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Por que estes alimentos queridinhos dos brasileiros podem desaparecer

Colaboração para Nossa

13/09/2023 04h20Atualizada em 13/09/2023 05h30

Em todo o mundo, e não seria diferente no Brasil, diversos alimentos estão ameaçados de extinção com a perda de saberes de preparo e até mesmo com as espécies desaparecendo, segundo entidade que cataloga produtos seguindo vários critérios. As motivações para isso ocorrer são diversas.

Elas vão desde ausência de incentivo para produções por falta de demanda ou muito pouco consumo, até a não conservação de espécies selvagens devido ao desmatamento de grandes áreas que possam extinguir produtos de uma região específica, conforme explica o site do Sustentarea, núcleo de extensão da FSP-USP (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo).

A seguir, veja alguns dos alimentos brasileiros com risco de extinção, segundo a Arca do Gosto, da Associação Slow Food Brasil. A lista completa pode ser visualizada no site oficial.

Pinhão

Pinhão Imagem: Rodrigo Moreira/Getty Images/iStockphoto

O pinhão é a semente da árvore Araucaria angustifolia, espécie nativa da Mata Atlântica conhecida popularmente na região por pinheiro ou araucária.

Está na lista por sua forma tradicional de coleta herdada do saber fazer indígena e chamada sapecada, e por ser um alimento que está associado a uma floresta e uma espécie em risco de extinção. Leia mais aqui.

Queijo da Serra da Canastra

Queijo da Serra da Canastra artesanal Imagem: Odu Mazza/Getty Images/iStockphoto

Produto artesanal tradicional e referencial do modo de ser e viver dos habitantes da Serra da Canastra, em Minas Gerais, esse queijo tem corrido perigo, segundo a Slow Food Brasil, devido a quebra na cadeia de transmissão do saber fazer queijo.

Isso ocorre pois muitos filhos de pequenos produtores rurais não querem dar continuidade ao seu trabalho, pouco valorizado econômica e financeiramente, preferindo aprender outras profissões e viver nas cidades.A ausência de uma legislação adequada à pequena produção também acaba por empurrar toda a cadeia para a informalidade, não garantindo rastreabilidade dos produtos e apresentando riscos ligados à falta de segurança alimentar. Leia mais aqui.

Goiabada Cascão no tacho de cobre

Goiabada cascão de corte Imagem: Getty Images/iStockphoto

A goiabada cascão é um doce "de corte", em barra, de produção artesanal, feito com goiaba e açúcar em tachos de cobre e fogo à lenha, típico das regiões mais ao sul de Minas Gerais. Está incluída na Arca devido ao saber do seu preparo, que corre risco de desaparecer com a falta de transmissão entre gerações. Leia mais aqui.

Batata doce roxa

Caracteriza por apresentar um formato alongado e uniforme, sua raiz tem película externa de cor roxa, e tem polpa também de cor roxa vibrante. Está na lista da Slow Food porque o alimento não seria muito difundida e seu consumo ocorre em pequenas comunidades que ainda preservam variedades que fogem do padrão mais comercializado. Leia mais aqui.

Pitanga

Pitanga Imagem: Getty Images/iStockphoto

Comum em pomares de quintais de todo o Brasil, a pitangueira é característica da Mata Atlântica e seus frutos são consumidos maduros e frescos. Está incluída na Arca porque suas unidades de plantas têm desaparecido, bem como sua produção comercial é quase inviável já que o fruto não suporta transporte para grande distribuição. Leia mais aqui.

Cajuína

A cajuína é uma bebida não alcoólica, clarificada, rica em cálcio, antioxidantes e ferro, típica do estado do Piauí. A preparação é artesanal, realizada geralmente por mulheres.

Como a popularização de bebidas gasosas representam uma grande ameaça para a cultura da cajuína, pois muitos jovens preferem consumir refrigerante à bebida típica de sua região, a cajuína está na Arca do Gosto com objetivo de preservar a continuidade da bebida. Leia mais aqui.

