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Cidadela de mil anos em ilha guarda forte, vila e abadia: que lugar é esse?

De Nossa

15/07/2023 04h00

Esta cidadela na região francesa da Normandia ocupa uma ilha inteira protegida pelas muralhas de uma abadia, seu vilarejo e fortalezas que guardam uma história de mil anos. Mas, afinal, que lugar é esse?

Este é o Monte Saint-Michel, patrimônio da humanidade segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), completado em junho do ano de 1023, há exatos dez séculos.

Apesar de pequena — ela tem apenas 4 km²; a cidade de São Paulo tem 1.521 km² — , a ilha conta com diversas paisagens, dependendo da porção de sua costa: nela é possível ver areias, campos de flores e até pastos para animais. Mas boa parte de sua riqueza está concentrada na história e na beleza de sua arquitetura.

"É um casamento entre a genialidade humana e a natureza", definiu o presidente Emmanuel Macron em um discurso que comemorou o milênio da abadia em sua visita, no dia 5.

Batizada de "maravilha do mundo ocidental", sua trajetória começou muito antes da clausura, dos monges e do vilarejo medieval instalados na ilha, contudo.

Monte Saint-Michel, na França - neirfy/Getty Images/iStockphoto - neirfy/Getty Images/iStockphoto
Imagem: neirfy/Getty Images/iStockphoto

Em 708, seu nome era outro: Mont Tombe — ou "Monte Tumba", em latim. Foi quando teria aparecido ali o arcanjo Miguel ao bispo Aubert de Avranches, instruindo ao religioso construir sobre uma pedra uma igrejinha. Este primeiro santuário foi erguido um ano depois, consagrado a São Miguel Arcanjo e transformou a pequena ilha em um local de adoração e peregrinação, além de ter definido seu novo nome.

Nos dois séculos seguintes, a região se viu em um imbróglio político-militar: incapaz de defender o monte dos constantes saques e ataques vikings, o rei Carlos, o Calvo, do Império Carolíngio, assinou o Tratado de Compiègne em agosto de 867 e entregou toda a península de Contentin — onde ele está localizado — ao domínio bretão.

Monte Saint-Michel, na França - LarryHerfindal/Getty Images/iStockphoto - LarryHerfindal/Getty Images/iStockphoto
Imagem: LarryHerfindal/Getty Images/iStockphoto

No entanto, segundo o pesquisador Richard Allen, da Universidade de Glasgow, o monte nunca chegou a ser incluso de fato no ducado da Bretanha. Tanto que, em 933, William 1º Longsword — então conde de Rouen e administrador de toda a Normandia — anexou a área. Mas por que isso é importante? Porque foi o sucessor de William, Richard 1º da Normandia, quem decidiu substituir os religiosos da ilha por monges beneditinos em 966.

A eles, ele ordenou a construção de um mosteiro no local, a pedra fundamental da Abadia de Saint-Michel, que ficaria pronta no início do século 11 e, ao longo dele, ainda passaria por expansões graças ao apoio dos ingleses. A medida que ela crescia, também os seus arredores ganhavam novas formas, já que peregrinos passaram a se estabelecer ao lado de fora de seus portões, construindo casas e compondo aos poucos um vilarejo.

O mosteiro do Monte Saint-Michel, na França - JoseIgnacioSoto/Getty Images/iStockphoto - JoseIgnacioSoto/Getty Images/iStockphoto
O mosteiro do Monte Saint-Michel, na França
Imagem: JoseIgnacioSoto/Getty Images/iStockphoto

O caráter militar do monte surgiria cerca de 300 anos depois, durante a Guerra dos Cem Anos, quando franceses e ingleses disputaram o trono da França. Durante os séculos 14 e 15, em meio ao conflito, a ilha se tornou uma fortaleza que suportou um cerco de 30 anos dos britânicos. É deste período a herança das torres Perrine e de Corbins e a construção da estrutura de um castelo em torno do monastério, com direito a cisterna para o abastecimento de água fresca aos habitantes do monte.

Apesar de diversas tentativas ao longo de décadas que envolveram inclusive ataques-relâmpago, os ingleses jamais conseguiram tomar o Monte Saint-Michel, o que fortaleceu as peregrinações de católicos que consideravam a resiliência da abadia e do monte como uma evidência da proteção de São Miguel.

