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Trincheira, bunker, buraco de bala: onde ver 'rastros' da Revolução de 1932

Foto da Revolução de 1932 colorizada por Roberto Secio, que comanda uma página do Facebook dedicada à memória da revolução - Reprodução Facebook
Foto da Revolução de 1932 colorizada por Roberto Secio, que comanda uma página do Facebook dedicada à memória da revolução Imagem: Reprodução Facebook

Colaboração para Nossa

09/07/2023 04h00

Derrotada pela Revolução de 1930, a oligarquia paulista não comandava mais o Brasil como antes. Uma nova fase da história política brasileira estava começando.

Em 1932, as forças políticas do estado se uniram em torno da exigência de uma Assembleia Nacional Constituinte, insatisfeitas com o prolongamento do governo provisório de Getúlio Vargas.

Em 9 de julho, o conflito armado começou. A mobilização paulista foi tremenda, com exceção dos trabalhadores das fábricas. A ideia era lançar uma ofensiva contra a capital federal, o Rio de Janeiro, antes que Vargas pudesse mobilizar uma reação.

Os líderes paulistas apostavam no apoio de outros estados, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, insatisfeitos com os rumos do governo.

Tal apoio não veio. A revolta durou três meses e se transformou em uma guerra civil. Exército e Marinha federais mobilizaram 80 mil homens, muitos do Norte e do Nordeste, para enfrentar os 70 mil paulistas, que chegaram a comprar, em segredo, aviões de combate no Chile para tentar enfrentar a frota nacional, muito maior.

Cartaz de convocação para alistamento de voluntários na Revolução de 32 - Reprodução - Reprodução
Cartaz de convocação para alistamento de voluntários na Revolução de 32
Imagem: Reprodução

Não que fosse números significativos: o Brasil nem tinha Força Aérea independente. Segundo o Instituto Histórico Cultural da Aeronáutica, antes de 1932 Exército e Marinha contavam, somados, com menos de 60 aeronaves. São Paulo tinha duas. Ainda assim, o emprego do avião foi expressivo no combate.

Os paulistas foram derrotados, mas, de certa forma, conseguiram o que queriam: um interventor (cargo correspondente ao de governador, porém nomeado pelo presidente, não eleito) paulista e a convocação da Assembleia Constituinte para o ano seguinte.

Batalhão paulista durante a revolução de 1932  - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Batalhão paulista durante a revolução de 1932
Imagem: Wikimedia Commons

O evento acabou conhecido como Revolução Constitucionalista, mas pesquisadores contemporâneos o consideram mais uma guerra civil. Para as historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, uma guerra marcada por boas doses de ufanismo e provincianismo, mas também de união e entrega.

Segundo a dupla, em "Brasil: Uma Biografia" (Companhia das Letras), "a 'causa paulista' foi abraçada com um fervor cívico que ainda não se conhecia no estado, e o entusiasmo feminino superou as expectativas"

Milhares de mulheres, ricas e pobres, doaram suas joias atendendo ao chamado da campanha Ouro pelo Bem de São Paulo, lançada sob o pretexto de conseguir lastro para pagar os custos da guerra"

Paulistas à espera do combate na Revolução de 1932: há trincheiras que hoje fazem parte de roteiros do turismo bélico - Wimimedia Commons - Wimimedia Commons
Paulistas à espera do combate na Revolução de 1932: há trincheiras que hoje fazem parte de roteiros do 'turismo bélico'
Imagem: Wimimedia Commons

Turismo bélico

As 90 mil alianças de casamento doadas viraram apenas lembranças perdidas de um conflito que gerou memórias físicas, visíveis, que são descobertas até hoje por pesquisadores e entusiastas de 1932, que vasculham os campos de batalha à procura de sinais da guerra.

O local mais emblemático é o Túnel da Mantiqueira, divisa entre a paulista Cruzeiro e a mineira Passa Quatro. "Paralisados no Túnel da Mantiqueira e tendo já bastante claro o pesado cerco a que o Estado começava a ser submetido", escreveu Hernâni Donato em "História da Revolução Constitucionalista de 1932" (Ibrasa).

A região desse túnel marcou o ponto de virada da guerra, com muito derramamento de sangue. Os paulistas não conseguiram avançar além, dada a resistência dos mineiros que se aliaram a Vargas, dando tempo para as tropas federais chegarem. Mas os paulistas bloquearam o acesso, intensificando a batalha no local.

Como lembra Donato, as tropas de São Paulo "entraram pelo Paraná, na direção de Cambará e Jaguariaíva; penetraram em Minas, atingindo os arredores de Guaxupé. Porém, onde realmente importava, o avançar no Vale do Paraíba, rumo à Guanabara, o Exército Constitucionalista fizera alto. Por prêmio da espera, a derrota."

Hoje, o túnel é um ponto turístico especial para quem se interessa pela história do Brasil. Conheça mais sobre esse e outros lugares ligados à guerra civil.

Passa Quatro (MG)

Túnel da Mantiqueira - Reprodução Instagram @pelasgerais - Reprodução Instagram @pelasgerais
Túnel da Mantiqueira
Imagem: Reprodução Instagram @pelasgerais

Uma das maiores atrações da cidade mineira não é especificamente dedicada à guerra, mas acaba tratando do assunto. O passeio de maria-fumaça conduz até o Túnel da Mantiqueira, onde os combates mais ferozes se desenrolaram. Essa passagem ferroviária de quase 1 km de extensão, inaugurada por Dom Pedro 2º em 1884, preserva, em suas paredes de tijolos, buracos de bala e estilhaços de bombas.

