Inovação e técnicas ancestrais tornam vinho alentejano uma ótima pedida
Sergio Crusco
Colaboração para Nossa
02/10/2023 04h00
Na busca por vinhos tintos intensos, tânicos e volumosos na boca, é bem provável que você já tenha levado para casa algum rótulo do Alentejo. Por ser quente e árida - e produzir uvas bem maduras -, essa região no centro-sul de Portugal é famosa por seus vinhos potentes, que vão ao encontro do gosto brasileiro. O preço também ajuda: é fácil encontrar opções alentejanas de qualidade que não causem um rombo nas finanças.
"De certa forma, muitos vinhos alentejanos têm similaridades de paladar com os sul-americanos que o Brasil gosta de beber, como o Malbec argentino e o Carbernet Sauvignon chileno. São encorpados, frutados e maduros. O Alentejo é uma das nossas principais portas de entrada para o consumo de vinhos europeus", diz a sommelière Keli Bergamo.
Mas nem tudo é potência no Alentejo. Jovens produtores têm feito vinhos mais leves, com menos extração de fruta e menor, ou nenhum, uso de madeira, além de brancos sutis e surpreendentes. A procura por vinhos frescos e elegantes é uma tendência global e a geração alentejana moderna tem tirado bom partido desse movimento.
Inovação e técnicas ancestrais
Pesquisa, investimento, marketing, inovação e até a volta a técnicas ancestrais de vinificação, representada pelos vinhos de talha, deixaram para trás a ideia de que o Alentejo só produz volume. Antes preterido em relação a regiões portuguesas consideradas mais nobres, como Douro e Dão, hoje o Alentejo fala de igual para igual com as regiões mais famosas.
São muitos os Alentejos e quem quiser conhecê-los melhor deve mapear a região, que é ampla e conecta bebedores, pois oferece perfis bem diversos de vinho.
Keli Bergamo, sommelière
O perfil alentejano clássico
Quem gosta de tintos robustos tem tudo para se esbaldar com os rótulos alentejanos tradicionais, gastando pouco ou dando um show de ostentação. Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Castelão, Trincadeira e Aragonez (na Espanha, Tempranillo) são algumas das castas de uva responsáveis por essa potência. As francesas Syrah e Cabernet Sauvignon também são comuns nos blends de lá.
A Herdade do Esporão é responsável por alguns rótulos populares bem conhecidos e curtidos pelos brasileiros, como Monte Velho e Pé Tinto. Adega Cartuxa tem, em sua linha de entrada, o EA, também de preço acessível. Ravasqueira Superior Tinto é outra boa aposta de custo-benefício. São exemplos do Alentejo clássico no modo econômico.
Categoria luxo
Entrando na categoria luxo, a Herdade do Mouchão, fundada no século 19, produz um dos vinhos mais simbólicos do Alentejo, que leva o nome da adega, elaborado com as uvas Alicante Bouschet e Trincadeira. A Alicante, cruza das francesas Grenache e Petit Bouschet, deu-se tão bem no Alentejo que hoje é reconhecida como casta portuguesa. Prová-la na versão Mouchão é um elogio aos sentidos.
Quinta Dona Maria produz vinhos saborosos, gulosos e luxuosos, misturando castas portuguesas e internacionais. O rótulo Julio B. Bastos, 100% Alicante Bouschet, topo de linha da vinícola, sedoso e de taninos finos, é outro belo representante do luxo alentejano.
E tem o sonho de consumo. Pêra-Manca, de Aragonez e Trincadeira, da Adega Cartuxa, é um vinho muito celebrado pelos brasileiros e cujo preço está acima dos 3,5 mil reais. Pode ultrapassar os 4 mil, dependendo da safra. Seu poder de guarda é estimado em mais de 20 anos.
Os grandes clássicos alentejanos são uma oportunidade para quem tem dinheiro e paciência para guardar vinhos, entendendo e apreciando sua evolução com o tempo.
Keli Bergamo, sommelière
O leve Alentejo moderno
Pessoas mais jovens e bebedores antenados têm buscado leveza na taça e, no Alentejo, também encontram bons motivos para brindar. O trabalho de vinícolas como Herdade do Rocim, Fitapreta e Aldeia de Cima, só para citar algumas, trazem frescor e inovação, embora resgatem, no passado, respostas para sua sede de modernidade.
A mesma Alicante Bouschet, que origina vinhos no estilo pancadão, pode entregar bebidas leves e etéreas. O rótulo Indígena, da Herdade do Rocim, elaborado pelo enólogo Pedro Ribeiro, é descrito por Keli como "uma sinfonia de leveza e delicadeza". E agrada a quem busca opções orgânicas e de vinificação natural, uma vez que é fermentado com leveduras indígenas (presentes na própria fruta e no ambiente) e não com fermentos industriais.
António Maçanita, da vinícola Fitapreta, é outro enfant terrible do Alentejo, resgatando técnicas ancestrais, recuperando castas em perigo de extinção e trabalhando com o conceito de mínima intervenção (quanto menos se "maquia" o vinho, melhor). É também adepto da fermentação por gravidade, técnica que extrai o suco das uvas pelo peso de umas sobre as outras. Sem tanto "amasso", o resultado, naruralmente, são vinhos mais leves e menos extraídos.
No Brasil, um bom exemplar de Maçanita por preço camarada é o Fitapreta Tinto, que privilegia as pratas da casa: Arangonez, Alicante Bouschet, Trincadeira e Castelão. Quem gosta do estilo pop empregado na tradição deve provar os rótulos da Aldeia de Cima. Seu Herdade Aldeia de Cima Reserva Tinto é um mix de técnicas enológicas: passa por carvalho, ânforas de barro e depósitos de cimento. Um vinho encorpado e cheio de especiarias no nariz e no paladar.
