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Banheiro portátil, arte na praia: a vida do casal que mora em um Celta

Evelin e Matheus estão viajando desde janeiro, mas o automóvel começou a rodar apenas em junho - Reprodução/Instagram @roteirodesconhecido
Evelin e Matheus estão viajando desde janeiro, mas o automóvel começou a rodar apenas em junho Imagem: Reprodução/Instagram @roteirodesconhecido

De Nossa, em São Paulo

15/08/2023 04h00Atualizada em 16/08/2023 08h28

A paulista Evelin Marinho, 28, e o cearense Matheus Oliveira, 32, estão viajando pelo Brasil em um motorhome desde junho deste ano. Muito diferente de trailers ou vans, o veículo escolhido pelo casal é um Celta, que tem aproximadamente 2m². É lá que, além de dirigir pelas rodovias, eles dormem, cozinham e recarregam as câmeras que registram a viagem, que tem como meta chegar no fim do mundo, em Ushuaia, na Argentina.

A empreitada começou após um convite de Evelin. Ela conheceu Matheus por um aplicativo de relacionamento há três anos, quando se mudou para Fortaleza. Na época, ela tinha saído de São Paulo com uma amiga para viver novas experiências na capital cearense. Os dois começaram a namorar tempos depois e, mais tarde, se mudaram para a mesma casa.

Antes de sair em viagem, Evelin trabalhava como professora de tecido acrobático e Matheus era gerente de logística. Autônoma e atuando muitas horas por dia, Evelin começou a enfrentar crises de ansiedade devido à quantidade de demanda no trabalho.

"Sempre gostei de ter uma vida livre e a parte de ser autônoma era boa justamente para ter liberdade de tempo. Mas me vi trabalhando muitas horas por dia e comecei ter crises de ansiedade. Então, lembrei de um mochilão que fiz em 2017 e no quanto aquilo me fez bem."

Na época, Evelin passou 4 meses viajando pelo Brasil e outros 4 pela Bolívia. "Pensei muito sobre isso e tinha medo de propor para o Matheus porque achava que ele não aceitaria. Fiquei meses postergando um convite, sofrendo em silêncio, até porque também tinha medo de que se eu falasse sobre isso seria o fim da nossa relação."

Evelin diz que o namorado notou a mudança no humor dela e começou a questioná-la. "Ele tentava me ajudar de várias formas até que um dia me colocou na parede e foi quando eu me abri para ele."

Ao ouvir a proposta da namorada, Matheus hesitou. "Fiquei pensando muito sobre isso e comecei a lembrar que também tinha sonhos de viajar, mas que com o passar da vida fui deixando isso de lado para trabalhar, sem perceber. Quando ela falou, comecei a refletir o que eu estava fazendo da minha vida", disse Matheus, que depois de um tempo acatou ao plano.

mochilas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Casal começou a viagem apenas com as mochilas, mas depois decidiu buscar o Celta de Matheus
Imagem: Arquivo pessoal

O casal teve pouco tempo para se planejar. Em menos de um mês deixaram seus empregos, venderam os móveis, devolveram a casa que moravam de aluguel e embarcaram em uma viagem que, a princípio, seria apenas com a mochila nas costas.

"Fomos descendo o litoral aos poucos, fazendo voluntariado em troca de acomodação", conta Evelin.

A ideia de voltar a Fortaleza para buscar o Celta, o único item que não foi vendido pelo casal, veio após uma travessia que eles realizaram entre Maragogi e Maceió. "Ficamos mais ou menos 5 dias andando e acampando pelas praias. Quando estávamos chegando em Maceió, vimos vários motorhomes e paramos lá para perguntar se o pessoal conhecia algum lugar para almoçar."

Lá, o casal fez amigos e decidiu passar a noite, acampados. "Começamos a conversar com o pessoal sobre viajar de carro e tinha um homem que falou que havia viajado com um Uno com a mulher e as duas filhas pequenas. Percebemos nesse momento que tínhamos uma possibilidade que não conhecíamos. E a pulga ficou atrás da orelha", relata Matheus.