Cruzeiro (SP)

A vizinha de Passa Quatro está investindo no acesso paulista ao Túnel da Mantiqueira. A Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) desenterrou centenas de metros de trilhos no núcleo urbano da cidade do Vale do Paraíba. A meta é concluir a conexão até o túnel, num total de 25 km. Com isso, São Paulo e Minas Gerais voltarão a ser ligados por essa ferrovia, desativada em 1991.

O túnel era estratégico porque servia no transporte de tropas entre regiões de conflito. Os paulistas chegaram a bloqueá-lo com uma locomotiva a fim de impedir o avanço federal. Ele fica sob a Garganta do Embaú, um trecho de altitude mais baixa da Serra da Mantiqueira, usado pelos bandeirantes em seus caminhos Minas adentro.

Enquanto o trem não volta, é possível visitar o túnel pelo lado paulista por meio da Trilha do Mirante da Garganta do Embaú. Dura cerca de 2 horas e é considerada fácil em fóruns especializados como Wikiloc.

São João da Boa Vista (SP)

Maria Sguassábia - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Maria Sguassábia
Imagem: Wikimedia Commons

Cidades da Serra da Mantiqueira no centro-leste paulista também viraram frentes de batalha. Em São João da Boa Vista, o cemitério municipal preserva o túmulo de Maria Sguassábia, professora que virou combatente sem revelar que era mulher.

Ela permanecia de cabelo preso e engrossava a voz, mas acabou descoberta. Implorou para continuar entre os soldados, e foi aceita.

Em quatro dias enfrentamos dez combates violentos. Assisti à morte de muitos companheiros. Vi-os sair carregados em padiolas, desertar, vi homens chorando, vi o diabo" Maria Sguassábia, à revista "Manchete", em 1957

Águas de Prata (SP)

Na vizinha Águas da Prata, estância hidromineral conhecida pelas suas fontes de água e pelo turismo rural, o roteiro "Caminhos da Revolução de 32" tem como atração as trincheiras espalhadas pelos morros da Serra da Mantiqueira.

Itapira (SP)

A cidade tem uma rota de cicloturismo dedicada à guerra. A Rota 32 tem 75 km e 1.400 metros de altimetria em um circuito demarcado com placas informativas. O passeio começa no Parque Juca Mulato, onde fica a Casa de Cultura, que funcionou como cadeia quando as tropas federais conquistaram a cidade.

Trecho da Rota 32, em Itapira - Reprodução - Reprodução
Trecho da Rota 32, em Itapira
Imagem: Reprodução

O Morro do Gravi, entre Itapira e Mogi-Mirim, tem uma trincheira preservada e outras marcas dos combates. A guerra foi tão marcante para Itapira que o cemitério do município tem um mausoléu dedicado aos soldados abatidos.

Mogi Mirim (SP)

Em 2021, o município inaugurou, após um período de revitalização, o bunker usado pelas tropas paulistas. O abrigo subterrâneo fica sob um bosque com 32 árvores frutíferas. O cenário no subsolo não poderia ser mais diferente: um esconderijo de tijolos a 15 metros de profundidade, com apenas 2 metros de altura e de largura.

Bunker da Revolução de 32 em Mogi Mirim - Reprodução/Associação Comercial e Industrial de Mogi Mirim - Reprodução/Associação Comercial e Industrial de Mogi Mirim
Bunker da Revolução de 32 em Mogi Mirim
Imagem: Reprodução/Associação Comercial e Industrial de Mogi Mirim

Itararé (SP)

No Vale do Paraíba, em cidades como Queluz, entusiastas da guerra usam detectores de metais para caçar fragmentos das batalhas. Mas a guerra teve outras frentes de batalha além da divisa com Minas Gerais. Em Itararé, colada no Paraná, um grupo autointitulado Guardiões de 32 também vasculha resquícios do conflito.

Em 2018, o Museu Histórico da cidade recebeu cartuchos, clips de munição e outros artefatos descobertos ao longo de três anos de buscas no Parque Ecológico da Barreira, uma das atrações do município.

Museu Histórico de Itararé - Reprodução - Reprodução
Museu Histórico de Itararé
Imagem: Reprodução

São Paulo (SP)

Símbolo máximo dos eventos de 1932, o Obelisco do Ibirapuera é daqueles pontos turísticos que "quase todo mundo" que se locomove por São Paulo já viu mas "quase ninguém" conhece. O Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32 (esse é nome oficial) tem, em seu interior, capelas e centenas de urnas funerárias de combatentes mortos — afinal, trata-se de um mausoléu.

O Obelisco guarda os restos mortais de combatentes da Revolução de 1932, dentre eles Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo (M.M.D.C) - Edson Lopes Jr/A2AD - Edson Lopes Jr/A2AD
O Obelisco guarda os restos mortais de combatentes da Revolução de 1932, dentre eles Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo (M.M.D.C)
Imagem: Edson Lopes Jr/A2AD

Do lado de fora, há inscrições e ícones em referência à guerra, incluindo um poema de Guilherme de Almeida, que integrou a frente paulista. Apesar de ficar na região do Ibirapuera, o obelisco não saiu de uma prancheta de Oscar Niemeyer (cujas obras são a grande marca do parque), mas do escultor Galileo Emendabili.

O obelisco foi inaugurado em 1955, pouco após o parque. Mas, seguindo algo que se tornaria uma tradição paulistana no assunto obras públicas, sua conclusão foi bem mais tarde. Só em 1970 a cidade teve pronta a grande homenagem de 72 metros de altura à guerra travada 38 anos antes.