfalto' também mudam de acordo com o público encontrado pela frente. Por isso, as apresentações vão sendo desenhadas, de acordo com a plateia.

"A galera da montanha é mais tímida, mais para dentro, e seu riso não é demonstrado. É diferente da costa, onde tem mais sol, as pessoas são mais para fora e o riso é escancarado", compara Fran.

Cada apresentação é adaptada de acordo com o país e o perfil do público - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cada apresentação é adaptada de acordo com o país e o perfil do público
Imagem: Arquivo pessoal

Ainda assim, a artista lembra shows inesquecíveis para a companhia, como uma apresentação para três mil pessoas em uma favela no Distrito de Comas, na Região Metropolitana de Lima, no Peru.

Apesar de muita tempestade de areia e das noites frias com garoa, a comunidade era muito calorosa e sedenta por arte"

Outro momento marcante foram as apresentações em comunidades ribeirinhas do Rio São Francisco, como Curaçá, Ibotirama e Paulo Afonso,"onde o povo não tinha vergonha de dar risada, caia no chão e continuava rindo".

A trupe durante visita às Ilhas flutuantes do Lago Titicaca, no Peru  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A trupe durante visita às Ilhas flutuantes do Lago Titicaca, no Peru
Imagem: Arquivo pessoal

Mas nem tudo são risadas frouxas na carreira de um circo sobre rodas.

Além das dificuldades linguísticas em países como o Chile, onde "eles falam muitas gírias" e os brasileiros chegaram a ser ironizados por conta da sua pronúncia mais pausada, foi em Arica que a família teve uma das suas experiências mais bizarras.

Em um centro cultural dessa cidade portuária no norte chileno, a trupe foi chamada de 'comunista' pelo público, que questionava a origem do dinheiro público usado para aquela apresentação.

A pose clássica do Salar do Uyuni, na Bolívia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A pose clássica do Salar do Uyuni, na Bolívia
Imagem: Arquivo pessoal

Mas nada disso é suficiente para tirar a família circense de sua rota.

Eu não me vejo mais sem esse motorhome porque o estilo de viajar muda muito. A gente tem uma casa fixa em Santo André, mas é voltar do México e já iremos programar a próxima viagem"