'Primo' do pastrami, corned beef nasceu da xepa e tem versão brasileira
De olho nas "delis" novaiorquinas, muitos brasileiros já caíram de amores pelo pastrami. Se você, porém, não é fã do toque defumado e procura carne com mais maciez, mas não abre mão de explorar as maravilhas inspiradas no churrasco americano, há boas notícias e elas até já estão em terras brasileiras.
Igualmente curado em salmoura e temperado, o corned beef (traduzido como "carne salgada") pode ser tudo o que o paladar brasileiro pediu ao churrasqueiro: sai a defumação, entra uma carne que desfia ao toque (mas não desmancha) e tem versatilidade de sobra.
Apesar do que difere estas carnes "irmãs", há muitas semelhanças entre elas: a origem antiquíssima, a popularização pela culinária judaica e o local imperdível para conhecer os mais tradicionais sanduíches das respectivas carnes: a histórica delicatessen Katz, em Nova York.
E foi justamente lá, em 2018, que Lierson Mattenhauer Jr, embaixador e pioneiro do corned beef em São Paulo com seu novíssimo bar-restaurante Xepa, conheceu (e nunca mais largou) a iguaria.
Um pastrami à irlandesa?
Antes de contar o que o corned beef pode trazer de brasileiro, é preciso voltar no tempo e entender que em sua origem ele já tinha um quê de xepa, de transformar o alimento rejeitado em uma refeição.
Apesar de bastante popular nas delis norte-americanas, como o pastrami, e ter se popularizado entre os imigrantes judeus do Leste Europeu que se instalaram em Nova York e outras grandes cidades dos EUA no começo do século 20, o corned beef oferece um detalhe que o associa aos imigrantes irlandeses.
Isso porque, no tradicional Dia de São Patrício, muito antes da cerveja verde, eram servidos sanduíches de bacon e repolho (também conhecido como "boiled bacon"). Como a carne bovina menos nobre era mais barata que a de porco, a substituição foi nada mais que o óbvio para uma massa de trabalhadores que acabava de começar a vida em um novo país. E é esta a combinação mais famosa do corned beef, ao lado do repolho.
Reza a lenda que foi a troca entre imigrantes irlandeses e judeus que fez nascer o corned beef como conhecemos hoje - e que a maior parte da carne utilizada em ambas as comunidades eram compradas em açougues kosher, os mais populares entre os bairros de imigrantes.
Tradução no gosto
Apesar do nome em inglês e sem equivalente comercial em português, o corned beef é perfeitinho para paladar e espírito brasileiro (nós, que conhecemos tanto o que é uma boa xepa). E mesmo seu sanduíche mais tradicional (o famoso Reuben) encontrou uma cara mais nossa.
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Quero receber"Comparado ao pastrami, eu gostei muito mais do sabor. Me pegou muito mais", relembra. Desafiado em 2018 numa estação só com preparos de peito bovino no Churrascada, Lierson desenhou o que seria o corned beef brasileiro: carne marinada por 21 dias em louro, pimenta branca, diversos grãos e... para por aí - não será aqui que o chef revelará seus segredos.
O tradicional Reuben, que leva pão de centeio, na versão tupiniquim é feito com pão de forma de batata tostadinho, a fonduta de queijo ao estilo americano agora tem sabor de queijo mineiro e o chucrute deu lugar a repolho braseado. Nasceu Rubão - e quem lembrar da música de Charlie Brown Jr. não está errado: foi intencional.
Além do Rubão, o corned beef rende bolinho, cobertura de batata frita e até complemento generoso em fatias numa salada completa.
E tudo isso não só por ser uma paixão do chef, mas também por "dar um trabalho do cão", como ele mesmo entrega.
São 21 dias parado na geladeira, são cinco peitos e cinco quilos por dia. Ou seja, 25 quilos de corned beef somente para o Rubão, calcula. Uma outra peça é separada para os bolinhos e as saladas.
E, garante Lierson, a saída tem sido garantida. E é sério. Durante a entrevista, um cliente foi cumprimentar o chefe e relatou que tinha ido de Mogi das Cruzes até o bairro de Santa Cecília, em São Paulo, para experimentar o Rubão.
Carne da "xepa"
Após anos de testes, ele diz que hoje, o corned beef chegou ao seu paladar: "Eu sou brasileiro também, né? É legal comer coisas de fora, você aprende muito viajando, mas é muito legal fazer coisa nossa. Adoro o American Barbecue, mas a gente precisa pegar essas técnicas e adaptar para os produtos que a gente tem, para o gosto do brasileiro", opina.
E Lierson tem conhecimento de causa para essa comparação: do design gráfico, ele migrou para as carnes ao lado do pai. Fez muito hamburguer (em um dia de feira chegou a vender mil e quinhentos deles), resenhou casas do lanche no blog Hamburguer.com no boom da cena artesanal, foi um dos sócios do Tradi e maturou o Xepa ao lado de mais dois chefs, com referências de comida de rua, de quebrada, popular.
Corned beef ainda é o carro-chefe do apetite e da filosofia da casa, mas o espírito brasileiro aparece também no respeito ao que sempre agradou o público, mesmo aquele que não está na "bolha carnívora" de tempos recentes.
Toda casa de carne agora fala do Denver, do Shoulder... aqui não, mano. Aqui nossa tábua de carne é picanha, pão de alho, linguiça e queijo coalho.
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