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Olho do Saara: visível do espaço, formação no deserto intriga a ciência

Felipe van Deursen

Colaboração para Nossa

05/08/2023 04h00

Em 1920, um livro com as memórias e experiências do militar francês Ernest Psichari, morto seis anos antes, foi publicado."Les Voix que Crient dans le Desert: Souvenirs d'Afrique" ("As vozes que gritam no deserto: lembranças da África", em tradução livre) traz o que se considera o primeiro registro por escrito de um lugar surreal no Saara:

Ouadan está à porta de uma imensa depressão, estendendo-se para o nordeste, e ladeada por ervas muito caras aos camelos."

Os militares franceses alocados na Mauritânia, então uma das tantas colônias da França no continente, tomaram conhecimento do tal lugar no começo do século passado. Mas, pelo visto, ele já era visitado por caravanas (e se tornado querida dos camelos) havia um tempão.

Ouadan, ou Ouadane, na grafia atual, é um oásis diferente, porque é ligado por um corredor arenoso até o fundo dessa depressão.

Em 1934, o explorador e naturalista Théodore Monod a visitou, inaugurando a fase das pesquisas científicas no local. Por toda sua longa vida, Monod voltaria diversas vezes ali.

O explorador Thedodre Monod  - patrick chapuis/Sygma via Getty Images - patrick chapuis/Sygma via Getty Images
O explorador Thedodre Monod
Imagem: patrick chapuis/Sygma via Getty Images

Trata-se de uma enorme estrutura circular, com cerca de 50 km de diâmetro, chamada Estrutura (ou Domo) de Richat — "richat" é termo do árabe hassani que faz referência ao formato do lugar. De fato, é uma forma impressionante. Desde que uma missão espacial americana revelou o domo em toda sua magnitude, as teorias sobre esse mistério atingiram um novo nível de imaginação e criatividade.

Diferentemente da Muralha da China, que por anos foi associada a esse mito, a Estrutura de Richat é, sim, visível do espaço. Foi a partir dessas imagens que ela ganhou o apelido pelo qual também é conhecida: o Olho do Saara.

Estrutura de Richat, na Mauritânia - Reprodução - Reprodução
Estrutura de Richat, na Mauritânia
Imagem: Reprodução

Seriam esses anéis concêntricos de rochas sedimentares o resultado de um impacto de meteorito? E mais: a descoberta de ferramentas pré-históricas de cerca de 1 milhão de anos alimentou outras hipóteses, como a que afirma que Richat seria a antiga e eternamente perdida cidade de Atlântida. Mas as evidências arqueológicas não apontam nada mais sofisticado do que apenas breves ocupações de povos caçadores-coletores.

Nos anos 1960 os cientistas já começaram a descartar a possibilidade de impacto extraterrestre, o que se confirmou no começo deste século. Não há nenhuma evidência de um choque causado por algo que veio do espaço.

Desde então, o foco tem sido o interior do planeta. As formas concêntricas de Richat seriam resultado do que os geólogos chamam de dobras — a ação de forças que acabam encurvando ou inclinando camadas rochosas.

Depois, novos estudos indicaram que a estrutura foi formada por diques anelares sobre magma, que criaram um domo, que por sua vez foi erodido há 100 milhões de anos. Era um tempo em que o Oceano Atlântico estava se formando e os dinossauros governavam a Terra.

Estrutura de Richat, na Mauritânia, em foto do espaço feita pela Nasa - UniversalImagesGroup/Universal Images Group via Getty - UniversalImagesGroup/Universal Images Group via Getty
Estrutura de Richat, na Mauritânia, em foto do espaço feita pela Nasa
Imagem: UniversalImagesGroup/Universal Images Group via Getty

Dá pra visitar?

A Mauritânia aos poucos vem sendo descoberta por turistas mais aventureiros, porque diversas embaixadas desaconselham viajar ao país, citando risco de terrorismo. Mas fóruns de mochileiros e sites especializados em viagens na África alegam que basta o bom senso, o mesmo bom senso de sempre, requerido na América do Sul, na Ásia e em tantos lugares, para descobrir, com relativa tranquilidade, essa nação desértica.

Entre os maiores destaques da Mauritânia estão a cidade de Chinguetti, fundada no século 13 como uma importante parada de caravanas do Saara, e Ouadane, aquela frequentada pelos militares franceses há cem anos. Ambas são patrimônio da Unesco e ficam próximas ao Domo de Richat. A União Internacional de Ciências Geológicas considera a estrutura um dos cem patrimônios geológicos mais importantes do planeta.