Vai um caracol? Molusco (com antena) é petisco típico do verão em Portugal
Durante o verão português, é comum encontrar pessoas terminando o dia —que só escurece perto das 21h— em uma mesa de esplanada (como os portugueses chamam as acomodações que ficam nas calçadas), com uma cervejinha gelada e um pratinho cheio de bolinhas acinzentadas.
O petisco, que costuma estar na maioria das mesas nessa época do ano, são os famosos caracóis. Aqueles muito parecidos aos que habitam os jardins de nossas casas ou das praças das cidades.
A iguaria é consumida principalmente em maio, junho, julho e agosto. Mas, oficialmente, a época dela se estende do fim de abril até setembro. Durante a alta temporada, é comum ver em tascas (espécie de botecos) e restaurantes uma placa peculiar avisando os que esperam ansiosamente por esse período do ano: "Há caracóis".
'Culpa' dos romanos
Os responsáveis pelo molusco terem entrado no cardápio português foram os romanos, que estiveram na península ibérica por volta de 200 a.C.. Eles eram mais comuns em regiões onde o acesso à carne não era tão fácil e em época em que havia escassez de alimentos.
Isso porque os caracóis são ricos em proteínas e pobre em gordura, portanto, têm alto valor nutricional. Tanto que, até hoje, há quem defenda que eles são ótimos alimentos para rebater uma ressaca braba e para nutrir mulheres que estão amamentando, já que seriam fonte de sais minerais, como o ferro.
Não pode comer qualquer caracol
No mundo, há mais de quatro mil espécies de caracóis, mas apenas vinte são comestíveis —por isso, atenção, não coma os que vivem nos parques e jardins. O consumido em Portugal é da espécie Helix aspersa, que tem duas variedades: a Gros Gris, maiores e chamados de caracoleta, e a Petit Gris, que são menores e denominados caracolitos. Esses são os mais comuns nas tascas e restaurantes portugueses.
Para comer o caracol, é preciso alguma destreza e um palitinho de dente. Você mete o palito dentro da casca e puxa o bicho. Ele sai com facilidade. Depois, é só colocar para dentro da boca, entre uma golada e outra de cerveja.
A textura é semelhante à de cogumelos e o gosto é o do molho. Um pão acompanha, para ser molhado no caldinho de tempero.
O chef José Avillez, um dos mais conhecidos da gastronomia portuguesa, gosta muito do molusco. "Apesar de já não o comer tanto". Ele já serviu em seu restaurante Belcanto, que tem duas estrelas Michelin, um arroz feito no caldo de cozimento de caracóis e a carne do molusco já sem a casca. Mas, de acordo com ele, a sociedade portuguesa se divide em duas.
Há pessoas que adoram caracóis e há as que detestam. E quem detesta não consegue sequer perceber por que é que há pessoas que adoram comê-los Chef José Avillez
Textura e antenas não agradam alguns
De fato, o petisco gera polêmica e divide opiniões apaixonadas. Não há um consenso. "Detesto a textura, detesto ter que puxá-lo fazendo aquele barulho e detesto ver que o caracol tem antenas. O molho é bom, mas é muito parecido com o das amêijoas (espécie de mexilhão), daí prefiro elas", comenta Isabel Renault, 35 anos, analista de risco.
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Quero receber"É uma fronteira quase geográfica em Portugal", comenta o técnico de eletrotécnica Marco Frade, 44 anos, que já foi um apreciador da iguaria. Ele conta que deixou de consumir os caracóis após uma má experiência. "Os que comi não estavam bem-feitos, passei mal e fiquei com repulsa".
O petisco é mais consumido em regiões como Lisboa, Vale do Tejo, Alentejo e Algarve —onde há mais influências mediterrâneas. "No norte, eles já não olham da mesma forma para os caracóis", diz o português.
Eu gosto muito, mas já odiei também. Achei que eram todos, mas descobri que o lugar e o jeito que eles faziam. Natália Pinho, empresária brasileira que mora em Portugal
Cada um ao seu modo
Assim como o escargot francês, o que faz um caracol ser apetitoso ou não é o modo de preparo e o tempero usado. Os caracóis à portuguesa são cozidos em uma água com azeite, dentes de alho, cebola, folha de louro e um ramo de orégano. Esse caldo leva, ainda, sal e pimenta. Eles são fervidos por duas horas e ficam repousados no caldo até o momento de serem servidos em um prato de alumínio.
Por mais que pareça simples, cada lugar tem as suas proporções e costumes, o que interfere no sabor e na textura da carne do caracol. Assim, é comum que cada português tenha a sua tasca ou esplanada favorita, onde ele garante que não há caracóis melhores do que aqueles.
E aí, vai um pratinho de caracóis com cerveja?
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