Os jardins do mosteiro do Monte Saint-Michel - Elenathewise/Getty Images/iStockphoto - Elenathewise/Getty Images/iStockphoto
Os jardins do mosteiro do Monte Saint-Michel
Imagem: Elenathewise/Getty Images/iStockphoto

Ao longo das reformas protestantes, porém, a abadia foi perdendo popularidade como local de peregrinação e o mosteiro se esvaziou gradualmente. Com a Revolução Francesa no século 18, o local passou a ser uma prisão e ficou conhecido como a "Bastilha dos Mares". Até 1863, 14 mil prisioneiros já haviam cumprido pena no Monte Saint-Michel, segundo reportagem da CNN americana.

As marés e suas praias de areia movediça eram ideais para este fim: elas praticamente impossibilitavam fugas. Assim, os únicos visitantes nessa época eram as famílias de prisioneiros, segundo pesquisa do jornalista e ensaísta Patrice de Plunkett. Especialmente os mais ricos e célebres como Desforges, que graças ao sistema corrupto aproveitavam as bibliotecas abandonadas dos monges.

A abadia - MEDITERRANEAN/Getty Images/iStockphoto - MEDITERRANEAN/Getty Images/iStockphoto
A abadia
Imagem: MEDITERRANEAN/Getty Images/iStockphoto

Teria sido a influência de intelectuais franceses, como Victor Hugo, que impulsionaram Napoleão 3º a reabilitar o Monte Saint-Michel como verdadeiro patrimônio arquitetônico francês e remover de lá os últimos prisioneiros em 1863. Assim, durante toda a Belle Époque e até a Primeira Guerra, ele já gozava de outra frama: tornou-se uma atração turística imperdível aos estudiosos e endinheirados europeus e americanos.

Como consequência deste investimento surgiram em seu vilarejo negócios que sustentavam a atividade turística: é o caso da famosíssima pousada Mère Poulard, que ganhou seu nome em homenagem a sua fundadora, a célebre cozinheira Annette Poulard.

Grande Rue, vilarejo do Monte Saint-Michel - RolfSt/Getty Images/iStockphoto - RolfSt/Getty Images/iStockphoto
Grande Rue, no vilarejo do Monte Saint-Michel
Imagem: RolfSt/Getty Images/iStockphoto

O estabelecimento de 1888 foi onde o escritor Ernest Hemingway teria composto seu relato do dia D, em 1944, como correspondente de guerra. Batalhas que libertaram a França do domínio nazista naquele ano ocorreram a poucos quilômetros do Monte Saint-Michel e destruíram, quase completamente, a cidade de Avranches. A abadia e o vilarejo estavam ocupados pelos alemães desde 1940.

Durante o século 20, monges — beneditinos ou de outras ordens — voltaram a marcar presença na abadia, mas em caráter intermitente. Em 1979, o Monte Saint-Michel foi reconhecido pela Unesco pela sua significância histórica, cultural e arquitetônica, além de belezas naturais. Hoje, a vida religiosa convive com a atividade turística.

Monte Saint-Michel, na França - seraficus/Getty Images - seraficus/Getty Images
Imagem: seraficus/Getty Images

Para explorá-lo, é possível adquirir pacotes de passeios guiados que focam em diferentes aspectos de sua trajetória, que são oferecidos em até 13 idiomas: francês, inglês, alemão, italiano, espanhol, russo, chinês, holandês, japonês, polonês, português, coreano e árabe. Também é possível comprar bilhetes para grupos ou individuais para passeios livres.

Quem viaja só e não precisa de guia paga 11 euros (R$ 57,50). Já aqueles em grupos de mais de 20 pessoas pagam 9 euros (R$ 47) por pessoa. Menores de 18 anos acompanhados de familiares ou grupos escolares não pagam. Há ainda tarifas promocionais para outros setores, como é o caso de jovens entre 7 e 17 anos, que se encaixam no bilhete de 6 euros (R$ 31,30).

Monte Saint-Michel, na França - GlobalP/Getty Images/iStockphoto - GlobalP/Getty Images/iStockphoto
Imagem: GlobalP/Getty Images/iStockphoto

Para mais informações ou comprar o bilhete com antecedência, é possível fazer as reservas no site abbaye-mont-saint-michel.fr. Explore mais imagens do monte na galeria, clicando na seta à direita:

Monte Saint-Michel, na França