Guia do vinho rosé: esqueça o preconceito e aproveite a bebida da moda
Sergio Crusco
Colaboração para Nossa
11/08/2023 04h00
Difícil imaginar um evento badalado sem vinho rosé nas taças. Ou uma pool party em que o charme da bebida rosada não esteja presente. Vai fazer um passeio de escuna e quer arrasar na foto do brinde? Escolha um espumante rosé.
Antes de alcançar esse status de refinamento, o rosé, no Brasil e em boa parte do mundo, era sinônimo de vinho mal feito. Muita gente que costumava repudiá-lo acreditava que rosé era uma mistura de branco com tinto — o que, em alguns casos, não deixa de ser verdade. Mas não na maioria deles.
Jessica Marinzeck, sommelière da importadora Cellar Vinhos, gosta fazer uma analogia com o mundo do artesanato para explicar como a magia do rosé se faz.
Se você quiser tingir uma blusa no estilo tye-die e deixá-la por pouquinho tempo em contato com uma tinta vermelha, o pano vai ficar rosado. Se deixar por bastante tempo, ele fica vermelho".
A comparação faz todo o sentido quando temos em mente uma valiosa informação: o que dá cor aos vinhos — do rosinha ao vermelhão — são as cascas das uvas tintas. Como quem tinge uma camiseta, o produtor decide que intensidade de cor terá seu vinho.
Como nasce o rosa
Pode funcionar das seguintes formas:
- Prensagem direta: as uvas tintas são levemente maceradas (esmagadas) com as cascas, permitindo que o vinho ganhe alguma cor (bem pouquinha). E então ele segue para os tanques de fermentação sem as cascas;
- Maceração curta: depois de maceradas as uvas tintas, o produtor deixa o líquido em contato com as cascas durante algum tempo no processo de fermentação. Que pode ser bem curto, para originar um rosé clarinho, no estilo de Provence, sul da França. Ou longo, para obter um rosezão de cor carregada, às vezes quase tinto, como alguns da região de Bordeaux;
- Método de sangria: quase a mesma coisa. Só que o produtor aproveita para fazer dois vinhos com a mesma remessa de uvas. No começo da maceração, retira parte do líquido e o reserva para a elaboração de um rosé. A outra parte continua em contato com as cascas, para gerar um tinto bem encorpado;
- Corte de branco com tinto: sim, isso existe e não é demérito algum. Utilizar esse método depende das regras de cada região produtora -- há as que permitem a mistura e as que não. Uma que deixa é Champagne. Muitos dos clássicos espumantes rosés da região são mescla de vinhos brancos de Chardonnay e Pinot Meunier com tintos de Pinot Noir.
- Cofermentanção: um método mais raro, em que uvas brancas e tintas são fermentadas juntas.
Se você imaginar que todas as regiões produtoras do mundo fazem rosé e que é possível obtê-lo usando qualquer tipo de uva tinta, dá para ter ideia do quão sem limites é esse mundo.
Os rosés de Provence, de cor esmaecida (que os especialistas chamam de "casca de cebola"), são tendência copiada no planeta. Mas há muito mais a explorar.
"O rosé geralmente é um vinho fresco, para ser bebido jovem. Mas há regiões que produzem rosados complexos e encorpados, como Rioja, na Espanha. Ou os rosés de Tavel, apelação da região francesa do Rhône. Alguns exemplares têm boa estrutura e aguentam alguns anos de envelhecimento na garrafa", diz Jessica.
Como apreciar os rosados
Exatamente por ser jovem e fresco, o rosé é um vinho despretencioso, bom de piquenique. Aproveite sem mistérios.
"É um vinho que não requer pompa e elegância. Claro que ele tem esse lado instagramável, bonito. Mas o brasileiro percebeu que é leve, bom para o nosso clima e, em muitos casos, uma opção mais barata", diz Andrea Ferreira, analista de inteligência do mercado de vinhos na empresa Product Audit.
Outra lenda que machuca a reputação do rosé é a de que ele é doce. Mentira. Existem rosés desde os mais secos aos, de fato, adocicados (e ninguém tem nada com isso de você gostar de vinho doce — brega é patrulhar o gosto dos outros). "A quantidade de açúcar residual no vinho é sempre uma decisão do produtor", explica Jessica.
Bom é servir o rosé gelado, entre 8°C e 12°C, em taças de bojo grande, as mesmas usadas para os brancos, especialmente se você quer curtir os aromas da bebida.
Harmonizações em tons de rosa
Para acompanhá-lo, há um mundo de possibilidades, que vão da culinária de boteco ao jantar de gala.
Para abrir os trabalhos, a sommelière indica rosés mais secos com friturinhas: bolinhos, croquetes de mandioca com carne seca, iscas de peixe, manjubas. Se o seu vinho tiver uma boa dose de acidez, o casamento com a untuosidade desses petiscos é perfeito (gordura com acidez é tudo na vida). Se você pensou em acarajé, está no caminho certo.
Rosé tem tudo a ver com frutos do mar. Pense num rosé clarinho acompanhando ostras. Rosés um tanto mais encorpados e frutados podem fazer bom par com pratos apimentados, como a moqueca de camarão, ou com peixes mais gordurosos, como o atum e o salmão (harmoniza bonito na cor). Um rosé de alta gama, por que não com lagostas?
