Não é só Estocolmo! Paris, Veneza e outras cidades dão nome a síndromes

A lista de doenças infecciosas com nomes ligados a lugares ao redor do planeta não é pequena. Zika é uma floresta em Uganda, Ebola é um rio na República Democrática do Congo. Sem contar a febre do Nilo, a gripe espanhola...

Na psicologia também existem síndromes batizadas em referência a lugares. A mais famosa delas é a síndrome de Estocolmo, aquela em que a vítima cria algum vínculo de lealdade ou empatia com o perpetrador.

Há outras síndromes relacionadas a reféns. A de Lima é a oposta à da de Estocolmo (o perpetrador se afeiçoa à vítima). Na de Londres, a vítima provoca deliberadamente o perpetrador, causando a própria morte. Ambas são bem mais raras que a de Estocolmo.

A Síndrome de Lima (capita do Peru) é a oposta à da de Estocolmo
A Síndrome de Lima (capita do Peru) é a oposta à da de Estocolmo Imagem: John Coletti/Getty Images

Síndromes turísticas

Além das síndromes ligando cidades a raptos e sequestros, existem as turísticas, que acometem visitantes durante a viagem. Segundo Ernest Lawrence Abel, professor da Universidade Estadual Wayne, nos Estados Unidos, em um artigo na publicação científica "Names" (dedicada ao estudo da onomástica, o campo da linguística que trata de nomes próprios), existem síndromes psicológicas relacionadas ao turismo em cidades específicas. Veja quais são:

Síndrome de Jerusalém

Síndrome de Jerusalém acomete pessoas que passam a ter ilusões bíblicas
Síndrome de Jerusalém acomete pessoas que passam a ter ilusões bíblicas Imagem: Getty Images/iStockphoto

Sagrada para as três principais religiões monoteístas do mundo, Jerusalém é capaz de mexer até com os ateus mais ferrenhos. A síndrome batizada com seu nome acomete homens e mulheres que, ao chegar à cidade, passam a ter ilusões bíblicas, a agir como se fossem profetas apocalípticos ou a alegar encontros com figuras famosas das escrituras.

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Pode até parecer piada, mas é um fenômeno real, descrito pela primeira vez nos anos 1930 pelo psiquiatra israelense Heinz Herman. Na década de 1970, mais casos começaram a ser investigados e, no começo deste século, o "British Journal of Psychiatry" formalizou a definição da síndrome em um artigo a respeito.

Segundo uma reportagem do jornal "The Jerusalem Post", "é impossível viver em Jerusalém e não encontrar pessoas assim. Todo mundo tem uma história". Pode ser uma turista inundando a banheira do seu quarto de hotel, alegando ser Maria no rio Jordão, ou simplesmente alguém abordar você em um café dizendo que o Messias está voltando.

Jardim de Getsêmani, em Jerusalém, Israel
Jardim de Getsêmani, em Jerusalém, Israel Imagem: Getty Images/iStockphoto

Às vezes, há episódios que geram crises internacionais ou ondas de violência. Em 1969, o australiano Denis Rohan dizia que Deus o incumbiu da missão de construir o terceiro templo de Jerusalém. Desde que os romanos destruíram o segundo templo (o primeiro, o de Salomão, viera abaixo pelas mãos dos babilônios), essa hipotética reconstrução é um tema caro no judaísmo.

Para cumprir a missão, Rohan ateou fogo à mesquita de al-Aqsa, localizada na colina da Cidade Velha de Jerusalém, que os muçulmanos conhecem como Nobre Santuário, e os judeus como Monte do Templo. O fogo foi controlado, mas o atentado disparou uma crise diplomática em todo o mundo islâmico. Rohan acabou diagnosticado com a síndrome e foi internado.

Turistas em outros lugares sagrados, como Meca, Vaticano, Lourdes ou Fátima, também estão sujeitos à síndrome, mas não há dados comparáveis a Jerusalém. Cerca de cem pessoas são afetadas por ano, e 40 chegam a ir para o hospital. Os sintomas, em geral, somem algumas semanas após a pessoa sair de Israel.

