Conheça o petisco islandês de carne podre que Bourdain e Ramsey rejeitaram
Quem gosta de experimentar comidas exóticas ao redor do mundo costuma dizer que é melhor primeiro comer para depois pesquisar sobre o alimento. Esse parece ser o caso do hákarl, uma iguaria supertradicional da Islândia que nada mais é do que carne de tubarão apodrecida.
Servido em cubinhos cortados igual queijo, ou em tiras fininhas como as de presunto parma, o hákarl está presente no cardápio de quase todos os bares e restaurantes islandeses.
Normalmente, o alimento é saboreado junto de uma dose de Brennivin, aguardente local equivalente a nossa cachaça.
Mesmo entre os islandeses, o hákarl é um petisco superpolêmico. Ele costuma ser descrito como "carne com gosto de amônia" e faz parte daquele grupo de alimentos que só podem ser amados ou odiados, sem meio-termo.
O falecido chef de cozinha americano Anthony Bourdain afirmou que o hákarl foi o "prato mais repugnante" que ele já experimentou na vida. Já o chef e apresentador de TV escocês Gordon Ramsey cuspiu a iguaria na frente das câmeras.
Tubarão tóxico
O principal motivo de o sabor do hákarl ser tão peculiar é a espécie de tubarão de onde a carne é extraída. Original das águas geladas do Ártico, o tubarão-da-groenlândia é considerado um dos peixes com a carne mais venenosa do mundo.
Para conseguir sobreviver nos mares congelantes dos extremos do hemisfério norte, o tubarão-da-groenlândia possui níveis altíssimos de ácido úrico e óxido de trimetilamina, substâncias que servem como anticoagulantes e balanceadores químicos que mantém o animal vivo.
Para o ser humano, comer a carne do tubarão-da-groenlândia fresca, como fazemos com outros peixes, é impossível. Uma simples mordida pode causar alucinações e cegueira por conta das substâncias tóxicas presentes no peixe. Uma pequena porção inteira pode matar um adulto em poucos minutos.
Gosto e cheiro de amônia
Para driblar a toxicidade do peixe e tornar a carne do tubarão comestível, os islandeses possuem uma técnica de fermentação secular. Historicamente, os tubarões eram enterrados inteiros em poços cavados na areia perto do oceano. Depois de algumas semanas, os líquidos tóxicos desapareciam e a carne deixava de ser venenosa.
Hoje em dia, não é mais necessário enterrar os tubarões. Em vez disso, os produtores islandeses costumam armazenar os tubarões cortados em pedaços, em caixas com fundo vazado (para o líquido sair), dentro de contêineres. O processo de fermentação dura entre 3 e 6 semanas e libera cheiro de amônia e carne podre.
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Quero receberApós a fermentação, a carne é suspensa em varais para maturar por um período que varia de três a seis meses. Essa etapa é necessária para neutralizar as toxinas restantes e para a carne adquirir uma textura macia que lembra queijo.
Depois de maturado, o hákarl finalmente está pronto para ser saboreado. Normalmente, a carne é comida pura, sem a adição de nenhum tempero ou cocção. Quem come afirma sentir cheiro e gosto de amônia e diz que o hákarl desce fazendo a garganta e a língua queimar.
Herança dos Vikings
A origem do hákarl é atribuída aos vikings, que teriam sido os primeiros a caçarem o tubarão-da-groenlândia das águas do Ártico, e a descobrirem como neutralizar as toxinas presentes no peixe.
O prato foi inventado em um contexto onde a escassez de recursos naturais e as condições climáticas rigorosas dificultavam a obtenção de alimentos frescos na Islândia.
Para sobreviverem, os islandeses precisavam encontrar maneiras de preservar e aproveitar ao máximo os recursos disponíveis. Daí a ideia de fermentar e maturar a carne do tubarão, que depois de pronta pode durar meses. Outros pratos islandeses tradicionais daquela época, como a Skata, uma raia fermentada, também são preparados de modo parecido com o hákarl.
Como não vivemos mais no tempo dos vikings, hoje em dia a maioria dos islandeses prefere comer hambúrguer do que hákarl, mas no passado, o prato era uma fonte importante de subsistência. Até hoje, o hákarl é uma forma de evocar a cultura islandesa, e todos os estrangeiros que visitam o país são desafiados a experimentar.
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