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Ouro da confeitaria, baunilha vem de uma orquídea e custa R$ 2 mil o quilo

Ingrediente fundamental na confeitaria, baunilha chega a preços altíssimos - Getty Images/iStockphoto
Ingrediente fundamental na confeitaria, baunilha chega a preços altíssimos
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Matheus Doliveira

Colaboração para Nossa

30/07/2023 04h00

Dentre as milhares de especiarias utilizadas na gastronomia, a baunilha é a segunda mais cara que existe, ficando apenas atrás do açafrão. Com 80% da produção mundial de baunilha concentrada em Madagascar, país insular da África Oriental, o preço dessa especiaria costuma variar muito ano a ano por depender de fatores como condições climáticas ideais.

O quilo de uma baunilha de qualidade, cultivada pelos melhores produtores de Madagascar e depois exportada para o resto do mundo, pode chegar a impressionantes US$ 600 no mercado internacional (pouco mais de R$ 2.800 na cotação atual).

Para experimentar doces feitos com baunilha de verdade, cujos grãos são extraídos de uma fava preta superperfumada, você provavelmente terá que procurar uma pâtisserie gourmet mais cara.

Devido ao preço altíssimo do tempero, a maior parte dos confeiteiros usam essência sintética baunilha — essa, feita a partir de insumos como celulose e derivados de petróleo, centenas de vezes mais barata.

Ouro dos confeiteiros

Creme brulée: baunilha é elemento fundamental na confeitaria - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Creme brulée: baunilha é elemento fundamental na confeitaria
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Ana Stela Bittencourt, cheffe pâtissière e proprietária da Gâteaux à Croquer, doceria francesa localizada em São Paulo, explica que a verdadeira baunilha é uma espécie de "ouro dos confeiteiros" e que muitos cozinheiros, mesmo na confeitaria profissional, optam pelas essências sintéticas para não encarecer demais o produto final entregue ao cliente.

"Os aromas industrializados fazem parte da preparação das receitas de alguns estabelecimentos pois facilitam o dia a dia dos profissionais e diminui o custo da preparação, uma vez que o preço da essência é muito menor do que a baunilha pura", explica Ana, que ressalta que o sabor da baunilha industrializada não se compara ao das favas verdadeiras.

Apesar de ser muito utilizada na pastelaria industrial, a baunilha industrializada não tem a mesma delicadeza da baunilha natural no paladar e olfato. Para mim, nada realmente substitui a baunilha natural", diz.

(foto) Para produzir seus doces, Ana costuma utilizar favas de baunilha verdadeiras que ela compra através da internet. Em uma compra recente, ela pagou R$ 170 por um saquinho com 35 gramas de favas importadas de Madagascar.

"A baunilha é frequentemente vista como um produto caro porque o preço varia muito dependendo de fatores como a origem da baunilha, condições climáticas nos países produtores e flutuações na oferta e demanda globais", diz Ana.

"No entanto, é importante entender que a baunilha é um produto de luxo devido ao seu cultivo complexo e cuidadoso. Leva tempo e paciência para produzir baunilha de alta qualidade", completa.

Plantio milagroso

O plantio da baunilha é tão difícil e envolve tantas etapas delicadas que as favas prontas parecem um verdadeiro milagre para quem vê de fora.

Orquídea que dá origem à baunilha - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Orquídea que dá origem à baunilha
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Para começar, as favas da baunilha que usamos para cozinhar são parte da orquídea Vanilla planifolia, uma flor que só vinga em pouquíssimos lugares do mundo e que precisa de um clima tropical úmido, e de muita sombra, para dar fruto.

Essa orquídea tropical é originária da América Central. No México, os astecas cultivaram favas de baunilha durante séculos, e também introduziram a especiaria aos espanhóis, que fizeram a fama do tempero no resto da Europa.

No século 16, muitos colonizadores europeus tentaram plantar baunilha em seus territórios, mas fracassaram, porque a única espécie de abelha capaz de polinizar a orquídea da baunilha está no México.

