Por que o azeite extravirgem é caro? Produção complexa e 'fakes' explicam
Glau Gasparetto
Colaboração para Nossa
03/10/2023 04h00
Que o azeite é um alimento saudável, pouca gente discorda. Entretanto, se sobram certezas sobre os benefícios, falta conhecimento sobre as peculiaridades do produto. A dúvida mais recorrente envolve as definições de azeite virgem e extravirgem. Afinal, quais as diferenças entre eles? Mais que isso, por que a versão "extra" custa (bem) mais?
"Dentre todos os azeites, o extravirgem é o que deve ser elaborado apenas com frutos saudáveis, algo que exige boas práticas de cultivo, cuidados na colheita, uma seleção rigorosa das azeitonas e um processo rápido e muito bem monitorado de extração do óleo", resume Ricardo Castanho, sommelier de azeites e instrutor da Associação Brasileira de Sommeliers - São Paulo.
Diante disso, é de se esperar que o custo de produção seja maior. O valor pode ser influenciado, ainda, por fatores variados. Ricardo observa que muitos deles estão ligados às características da oliveira, uma árvore que pode levar de 4 a 10 anos para dar os primeiros frutos e só atinge o auge da produção depois de duas ou três décadas.
Junte-se a isso uma única colheita anual cara, a necessidade de um processamento que exige rapidez e alta tecnologia, e um resultado médio de um litro de azeite para cada 8 a 10 quilos de azeitona colhidos. Dá para entender por que azeites extravirgens, sobretudo os de alta qualidade, não podem custar pouco. É uma conta que não fecha e um alerta perigoso sobre possibilidade de adulteração, de fraude, pontua.
Diferenciais do extravirgem
A produção de um extravirgem notável garante dois grandes diferenciais que o extravirgem tem em relação às outras categorias.
O primeiro é a quantidade maior de compostos que fazem bem à saúde, como substâncias antioxidantes e anti-inflamatórias. "O segundo é a qualidade sensorial complexa e muito superior para quem usa o azeite cru, melhorando sua experiência gastronômica à mesa", acrescenta Ricardo.
Só que nem todas as características são evidentes. De acordo com o especialista, a diferença entre os azeites extravirgens autênticos e os misturados com outro óleo (como o óleo composto, majoritariamente feito com óleo de soja) ou que usam azeite refinado na composição (caso dos óleos que aqui são vendidos como "tipo único") é mais fácil de perceber.
Já as divergências entre azeites vendidos como extravirgens e azeites virgens bem-feitos são mais complicadas de se notar, apesar de as características sensoriais de um e outro serem bastante diferentes.
"Os verdadeiros extravirgens te transportam para aromas de campo, horta, pomar, enquanto os virgens trazem defeitos sensoriais com referências menos agradáveis no nariz, como bolor, mofo, água de azeitona, vinagre, óleo cozido e o famoso ranço, que lembra nozes velhas ou giz de cera", detalha Ricardo.
Por que, então, é difícil notar diferenças tão evidentes?
Historicamente, estamos tão acostumados com o aroma defeituoso e a falta de picância e amargor de azeites extravirgens - que deveriam ser vendidos como virgens -, que não conseguimos perceber essas nuances, observa.
Mesma classificação, preços diferentes
Diante da gôndola, não é raro o consumidor se deparar com vários azeites extravirgem e uma diferença expressiva de preço. Isso ocorre porque, na verdade, a faixa mais barata de azeites vendidos como extravirgens, na verdade, não o são.
"Podem ser extravirgens em critérios físicos e químicos, exigidos pela categoria mais nobre de azeites, mas, do ponto de vista sensorial, são virgens ou até inferiores a essa categoria. Isso porque eles têm defeitos aromáticos e gustativos que, pela atual legislação brasileira, deveriam rebaixá-los de categoria", esclarece Ricardo.
Os parâmetros avaliados pelas análises laboratoriais, divulgados nos rótulos de cada produto, são adequados ao que as leis locais prevêem. Entretanto, a fiscalização sensorial ainda está engatinhando no Brasil e não fornece essa diretriz para o consumidor.
