Símbolo de Portugal, sardinha feita na brasa é estrela do verão lusitano
Basta as águas começarem a esquentar, com o prenúncio do verão, e os cardumes de sardinhas começam a se multiplicar na costa portuguesa.
A verdade é que, quando o assunto é Portugal, muito se fala do bacalhau — que, na verdade, vem da Noruega. Mas esses pequenos peixes que não passam de 25 centímetros e têm carne vermelha-escura e escamas azuladas são sucesso absoluto em terras lusitanas.
Não à toa, há alguns anos, o icônico Galo de Barcelos, que é a cara de Portugal, perdeu o reinado como símbolo da cidade de Lisboa. Aqui e acolá, nas lojinhas de souvenir, há toda sorte de artesanato em homenagem ao peixe. Sem falar nas icônicas lojas de sardinhas enlatadas como O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa, que merecem um capítulo à parte.
Especialmente nas chamadas Festas dos Santos Populares, o que seria o equivalente a nossas festas juninas, as sardinhas reinam absolutas.
Por todo o país e em vários pontos das grandes cidades, como Lisboa, as grelhas se espalham e o aroma do peixe assado é sentido por todos os cantos. Aliás, os portugueses são bem enfáticos ao dizer que o uso da brasa é o mais indicado para preparar o peixe fresco.
No fogo e até crua
O chef Miguel Bértolo, que comanda o restaurante japonês Chirashi, com duas unidades em Lisboa, explica que, de maio a outubro, as águas superficiais são mais quentes e o plâncton, alimento principal das sardinhas, mais abundante, o que resulta na formação de grandes cardumes.
Durante os meses de verão o consumo de sardinha tornou-se uma tradição em Portugal devido à abundância desta espécie, com muitos festivais em muitas cidades costeiras".
Bértolo explica que a preferência do preparo do peixe na grelha tem uma razão: a sua alta dose de gordura, fonte riquíssima, por sinal, de Ômega 3.
"A técnica de grelhar tem um excelente resultado, pois deixam o peixe dourado e crocante no exterior e macias e suculentas por dentro. É só temperá-lo com sal e azeite e servir com pão fresco e salada", ensina.
Mas, não é apenas com essa técnica tão portuguesa que a sardinha cai bem. Bértolo explica que as sardinhas são um alimento muito versátil e apreciado e podem ser apresentadas de várias formas, dependendo dos hábitos alimentares de cada país.
"No Japão, as sardinhas são apresentadas praticamente cruas em forma de nigiri. Depois de filetadas, são marinadas por períodos curtos com sal e vinagre e servidas juntamente com arroz levemente agridoce", explica, com a propriedade de quem tem diálogo estreito com a gastronomia japonesa.
Conservas de sucesso
Quando as águas da costa portuguesa começam a esfriar e as sardinhas a se tornar mais escassas, a solução é recorrer às latinhas, muito comuns também no Brasil. A indústria que coloca o peixe na lata começou a se fortalecer à época da Primeira Guerra Mundial, quando as sardinhas passaram a ser importante alimento no front dos países envolvidos nas disputas bélicas.
"A conserva é uma técnica que permite a manutenção da estrutura e da natureza das proteínas e dos lipídios, mantendo a qualidade e a disponibilidade deste produto ao longo de todo o ano", reforça Bértolo.
As sardinhas são encontradas em praticamente todos os mares, destaque para litoral brasileiro e as costas portuguesa e italiana.
Aliás, de acordo com Myrna Corrêa, o nome do peixe, que tem pequenas variações de idioma para idioma, vem de Sardenha, onde há os primeiros registros da espécie.
Alheira... de sardinha
Para Guga Rocha, apresentador do "Hoje em Dia" (TV Record) e chef responsável pela Cervejaria Canil, em Lisboa, a sardinha é um tanto quanto injustiçada, especialmente em terras brasileiras, onde o consumo do peixe fresco não passa dos 30%.
A gente tem uma tendência a pensar que o que é bom é raro, que é caro, que é mais difícil de ser encontrado, como as trufas brancas de Alba. Ingredientes mais fartos, muitas vezes acabam relegados. É uma injustiça, pois a sardinha é rica em Ômega e muito saborosa", acredita.
Como uma forma de homenagear a sardinha, o chef criou um novo prato para ser servido no verão português: a alheira de sardinha.
As alheiras são embutidos autenticamente portugueses que levam, tradicionalmente, carne de galinha, porco ou boi, pão, azeite, banha de porco, cominho e alho em sua composição, daí o nome alheira. A mais famosa é a de Mirandela, na região do Trás-os-Montes, que tem selo de Indicação Geográfica. Costumam ser servidas com batatas e vegetais e valem por uma refeição.
De acordo com o chef, o fato de ser de fora ajuda a ver ingredientes e tradições de outra maneira. "Pra ver a ilha é preciso sair da ilha. Adoro a alheira, essa espécie de linguiça de interior macio e me surpreendeu não ter visto ainda uma versão com sardinha, um verdadeiro símbolo de Portugal", diz Guga.
Foram necessários alguns testes até chegar à alheira (que, ao fim e ao cabo, é um tipo de linguiça), já que a sardinha tem suas particularidades. "A sardinha tem textura aveludada, se desfaz na boca, bastante oleosa e saborosa e tem espinhas tão delicadas que se, assada corretamente, se desfaz e pode ser comida. É preciso saber lidar com essas características".
Quando conseguiu unir os dois símbolos portugueses — alheira e sardinha — o prato passou a integrar o menu de verão da Cervejaria Canil, que tem duas sedes em Lisboa. Tal como o peixe fresco, as alheiras de sardinha são assadas na brasa e servidas no pão, em formato de sanduíche. Ou, sandes, como se fala em Portugal.
A sardinha, em especial, tem tudo a ver com esse povo costeiro, que tem uma relação estreita com o mar e o que vem dele", finaliza Guga.
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