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Síndrome de Florença

Ponte Vecchio, em Florença
Ponte Vecchio, em Florença Imagem: Medvedkov/Getty Images/iStockphoto

É uma reação provocada pela antecipação e pela vivência da riqueza cultural de Florença. Coração palpitante, tontura, desmaio e alucinações estão entre os sintomas da síndrome, que pode ser grave: dois terços dos atingidos desenvolvem psicoses paranoicas, segundo a Biblioteca Nacional de Medicina, dos Estados Unidos.

Em 1817, o escritor francês Stendhal foi o primeiro a registrar que o peso cultural e artístico de Florença, a capital do Renascimento italiano, é capaz de deixar alguém psicologicamente aturdido. Por isso, o fenômeno também é chamado de síndrome de Stendhal.

A psiquiatra florentina Graziella Magherini começou a analisar a síndrome clinicamente nos anos 1980. Entre 1977 e 1986, ela registrou 106 casos de turistas com os sintomas. Muitos saíam dos museus e galerias de arte direto para o hospital. A maioria tinha algum histórico psiquiátrico e tinha se preparado um bocado para a viagem, lido e se informado obstinadamente.

O tratamento recomendado é descanso. Quase todos os afetados podem ir para casa alguns dias depois.

Entornos da Torre Eiffel, em Paris
Entornos da Torre Eiffel, em Paris Imagem: Givaga/Getty Images/iStockphoto

Síndrome de Paris

Ela é bastante específica: acomete turistas japoneses que viajam pela primeira vez à Cidade Luz. Todos os anos, cerca de 12 visitantes nipônicos, na casa dos 30 anos, sofrem da síndrome. Desiludidos, eles manifestam sintomas como ansiedade e alucinações, como acreditar que o quarto do hotel está grampeado ou que fazem parte da corte de Luís 14.

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Isso acontece porque a imagem que tinham na cabeça era muito diferente da realidade da capital francesa. A visão romanceada de Paris, difundida há muitas décadas em livros, filmes e propagandas, é bastante conhecida: aquela cidade apaixonante, reluzente, amigável, iluminada e romântica. Ela pode ser isso tudo, mas é também uma metrópole pulsante, barulhenta, caótica e poluída.

Acredita-se que os japoneses sejam mais propensos à síndrome por causa da informalidade e da bagunça nas ruas parisienses (pelo menos para os padrões japoneses), contrastada pela imagem idealizada que muitos têm da cidade. O choque ganha uma turbinada provocada pelos idiomas, que eles não dominam (além do francês, todas as línguas de imigrantes) e pela longa viagem: o voo direto de Tóquio a Paris leva cerca de 15 horas.

A questão é séria. A embaixada do Japão mantém uma linha 24 horas à disposição de viajantes que manifestam os sintomas para ajudá-los a encontrar auxílio médico. Em geral, basta repouso para a crise passar, mas em alguns casos ela é tão intensa que a única solução é deixar Paris imediatamente.

Grande Canal de Veneza
Grande Canal de Veneza Imagem: mikolajn/Getty Images/iStockphoto

Síndrome de Veneza

Entre 1988 e 1995, 51 estrangeiros tentaram se matar em Veneza - 16 conseguiram. Os 35 sobreviventes disseram a pesquisadores que eles viajaram à cidade italiana especificamente com o objetivo de se suicidar. Para essas pessoas, Veneza é o símbolo da morte, e essa percepção está no centro da síndrome batizada em nome da cidade.

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Coincidentemente ou não, a maioria desses turistas era da Alemanha, país natal do escritor Thomas Mann, autor do clássico "Morte em Veneza", livro sobre um escritor embasbacado e atormentado, entre outras coisas, pelas belezas de Veneza. Ou seja, ele sofreria da síndrome de Florença - uma ironia geográfica italiana.

As formas mais comuns de tentativa de suicídio são overdose de drogas, entre mulheres. Já entre os homens, variam entre se atirar de janelas de hotéis, pular de pontes ou se afogar na lagoa onde fica a cidade. Segundo especialistas, a associação de Veneza à decadência é um símbolo recorrente no imaginário coletivo de pessoas românticas. Em casos extremos, isso pode levar à síndrome.

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