Colheita de baunilha, no México - Getty Images - Getty Images
Colheita de baunilha, no México
Imagem: Getty Images

A situação mudou quando os franceses levaram a baunilha para sua colônia, Madagascar, terra cercada de oceano com condições climáticas e de umidade perfeitas para o plantio. No entanto, o problema continuava sendo como polinizar as orquídeas sem as abelhas nativas do México para fazer o trabalho.

Polinizada à mão

Em 1841, Edmond Albius, uma criança escravizada de apenas 12 anos, descobriu uma forma de polinizar a orquídea da baunilha sem as abelhas mexicanas.

Uma vez que a orquídea Vanilla planifolia é uma flor hermafrodita, Albius descobriu que bastava romper uma fina membrana que separa os órgãos reprodutores masculino e feminino da planta para que ela fosse polinizada naturalmente.

Ilustração de revista italiana do começo do século 20 mostra a colheita de baunilha - Science & Society Picture Library/SSPL/Getty Images - Science & Society Picture Library/SSPL/Getty Images
Ilustração de revista italiana do começo do século 20 mostra a colheita de baunilha
Imagem: Science & Society Picture Library/SSPL/Getty Images

Desde aquela época, toda a baunilha produzida fora do México é polinizada à mão. Os fazendeiros normalmente usam um palito de dente para rasgar a membrana, que fica dentro da orquídea, e com muito cuidado, eles "esfregam" os dois órgãos reprodutores da planta, possibilitando a polinização.

São milhares de orquídeas que passam pelo mesmo processo nos campos quilométricos de plantação de baunilha em Madagascar. Para deixar a situação ainda mais difícil, existe um detalhe: a polinização à mão só pode ser feita em um único dia do ano, quando as orquídeas estão com as pétalas abertas.

O tempo para uma fava de baunilha ficar pronta para ser colhida também é um fator decisivo no preço. Só é possível realizar uma única colheita ao ano. E quem inicia uma plantação do zero precisa esperar pelo menos 4 anos para começar a colher baunilha.

O lado B da baunilha

Produção de baunilha em Madagascar - Getty Images - Getty Images
Produção de baunilha em Madagascar
Imagem: Getty Images

Quando colhida, as favas de baunilha são verdes como as de feijão. Elas só ficam pretas depois que são cozidas e secas no sol por até 30 dias. O cozimento é fundamental para as favas adquirirem o gosto e o aroma que conhecemos, pois libera a substância vanilla.

Atualmente, os maiores produtores de baunilha do mundo são Madagascar, Indonésia, China e México. Em Madagascar, conhecido pela alta qualidade da especiaria, 20% das exportações feitas pelo país são de baunilha, e uma parte considerável dos empregos do país são de trabalhadores das plantações.

Apesar dos preços exorbitantes do quilo na baunilha no mercado internacional, quase nada desse lucro fica nas mãos dos agricultores e fazendeiros que plantam baunilha há muitas gerações.

Cultivo de baunilha em Madagascar - Michel RENAUDEAU/Gamma-Rapho via Getty Images - Michel RENAUDEAU/Gamma-Rapho via Getty Images
Cultivo de baunilha em Madagascar
Imagem: Michel RENAUDEAU/Gamma-Rapho via Getty Images

Em Madagascar, os agricultores costumam trabalhar para intermediários que pagam pouquíssimo pelas sacas de baunilha, mas as vendem por centenas de dólares no exterior. Algumas cooperativas locais tentam mitigar o problema comprando dos agricultores por um preço mais justo, mas ainda assim, muito mais baixo do que o produto realmente vale.

Além disso, ser produtor de baunilha é um dos negócios mais perigosos para se ter em Madagascar. Saques cometidos por grupos armados nas plantações são super comuns. Perto da data da colheita, os agricultores costumam vigiar as plantações armados, dia e noite.