Os brancos do pedaço
Uvas de nomes divertidos como Roupeiro, Rabo de Ovela, Perrum, Arinto e Antão Vaz reinam no Alentejo e originam vinhos bastante frescos, muitas vezes com acidez que faz salivar - o que tem tudo a ver com nosso clima e com nossa comida.
Há muitos brancos do Alentejo equilibrados, frescos e fáceis de beber, fora do caráter comunzão que muita gente conhece.
Keli Bergamo, sommelière
Tapada do Chaves Branco é um exemplo de garbo, feito com várias dessas uvas pouco conhecidas. Tem mineralidade, aromas florais, frescor e bom volume na boca. Perfeito para acompanhar peixes gordurosos ou carne de porco. Ponte Branco, do Mouchão, com a uva Verdelho, mostra o talento da adega tradicional na elaboração de brancos.
Tapada de Coelheiros Branco, de Arinto e Roupeiro, é mais uma escolha acertada para quem busca novas emoções. Esporão Reserva Branco, de Roupeiro, Antão Vaz e Arinto, passa por barrica, o que garante certa untuosidade, mas mantém a acidez e a refrescância vibrantes que o Alentejo pode entregar.
O tal vinho de talha
Ainda sobre brancos, quem é fã do estilo pode fazer um upgrade para os vinhos de talha, segmento de nicho que tem crescido e ganhado admiradores no mundo. A técnica de fementar e descansar o vinho em grandes vasos de barros (alguns com capaicidade de 2 mil litros) foi implementada pelos romanos na região há mais de dois séculos.
O modo ancestral consiste em macerar as uvas levemente (em muitos casos, com os pés) e colocá-los com as cascas nas talhas, onde as frutas fermentam e o vinho descansa algum tempo depois desse processo. Tradicionalmente, os vinhos são retirados das ânforas e provados no Dia de São Martinho, 11 de novembro.
Os brancos de maceração têm resultado mais supreendente, pois o estilo (semelhante ao dos vinhos laranja) ainda não se popularizou. O contato com as cascas traz mais corpo, leva taninos à bebida e origina uma cor âmbar ou dourada, sem que o frescor desapareça. Um plus de mineralidade é obtido pelo contato com o barro. Ou, caso o produtor tenha o hábito de revestir as talhas com cera de abelha e resina de pinheiro, o vinho pode trazer notas defumadas. São, de fato, diferentões.
Há tintos feitos pela mesma técnica, que, por geralmente lançar mão de leveduras selvagens, coincidem com os princípios "modernos" de vinificação natural. O modo ancestral das talhas nunca foi esquecido na região, embora vinícolas comerciais tenham deixado de empregá-lo na metade do século 20. Seguia, porém, sendo feito em casas ou tabernas populares.
Os jovens e revolucionários vinhateiros reavivaram a talha, com destaque para as vinícolas Herdade do Rocim e Fitapreta, precursoras do movimento. E José de Sousa, que tem a maior coleçao de talhas centenárias do Alentejo - mais de 100 e em atividade. O sucesso dos vinhos de talha em concursos internacionais, cartas de restaurantes e boas pontuações em publicações especializadas levou mais produtores a adotarem a técnica e lançar seus rótulos de ânfora no mercado.
O que provar
Tintos
Pé Tinto (Castelão, Moreto, Trincadeira) - R$ 36,90 na Sonoma.
EA Cartuxa Tinto (Aragonez, Tricadeira, Alicante Bouschet, Syrah, Castelão) - R$ 57,44 na Casa da Bebida.
Monte Velho Esporão (Aragonez, Syrah, Touriga Nacional, Trincadeira) - R$ 69,90 na Sonoma.
Ravasqueira Superior Tinto (Aragonez, Alicante Bouschet, Syrah, Touriga Nacional) - R$ 74,89 na Sonoma.
António Maçanita Fitapreta Tinto 2019 (Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet, Castelão) - R$ 129,90 na Evino.
Rocim indígena Orgânico (Alicante Bouschet) - R$ 224 na World Wine.
Aldeia de Cima Reserva Tinto 2019 (Trincadeira, Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonez) - R$ 328 na World Wine.
Mouchão Tinto 2015 (Alicante Bouschet e Trincadeira) - R$ 429,61 na Casa da Bebida.
Julio B. Bastos (Alicante Bouschet) - R$ 1.499,90 na Banca do Ramon.
Pêra-Manca Tinto (Trincadeira, Aragonez) - R$ 3.799,90 na Amazon.
Brancos
Esporão Reserva Branco (Roupeiro, Antão Vaz, Arinto) - R$ 193,07 na Sonoma.
Tapada do Chaves Branco (Arinto, Antão Vaz, Assario, Tamarez, Roupeiro) - R$ 278,91 na Super Adega.
Ponte Branco Mouchão (Verdelho) - R$ 299 na The Blend Wines.
Tapada de Coelheiros Branco 2018 (Roupeiro, Arinto) - R$ 530,07 na Mistral.
Vinhos de talha
Rocim Fresh From Amphora Tinto (Moreto, Tinta Grossa, Trincadeira) - R$ 298 na World Wine.
Fitapreta Branco de Talha (Roupeiro, Antão Vaz) - R$ 399,90 na Evino.
Esporão Talha Branco (Roupeiro) - R$ 439,52 na Wine Trader.
José de Sousa Puro Talha Tinto (Grand Noir, Trincadeira, Aragonez, Moreto) - R$ 874,71 na Decanter.