Sua majestade, o demi-glace: base de molhos demora 3 dias para ficar pronta
Você pode nem saber a importância dele, mas deveria agradecer todo dia por sua existência: o demi-glace é a alma de muitos pratos que você já provou por aí.
O nome em francês indica sua origem: é de lá que a base para a maioria dos molhos que acompanham carnes diversas que surgiu. Tudo registrado no "Le Guide Culinaire", de Escoffier, considerado por muito tempo a "Bíblia da gastronomia".
Não há bom cozinheiro que não domine esse preparo, que exige cozimento lento continuado e, por isso mesmo, nos restaurantes costuma ser feito em grande quantidade para que esteja pronto sempre que o chef precisar.
Quase três dias de preparo
Na cozinha do chef Marcelo Schambeck, do Capincho (Porto Alegre), por exemplo, quatro panelões de 25 litros, com ingredientes que vão de legumes a ossos, ficam semanalmente 60 horas sobre as bocas do fogão para resultar em apenas 12 litros de demi-glace.
A base é utilizada na preparação dos molhos das carnes de longa cocção, como a costela (que fica 16 horas horas assando), o jarret de porco, o lombo de cordeiro, a bochecha de porco e o pato.
Na receita de Schambeck, os números são superlativos — e fascinantes: 10 quilos de pés de galinha e 6 quilos de porco, além de 20 quilos de ossos bovinos com tutano, são dourados no forno para ativar o sabor e caramelizar as carnes. Levados às panelas juntamente com 4 quilos de cebola, 4 quilos de cenoura, 3 salsões, 8 alhos-poró e 2 quilos de tomate, são cobertos com 40 litros de água e levados à fervura em fogo baixo por 24 horas.
Após esse período os ingredientes são coados e o caldo continua fervendo por mais 36 horas, até que a redução começa a acontecer e a base fica pronta para ser armazenada.
Como tem muito umami, a demi-glace realça o sabor das carnes. Não vejo como não ter esse nível de dedicação ao preparar o que é a base dos nossos pratos de maior sucesso", explica Schambeck.
Com a demi-glace pronta é possível criar diferentes variações, adicionando outros ingredientes. No caso da costela, o molho é feito com gengibre e pimenta. Para o molho do pato adiciona-se suco de bergamota e para o do cordeiro, alho assado.
Além disso, a base também tem papel fundamental no laqueamento — rega das carnes ao longo do assamento — trazendo acabamento brilhante e preservação da umidade da carne.
"Elemento primordial"
Receita semelhante é usada pelo chef Caio Soter, do restaurante Pacato, em Belo Horizonte, sempre combinando cortes mais ricos em colágeno, como pé de porco e galinha, com carnes em si para agregar mais sabor.
Além disso, ele costuma acrescentar vinho branco e temperos (tomilho, salsão, alecrim, louro, pimenta-do-reino). O caldo base leva cerca de três dias para ficar pronto, considerando cocção, filtragem, desengorduramento e redução.
Período em que o volume no caldeirão passa de 100 litros para 8 a 9 litros. Redução de 88% a 92% das condições.
É um produto muito especial, mas que aporta um sabor extremamente concentrado, presente e impactante. A demi-glace é um elemento primordial na construção de um molho", diz Soter, que no restaurante usa a base de porco, por exemplo, no Bife Wellington feito com lombo suíno.
Coisa linda
O vinho, mas nesse caso o tinto, também entra para acrescentar uma camada extra de sabor na receita do chef Hervé Witneur, do restaurante Éllo, em Jericoacoara (CE), que costuma trabalhar com 85 % de ossos bovinos para extrair o mocotó e sementes de coentro entre os temperos e legumes.
O preparo, que traz "qualidade e produtividade, duas palavras importantes na cozinha", como lembra o chef, leva 48 horas.
Período no qual os 50 litros de ingredientes iniciais se transformam em 5 litros de demi-glace pronta para ser utilizada como base para alguns molhos do cardápio. Entre eles o do cupim, cozido 24 horas em baixa temperatura, servido com textura de macaxeira e alho negro.
"Esta é uma técnica que envolve história e cultura. É a coisa mais linda da gastronomia", completa.
Panela de pressão é segredo
Também focado mais nas carnes bovinas, mas igualmente ricas em colágeno e gordura (como bochecha, cupim, músculo e acém), o chef Ygor Lopes, do AE! Cozinha, traz seu toque pessoal para a demi-glace da casa com a ajuda de vinagre balsâmico e cogumelos secos (que aportam mais umami).
O resultado é um molho de sabor intenso e com mais textura, além de poder ser utilizado como base para outros molhos e pratos", observa Lopes.
No AE! Cozinha, a demi-glace utilizada no pithivier de costela bovina braseada, servida com purê de couve-flor assada e cenouras grelhadas, e na lasanha de pato com amendoim e cranberry, caldo de tucupi, pimenta de cheiro e lâminas de magret defumado, por exemplo, ainda reserva outro pulo do gato: é feita na panela de pressão.
"Assim ganho tempo sem perder na extração do sabor", diz o chef, que produz semanalmente 1 litro de demi-glace a partir de 12 quilos de carne e 6 litros de água.
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