Miojo, não! Entenda por que macarrão instantâneo na Liberdade custa R$ 30
Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar
Colaboração para Nossa
26/09/2023 04h00
Que atire o primeiro hashi quem nunca preparou um pacote de macarrão instantâneo num momento de pressa, preguiça ou porque gosta mesmo do alimento, tão prático quanto barato. É justamente pelo custo baixo que uma loja de São Paulo vem dividindo opiniões nas redes sociais — e fora delas.
No Rappa Ramen, focado em comida coreana, uma porção desse tipo chega a custar R$ 34. Mas a razão é bem diferente da opinião de que alegam ser "só um miojo".
Antes de tudo, é preciso lembrar que o ramen é um prato extremamente comum na Coreia do Sul — onde o nome correto é ramyun — e muitos países da Ásia, como Japão, China, Tailândia e Indonésia. Em alguns desses lugares, pode ser comparado com o nosso arroz com feijão de todo santo dia, sendo um recorte gastronômico característico daquela parte do mundo.
Na Coreia, todos comem a toda hora. A cultura do ramyun é muito forte por lá. Em qualquer loja de conveniência tem uma torneirinha com água fervente para preparar o seu próprio ramyun, cita o empresário Eun Taek Lee, 42 anos, que nasceu em Seul, mas mora no Brasil há 36.
A maquiadora brasileira Isabela de Albuquerque, 29, vive há cerca de 2 anos em Gunpo, na província de Gyeonggi, ao sul da capital sul-coreana, e conta que o ramen é oferecido como acompanhamento em restaurantes e servido como opção de café da manhã na instituição em que ela estuda. "E é a que acaba primeiro", afirma.
Não à toa, as lojas exclusivas de ramen têm pipocado por todos os cantos. Há, inclusive, as que funcionam ininterruptamente, no formato self service, ou seja, não há nem atendentes, como essa Ramen Convenience Store, em Seul.
A Good Noodles é apontada como a maior do mundo. Instalada em Bangkok, na Tailândia, oferece quase cem tipos de macarrão instantâneo para quem quiser preparar o seu prato ali mesmo.
Inspiração nas redes sociais
Foi justamente nessas casas que o empresário Sérgio Min Su Lee, 32 anos, se inspirou para abrir o Rappa Ramen, no bairro Liberdade, onde se concentra a comunidade oriental de São Paulo.
Vi esse estilo de negócio em vídeos de criadores de conteúdo em países da Ásia, especialmente na Coreia do Sul, com franquias como a C.U. Stores, em que as pessoas compram, preparam e consomem produtos alimentícios em lojas de conveniência, diz Sergio, que nasceu no Brasil e morou na Coreia por um ano.
A ideia nasceu em 2021, mas a casa abriu em março passado, em um espaço de 60 metros quadrados, no segundo andar da Galeria Imperial. Ali, estão instaladas sete máquinas para o preparo, todas importadas da Coreia. Como característica, têm um filtro acoplado em fogão de indução, com controlador de tempo e volume de água quente. O cozimento demora de 4 a 6 minutos, dependendo do ramen escolhido.
Filas nos fins de semana
São cerca de 30 opções de noodles, praticamente todas importadas da Coreia, além de um ou outro produto nacional. Ali, o cliente seleciona o macarrão que quer comer, escolhe dois dos cinco acompanhamentos disponíveis (kimchi, ovo cozido, queijo, kanikama e salsinha) e pode acrescentar quantos toppings quiser — acelga, cenoura e pepino ralados, broto de feijão e cebolinha.
Os pratos saem por R$ 15 (macarrão nacional), R$ 19,90, R$ 27, R$ 29, R$ 30 e R$ 34, dependendo do produto selecionado. Pode aumentar um pouco, caso o cliente queira acrescentar mais acompanhamentos — R$ 4 cada. Segundo o proprietário, o item nacional foi incluído como opção mais em conta, mas não é tão atrativo, quando comparado aos demais.
Ele aponta que as diferenças entre o produto daqui e os de fora começam com o peso: enquanto as alternativas importadas pesam de 100 gramas a 200 gramas por pacote, os daqui pesam em torno de 80 gramas.
"Os coreanos costumam focar em sabores à base de frutos do mar, algas, shitake e pimenta e os nacionais têm sabor que os brasileiros já conhecem, como frango. O macarrão coreano tende a ter mais do que apenas o pó do caldo. Muitos acompanham sachês de vegetais e/ou proteínas desidratadas e sachês de óleos aromatizados", ilustra Sergio.
Além disso, a casa oferece produtos de mercearia (salgadinhos, biscoitos, sorvetes, bebidas etc.) e pratos à la carte, que não se resumem ao ramen. Vão do tradicional Bibimbap, que é um mix de vegetais, ovo, carne e molho, servido com arroz e kimchi (R$ 39), ao Mandu, porção de 5 guiozas grelhadas, em versão suína ou vegana (R$ 17). Quem quiser pode comer ali mesmo (são seis assentos disponíveis) ou na praça de alimentação do prédio.
