'Professor Pardal' das churrasqueiras já fez carne em arquivo de escritório

Não havia quem não se espantasse e sacasse o celular para registrar a novidade: na Churrascada deste ano, que aconteceu em agosto, em São Paulo, uma engenhoca de 20 metros de largura por 5 metros de profundidade foi, disparada, a atração mais fotografada e gravada do evento. Costelas assavam dentro de treze conjuntos de discos metálicos, girando em várias direções simultaneamente, num espetáculo de piruetas hipnotizante.

O inventor da churrasqueira, formalmente batizada de Scheeroscópio, é o chef e assador gaúcho Marcos Livi, proprietário do Grupo Bah —são dele os bares Veríssimo e Quintana, a hamburgueria FF Burger e a pizzaria Napoli Centrale, em São Paulo, além do hotel Parador Hampel, em São Francisco de Paula, na Serra Gaúcha, onde acontece o evento de churrasco A Ferro e Fogo.

Inquieto que só, Livi se transformou em uma espécie de 'Professor Pardal' das churrasqueiras. Inventa um novo modelo por ano, cada um mais louco do que o anterior —o pré-lançamento sempre acontece na Churrascada e, a partir do ano seguinte, o equipamento passa a ser usado nos churrascos dominicais do A Ferro e Fogo.

No ano passado, a invenção foi a Gaiola das Loucas —uma estrutura de ferro suspensa, de 3 toneladas, com 30 catracas, 20 gaiolas e 20 cestos de fogo que trabalham de forma independente. "Vi uma luminária em um posto de gasolina e tive a ideia de fazer o fogo flutuar. Foi devastador, os gringos enlouqueceram", conta.

Carne no armário

Antes da gaiola, a sensação foi o carrossel, uma alegoria que lembra brinquedo de parque de diversões, na qual carnes e legumes assam suspensos, pendurados a enormes argolas metálicas por ganchos e cabos de aço. Também teve a temporada dos arquivos —sim, Livi transformou aqueles gaveteiros metálicos típicos de escritório, próprios para pastas suspensas, em eficientes churrasqueiras. Só que deu trabalho.

Testei arquivos por oito meses e perdi a conta de quantos destruí. Queimavam inteiros, desapareciam. Sorte que meus erros, eu cometo sozinho. Marcos Livi, chef e assador

Quando finalmente conseguiu fazer o projeto dar certo, Livi o levou para a cozinha de sua hamburgueria.

Embora as ideias das churrasqueiras nasçam a partir de objetos aleatórios que Livi encontra pelo caminho, a grande inspiração do chef, ele admite, é o argentino Francis Mallmann, considerado um dos maiores assadores do mundo e também dado a invencionices —ele foi o precursor do varal de carnes, que virou moda por aqui.

"Estudei muito o movimento Siete Fuegos, do Mallmann, todas as suas técnicas, e reparei que sempre havia uma preocupação estética muito forte, que elevava a carne a outro patamar."

Parceiros pirados

Para dar forma às ideias, Livi depende de parceiros tão pirados quanto ele. A centelha para a criação do carrossel veio de uma instalação dentro de um shopping center, em São Paulo.

"Chamei o Toninho, serralheiro maluco que me acompanha, e passamos quatro horas lá dentro, pensando em como dar forma àquilo", lembra.

Ficou melhor do que a encomenda —e virou muito mais do que uma churrasqueira, já que o carrossel é capaz de executar múltiplos métodos de cocção.

Estreei na Churrascada, em 2019, preparando 1 tonelada de aves de uma vez só. O equipamento assa, grelha e defuma e consegui atender 800 pessoas em quatro estações, simultaneamente. No carrossel, preparo até pipoca, ovo frito e polenta. Marcos Livi, chef e assador

Nenhum equipamento deu tanto trabalho quanto o Scheeroscópio. Tudo partiu do giroscópio, instrumento criado pelo físico Jean Bernard Léon Foucault, em 1851, para demonstrar a rotação da Terra. Depois de rabiscar a ideia no papel, Livi entregou os esboços a Toninho, que construiu o primeiro protótipo, bem pequeno. Deu para assar um frango desossado e o caminho era promissor.

"Comecei os testes às 17h e terminei às 5h. Identifiquei todos os problemas, acrescentei componentes que faltavam e calculei a altura do fogo", ele conta.

O passo seguinte foi bem mais ousado: Livi levou a proposta a Daniel Scheer, diretor da Scheer Churrasqueiras, em Caxias do Sul (RS), a maior exportadora de churrasqueiras do Brasil, presente em 90 países. Deu match. "Temos o DNA da criação, adoramos criar produtos. Foi meu pai que inventou o sistema rotativo de espetos, muitos anos atrás", conta Scheer.

A equipe de engenharia da Scheer fabricou um protótipo de ferro que, aprovado, virou encomenda oficial. A partir dali, foi uma correria só - coube aos engenheiros elaborarem o design definitivo, escolher os materiais ideais e motorizar a estrutura. "Tivemos 30 dias para projetar e fabricar 13 unidades. Só foi possível porque temos 50 funcionários na linha de produção", diz o empresário.

Versão residencial custará R$ 14 mil

Do ponto de vista do assador, o Scheeroscópio garante assados suculentos, com muito mais umidade, já que os giros constantes fazem com que a gordura derretida pingue sobre a própria carne. Sem falar que o equipamento equivale a uma equipe inteira de marketing - o norte-americano Tuffy Stone, um dos maiores campeões de BBQ da história, postou um vídeo durante a Churrascada que já gerou encomendas à Scheer.

Apareceram interessados na Califórnia, na África do Sul e no Qatar, além de brasileiros dispostos e turbinar as áreas de lazer de suas fazendas e casas de praia. Para quem não tem tanto espaço, a empresa pretende lançar uma versão residencial compacta no começo de 2024. O modelo mais barato, em ferro com pintura epóxi e anéis de aço inoxidável, vai custar cerca de R$ 14 mil, mas a versão toda em inox promete chegar a R$ 30 mil.

O que esperar para o ano que vem?

Livi anuncia que a próxima coleção, a ser lançada em 2024, vai se chamar "Água que move moinhos".

Pois é, churrasqueira movida a água, e ela já tem destino final traçado —depois de percorrer eventos, será instalada no restaurante Gringo, de menu inspirado na cozinha dos imigrantes italianos, que vai ser inaugurado em um moinho restaurado, dentro do terreno do Parador Hampel, em 2025.

"Só não pode ser louca a ponto de ninguém usar. Tento fazer peças úteis", avisa o inventor. É esperar para ver.