O resultado é um mercado injusto com quem produz azeite com alta qualidade. Para o consumidor médio, que desconhece esses aspectos, não existe razão lógica em pagar bem mais por um produto se, nas etiquetas de venda, um azeite de R$ 30 e um de R$ 80 são exatamente iguais, admite.
Brecha na legislação
O que quase ninguém sabe é que a classificação de extravirgem é falha no país. Um azeite classificado como extravirgem representa a classe mais nobre, ou seja, a melhor qualidade possível retirada de uma planta. Para entrar nesse grupo, mundo afora, um azeite deve atender a dois quesitos:
- Análise físico-química, que faz a classificação em relação à acidez, informação apresentada no rótulo de todo produto. É um aspecto detectado apenas via processo laboratorial, visto que a acidez é muito baixa, pouco sensível à boca.
- Análise sensorial, feita por um grupo de pessoas capacitadas, que avaliam eventuais "defeitos" que o azeite pode apresentar, seja oxidativo ou de fermentação - mofo, ranço, de borra, avinagrado, metálico, por exemplo. Nenhum deles pode aparecer no azeite, já que afetam sua qualidade.
"Apesar das discussões que têm sido levantadas sobre o assunto, o Ministério da Agricultura e a Anvisa exigem apenas a análise físico-química para a classificação. Pode ser o pior azeite sensorial, mas vai passar como extravirgem aqui no Brasil, porque a regulamentação prevê apenas esse quesito", explica Emanuel de Costa, engenheiro agrônomo e mestre de lagar Azeite Sabiá, uma das duas marcas brasileiras que receberam a maior nota na 14ª edição do Flos Olei 2024.
Assim, de acordo com o especialista, é de se esperar que produto importado que chega ao consumidor brasileiro não é o melhor.
Os produtores encaminham (os azeites com classificação menor) para mercados de quem não entende do produto. O azeite que vem para cá costuma ser de safras passadas, passa por um processo de importação com grandes quantidades de transformação, sem parâmetros de qualidade e controle, inclusive de temperatura. São azeites velhos, argumenta Emanuel.
Ele frisa que a maior parte do azeite bom não sai da Europa. "O que entregam aqui é um produto que o consumidor é apto a consumir porque é da sua cultura", diz o engenheiro, reforçando o argumento do sommelier Ricardo.
O consumo do brasileiro é inferior a 0,5 litro de azeite por ano, enquanto gregos e italianos, por exemplo, consomem de 15 a 20 litros anualmente. "Temos muito que aprender sobre azeite de alta qualiade", opina.
Como escolher o melhor extravirgem
O frescor é o grande diferencial de um azeite. Por isso, o consumidor deve se atentar à safra e à data de envase na hora da compra.
Os azeites evoluem na garrafa e vão perdendo intensidade e qualidade sensorial mesmo antes de serem abertos. Por isso, quanto mais rápido for consumido, melhor, explica Ricardo.
Ele ressalta que os azeites são produtos sensíveis e não viajam muito bem - sobretudo quando atravessam o oceano em longas e, muitas vezes, quentes viagens marítimas). Por isso, os azeites nacionais saem na frente no quesito qualidade.
Ricardo e Emanuel listam dicas que devem ser observadas diante da gôndola de azeites, no supermercado:
- Quanto mais jovem for o produto, maior a chance de ele ser de qualidade.
- Quanto mais recente o envase, melhor. O mais indicado é consumir as opções produzidas no mesmo ano.
- Ser preferencialmente de indústrias que tenham plantações dentro do território nacional, pois significa que viajou menos até chegar ao consumidor.
- Embora existam azeites importados de alta qualidade aqui, os extravirgens brasileiros têm a vantagem de percorrerem menores distâncias e chegarem mais frescos ao mercado nacional.
- "Prove com atenção o azeite que você comprar, sem usar o pão pra isso. A melhor forma de avaliar esse produto é usar o nariz e a boca", finaliza o sommelier Ricardo.