Outra dica de Jessica são os pratos de carne crua, como steak tartare, carpaccio, quibe cru, crudo de salmão (sushis e sashimis estão valendo). Ou o rosbife, que não é exatamente cru, mas está no meio termo. Embutidos também vão bem com rosés mais parrudos: copa, salaminho, mortadela, presunto cru, bresaola, guanciale, panceta...
Para vegetarianos, quase tudo com tomate também costuma harmonizar com os rosas: risotos, salada caprese, tomates recheados com ricota e especiarias, quiches, lasanha de tomate seco, pão de tomate, patezinho ou gazpacho, a sopa fria dos espanhóis.
Onda rosada lambe o mundo
É difícil precisar quando o rosé passou a ser reconhecido como um vinho elegante, merecedor das festas das altas rodas. Mas há pistas de sua crescente fama — e as redes socias podem ter dado um empurrão em sua popularidade no planeta.
Muita gente passou a relacioná-lo com o estilo de vida dos ricos da Côte d'Azur e acredito que o Instagram tenha uma boa parcela de responsabilidade em fazer essa tendência acontecer", diz Jessica.
Celebridades também contribuíram um bocado para firmar a aura de sofisticação do rosé, começando por Brad Pitt, sócio do Château Miraval, na Provence. Jon Bon Jovi, Sarah Jessica Parker, Drew Barrymore, Snoop Dog, Cameron Diaz, Kylie Minogue, Sting, John Legend e outros tantos lançaram rosés com sua grife.
Por falar nisso, marcas poderosas do mundo da moda começaram a investir em vinhos grifados e elegeram o rosé como ponta de lança para o seu marketing. O primeiro lançamento de Dolce & Gabbana, em parceria com a vinícola siciliana Donnafugata, foi Rosa, um luxuoso vinho de Nerello Mascalese, uva autóctone da ilha italiana.
O Brasil, que adora copiar moda estrangeira, inevitavelmente jogou-se na onda rosada, sem medo da ressaca. "Nosso mercado baseia-se muito no que acontece na Europa e nos Estados Unidos. Com o rosé, não foi diferente", diz Ricardo Morari, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE).
Dados da Product Audit apontam o crescimento de 85% da importação de vinhos rosé no Brasil de 2020 a 2022. Vinhos brancos cresceram 9% no mesmo período e tintos caíram 9,7%. O que não quer dizer que tintos tenham perdido majestade. Eles representam 71,3% do mercado brasileiro (brancos têm 20,8% e rosés, 7,9%), de acordo com a empresa Ideal Consulting.
Em 2022, foram importados 11 milhões de litros de rosé para o Brasil, contra parcos 1 milhão de litros em 2014. Em menos de uma década, a onda cor de rosa cresceu mais de mil por cento por aqui. O que fez nossas vinícolas serem obrigadas a surfá-la.
No começo, muitos produtores brasileiros acreditaram que a tendência do vinho rosé seria uma moda passageira, mas a categoria tem crescido e se consolidado em números e qualidade", diz Ricardo.
De 10 ou 15 anos para cá, Ricardo relata uma melhora de processos de produção, com técnicas de prensagem mais controladas e um estudo afinado das temperaturas ideais de fermentação, o que beneficia todos os estilos de vinhos. No caso do rosé, ele acredita, esse aprimoramento ajudou a tirá-lo da condição de "vinho de segunda linha".
O enólogo, que atua na Cooperativa Garibaldi como gerente técnico, também aponta a busca por bebidas mais leves, de menor teor alcoólico, como pontos positivos para o crescimento dos vinhos rosados entre nós. Para além das festas glamourosas ou dos cruzeiros de luxo, o rosé é pop.
12 tons de rosé
Jessica Marinzeck e a reportagem de Nossa indicam rótulos rosados para os mais variados estilos e bolsos.
Os mais vendidos
Pedidas populares - até R$ 100
Sacramentos Vinifer Antonella Rosé Brut (Brasil) - espumante leve, de boa fruta e acidez, feito na Serra Gaúcha com uvas brancas e tintas. (R$ 88 na World Wine)
Para bolsos médios - de R$ 150 a R$ 250
Cellar Collections 2020 Rosado (Espanha) - delicinha feita com a uva Garnacha. É leve, de acidez bem equilibrada com a fruta e ótimo para harmonizações. (R$ 165 na Cellar Vinhos)
Saravá Rosé 2021 (Portugal) - mescla da uva branca Loureiro (de acidez espetacular) e da tinta Vinhão, autóctones da região dos Vinhos Verdes. De fato, um vinhão. (R$ 235 na Cellar Vinhos)
Categoria luxo - Mais de R$ 300
Giz Rosé Vinhas Velhas 2020 (Portugal) - a Bairrada faz lindos rosés com a uva Baga. Como esse, intenso, profundo e próprio para harmonizações ousadas. (R$ 395 na Cellar Vinhos)
Donnafugata Dolce & Gabanna Rosa (Itália) - um primor de rosé, elaborado com Nerello Mascalese, das mais delicadas e elegantes castas da Sicília. (R$ 538 na World Wine)
* Preços e disponibilidade consultados na data de publicação da matéria.