Mas o que atrai mesmo a freguesia à loja na Liberdade é a chance de preparar o próprio ramen, seguindo os moldes do que é feito no outro lado do mundo. Nos fins de semana, período de maior movimento, chega a formar fila de clientes. São cerca de 100 pessoas atendidas por dia, com ticket médio de R$ 50 por pessoa.
O perfil da nossa clientela tende a ser de famílias passeando pelo bairro e turistas em busca de experiências inusitadas, comenta o dono.
Experiência distorcida
Quando visitou o Rappa Ramen, o chef confeiteiro Rafael Aoki produziu material para sua conta no TikTok e foi surpreendido com a repercussão.
Não imaginava que o vídeo iria viralizar de forma tão negativa. Minha ideia sempre foi apresentar ao público diversos estabelecimentos de raízes orientais e contar um pouco sobre suas peculiaridades, manifesta.
Em seu perfil, o vídeo contabiliza, atualmente, 56 mil visualizações. Entretanto, foi compartilhado em outras plataformas aleatoriamente, alcançando em torno de 7 milhões de visualizações. Há quem defenda a experiência mostrada por ele, mas muita gente optou por detonar o que seria apenas um "miojo de 30 reais".
"Há uma diferença entre valor e preço. Acho muito delicado você julgar o preço que cada estabelecimento cobra, pois existem diversos custos fixos que englobam o preço final ao cliente. Já o valor se dá a partir da percepção proporcionada pela ida ao estabelecimento", destaca o chef.
Para ele, o valor que pagou no prato — macarrão, ovo cozido e salsichas — e mostrou em vídeo é justificável: como são insumos importados, custam mais que o conhecido macarrão instantâneo brasileiro, em razão das taxas de importação. Rafael Aoki indica a visita a lugares como o Rappa Ramen para admiradores da cultura oriental, que queiram ter a sensação de como é almoçar em uma conveniência tradicional.
Ele garante entender que críticas são bem-vindas, quando ponderadas e construtivas, pois ajudam a aprimorar um empreendimento. "Temos que tomar cuidado com as palavras para se referir ao trabalho de alguém, pois podem ser prejudiciais, com risco de até fechar um estabelecimento", argumenta.
Reação esperada
Sergio Lee, o dono do empreendimento, também não esperava tantos comentários ruins. "Mas não posso dizer que estou surpreso. Sendo sincero, até compreendo a reação, porque era para ser algo de baixo custo e conveniente, mas devemos lembrar que a relação do poder aquisitivo na Coreia do Sul é muito diferente da do cidadão brasileiro", opina.
Para ele, também é preciso incluir na conta custos decorrentes de importação, tributação e operação do estabelecimento. "Assim, não há como comparar valor de mercadoria importada com mercadoria nacional", defende ele, que conta com 7 colaboradores em sua loja.
O empresário coreano Eun Lee, que tem experiência no ramo comercial, igualmente considera coerentes os preços praticados. "Acho justíssimo! Se eu trabalhasse na Liberdade, certamente seria um dos meus pontos de almoço", atesta ele, que é fã das versões mais apimentadas da comida, acompanhadas com ovo, salsichas e kimchi.
A brasileira Isabela de Albuquerque conta que, na Coreia do Sul, um ramen sem acompanhamentos numa loja de conveniência custa em média 1500 wons — cerca de R$ 5. Já nas lojas 'manless', que não possuem funcionários, costumam custar um pouco mais que o dobro. "É de longe uma das refeições mais baratas disponíveis por aqui, mas entendo a diferença de preço no Brasil, por se tratar de um produto importado", finaliza.
Conexão Coreia-Brasil
A maquiadora brasileira Isabela de Albuquerque, de 29 anos, foi morar em Gunpo, na Coreia, há cerca de dois anos. Embora estude em uma faculdade com refeitório, conta que muitos alunos preferem as lojas de conveniência pelo preço baixo e ampla variedade, além da disponibilidade, já que costumam ficar abertas 24 horas diariamente.
Quando você chega na Coreia, é uma delícia! Além de ser prático e barato, também é um mundo muito novo para nós brasileiros que não temos costume de comer miojo. Agora, que já estou aqui faz um tempo, admito que enjoei. Mas é bem legal, vale muito a experiência, garante.
Porém, Isabela confessa não enxergar o macarrão instantâneo como uma opção muito interessante devido à visão abrasileirada do alimento. Já sobre o preço, ela relata custar cerca de cinco reais, convertendo wons em real, mas entende a diferença de custar trinta reais por aqui — a importação.