Os dois seguiram viagem e quando chegaram a Maceió, Evelin adoeceu. "Estava com uma gripe e comecei a ficar mole, com febre. Tive que parar um tempo para me recuperar e foi aí o grande ponto da gente. Tivemos que ficar vários dias pagando hospedagem e pensamos no Celta. Se estivéssemos com ele, seria nossa casa em qualquer lugar do mundo."

Transformando um Celta em um motorhome

Assim, em abril, o casal retornou a Fortaleza, recuperou o Celta e passou cerca de um mês preparando ele para a viagem. A data de saída foi simbólica: 12 de junho, Dia dos Namorados e um dia depois do aniversário de namoro dos dois. "Tudo foi construído com apoio de vídeos na internet. Queríamos ter autonomia, então buscamos formas de ter nossa própria água e energia."

O veículo foi equipado com uma placa solar e tomadas, que carregam os celulares e o computador do casal. Além disso, há baú de madeiras na parte traseira do carro, onde eles guardam utensílios de cozinha, roupas e outros mantimentos, como gás para cozinhar. "Deixo até um termômetro para acompanhar a temperatura, por precaução", explica Matheus.

Quando fechados, esses baús se transformam em um tablado, onde eles posicionam o colchão para dormir. Além disso, o casal também instalou uma caixa de água, que é um cano que armazena 25 litros — por causa disso, quando não há chuveiro por perto, o casal toma banho com 1 litro e meio de água. Eles improvisaram também um banheiro portátil. "Temos a cabaninha para usar como banheiro. Às vezes tomamos banho em lugares que tem muitas pessoas passando, mas geralmente vamos em locais com banheiro disponível".

"A parte burocrática do veículo, das documentações, foi a mais demorada. As adaptações em si demoramos menos de duas semanas", diz ele.

O veículo ainda conta com um sistema de isolamento térmico. Segundo Evelin, há uma placa de isopor e cortinas reflexivas que amenizam o calor dentro do automóvel. "O pessoal acha que fica muito quente, mas o nosso não. Está tudo bem isolado", acrescenta Matheus.

As dificuldades aparecem nos dias de chuva — quando não há como sair do veículo e eles passam o dia deitados, já que o teto é muito baixo. "Queríamos um toldo para fazer sombra porque não podemos estacionar onde há, por conta da placa solar. Além disso, seria muito útil nos dias de chuva. Mas ainda não conseguimos pensar direito em uma ideia", diz Evelin.

Eles dizem não terem passado por muitos perrengues até então. Para Matheus, o dia mais marcante foi quando choveu muito e eles tiveram que ficar dentro do carro e cozinhar com tudo fechado.

"As pessoas sempre questionam por que não vamos para um lugar coberto nessas horas. É que não tem! Muitas vezes estamos em praias desertas e começa a chover muito e temos que ficar lá. Só saímos em último caso porque é um perrengue que vai passar. O sol vai abrir e vamos ver um lugar lindo."

casal - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Os dois colocaram como meta chegar a Ushuaia, na Argentina
Imagem: Arquivo pessoal

Agora, o casal se encontra em Aracaju e diz que deve demorar muito tempo para chegar ao destino. "A gente quer ir conhecendo, estamos vivendo na estrada. A gente olha no mapa e falamos: vamos por aqui", diz Matheus.

"Percebemos que seria interessante ter um objetivo, mas para nós o intuito é aproveitar o caminho. Por isso que o nome do projeto é Roteiro Desconhecido, por não ter roteiro nenhum", completa Evelin.

Os dois têm se sustentado por meio da venda de artesanatos e afirmam que a vida no Celta é mais barata. "Ele é econômico, então vale muito a pena", diz Matheus.

Evelin ainda afirma que, para viver boas experiências, é necessário pouco. "Muitas pessoas têm desejo de viajar e acha que precisa de muito para isso. Quem não tem condições, acaba adiando esse sonho. Mas não precisa. Estamos aqui viajando com um carro super popular como Celta. Precisa de pouco para viver."