Ora-pro-nóbis

Ora-pro-nóbis Imagem: iStock

Presente nas Américas, essa é uma hortaliça rica em propriedades e que possui usos medicinais. Até pouco tempo era pouco conhecida fora de Minas Gerais, segundo a Arca do Gosto, e raramente cultivada comercialmente. Leia mais aqui.

Jambú

Jambu Imagem: iStock

Erva de sabor forte e agradável, é muito popular no norte do Brasil. Uma das principais características dessa planta é o fato de amortecer a língua e os lábios e induzir salivação ao ser mastigada.

Com poucos plantios comerciais, mas ao mesmo tempo pressão para comercialização, há uma preocupação com que agricultores passem a utilizar métodos convencionais para colocá-lo no mercado, o que ameaça práticas agroecológicas de como cultivá-lo de maneira boa, limpa e justa. Leia mais aqui.

O programa

"A Arca do Gosto é um programa de salvaguarda de alimentos, conhecimentos atrelados a esses alimentos que vão desde agrícolas, manejo, prática de guarda e tratados culturais, até beneficiamento, técnicas artesanais e saberes", explica a Nossa, Ligia Meneguello, bióloga formada pela Unesp (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho") e coordenadora na Associação Slow Food Brasil.

A Slow Food é uma iniciativa global que existe há mais de 30 anos, cujo objetivo é justamente proteger espécies, comidas e práticas com o citado projeto Arca do Gosto que identifica, localiza, descreve e divulga alimentos especiais ameaçados de extinção. Para fazer isso eles recebem doações.

Produtos e critérios

Já são 6.165 de produtos de diversos países integrados à Arca, sendo cerca de 235 somente do Brasil. No Brasil, alimentos como Pinhão, Queijo Serra da Canastra, Palmito Juçara, Azeite de Dendê feito no pilão e Açaí Solitário estão na lista brasileira.

Ligia diz que o universo da cultura alimentar, patrimônio imaterial, relações entre biodiversidade e povos que se relacionam com ela e são catalogados não possuem medição apenas por listas oficiais de governos, instituições ou artigos científicos que apontam animais e plantas em extinção: "A gente considera um critério importante para estar na Arca ser um alimento da sociobiodiversidade que sofra algum tipo de pressão".

Essas pressões podem se originar na degradação ambiental, desmatamento, especulação imobiliária, pressões que as comunidades levam no campo por urbanização ou dificuldades de manutenção de suas culturas, modo de vida e até mesmo de manter jovens no campo para transmitir saberes culturais.

Com a crise climática, as variedades podem sofrer pressão por não estarem se adaptando às mudanças bruscas. São diversas as formas que agem em cima desses conhecimentos, técnicas e alimentos. [...] A Arca não é apenas alimentos in natura, são processados também como farinha, pães e peixes. Vai além das listas que indicam os animais e plantas ameaçadas de extinção ou que ocorre a extinção propriamente dita como estamos acostumados a entender,

— Ligia Meneguello, bióloga e gestora cultural

Ela ressalta que a iniciativa possui um componente cultural que é mais difícil de ser medido, pois se está falando da regionalidade e culturas locais: "Claro que em Minas a goiabada vai estar lá. Até porque a gente está falando das coisas que são feitas de forma artesanal e dos saberes de tradição".

"A medida que a legislação sanitária 'pega no pé' das doceiras, tachos de cobre e jeitos [...], vai substituindo as goiabadas com níveis absurdas de açúcar ou outros conservantes. Aí você tem uma goiabada encontrada em qualquer esquina, mas não é dessa que estamos falando. Estamos falando da doçaria tradicional mineira, do saber relacionado. É a goiabada que é feita de um jeito em uma família e de outro n'outra família", observa Lígia.

"São fatores importantes para um alimento se perder as pessoas deixarem de comer, conhecer, construir vínculo afetivo com a comida, produzir esses alimentos e consumir", complementa. Ela acredita que difundir e potencializar essas questões ajuda a manter esses alimentos e práticas ainda vivos e presentes nos universos em que eles são importantes.

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