Novas marcas e coleções nacionais: fast fashion gringo quer ganhar o Brasil
Com discussões e iniciativas por um consumo mais consciente cada vez mais no radar dos consumidores, além de anos de crise econômica devido à pandemia, as fast fashion —marcas de "moda rápida"— lutam para não perder seu espaço no mercado. No Brasil, especialmente, lojas 'gringas' como a Shein e a Zara já adotam novas estratégias para ganhar o gosto do freguês.
Não quer dizer, contudo, que este tipo de produto venha sendo deixado de lado. Popularizadas na década de 1990, as fast fashion têm um grande atrativo: preços mais baixos. Mas enquanto mão de obra e matérias-primas baratas levantam preocupações em relação a condições dignas de trabalho e à sustentabilidade, existe um outro efeito colateral — tendências criadas (e abandonadas) de forma desenfreada.
Barbiemania
Graças ao filme "Barbie", com Margot Robbie e Ryan Gosling, o Barbiecore — tendência inspirada no universo da boneca — explodiu nas prateleiras em julho. Peças de roupa, acessórios e produtos de beleza foram criados de forma desgovernada para atender ao (possível) desejo do consumidor. Três meses depois, o efeito já não é visto com tanta frequência nas ruas: tendências como esta têm vida mais curta que as próprias peças.
"A medida que a massificação vai ocorrendo, as camadas mais altas da sociedade, que detém o maior poder aquisitivo, e também os ícones fashion, vão sentindo um certo desconforto visual ao usar essa linguagem de vestimenta e consequentemente acabam fugindo e optando por outros caminhos para se vestir", acredita a estilista Camila Damin.
Mas enquanto lançadores de tendências procuram estes novos caminhos, as próprias fast fashion se alimentam da "sede por novidades" de quem os acompanha. Segundo um relatório da Business Research, o mercado global de fast fashion crescerá de US$ 106,42 bilhões em 2022 para US$ 122,98 bilhões até o final de 2023.
Ostentação online
Não à toa, uma das principais apostas de Shein e Zara atualmente é a parceria com influenciadores — além de incentivos para conteúdos orgânicos — nas redes sociais. No TikTok, vídeos de unboxing (a abertura de caixas com pedidos de peças) inspira outros usuários e compradores. Alguns desses posts, mostram as peças no corpo e exibem o código para localizar a roupa no site, funcionando quase como um canal de televendas.
@ingridmilena_ Respondendo a @bruna_csz Qual foi sua peça favorita? Agora é montar vários looks lindos pra gravar #shein #sheinbrasil #comprinhasshein #shortshein #calcashein #calcazara #regatashein #croppedshein #vestidoshein #camisashein #provadorshein ? Aesthetic - Tollan Kim
Para a estilista Camila Damin, as fast fashion têm um aspecto positivo: popularizaram o acesso à informação de moda. "Acredito que essa forma de consumo tenha proporcionado mais acessibilidade para várias camadas da sociedade. As pessoas são movidas por novidades, partindo deste princípio, elas se identificam com produtos novos com um custo relativamente baixo comparado a outros canais de venda e isso faz com que a moda se dissemine com mais rapidez."
Na mira do governo
De olho no potencial de arrecadação —e nas amplas práticas de sonegação — de impostos de lojas internacionais que entregam no Brasil, o Governo Federal impôs regras para compras em sites como Shein e AliExpress este ano, atendendo também a queixas de comerciantes brasileiros sobre uma competição injusta com gigantes de fora.
Em setembro, as primeiras lojas aderiram ao programa Remessa Conforme, do Ministério da Fazenda, que cobra das empresas cadastradas o imposto comercial e libera o consumidor de taxas alfandegárias para as compras de até US$ 50, mas não do ICMS de 17% sobre o pedido. Em contrapartida, o governo irá conceder oportunidades para as marcas, como a facilitação da entrada na mercadoria no país.
Newsletter
MÍDIA E MARKETING
Grandes cases de marketing, entrevistas e notícias sobre mídia e comunicação. Toda sexta.
Quero receberPor isso, é possível que comprar importados nestas marcas fique mais caro. "Como a ideia agora é responsabilizar os marketplaces, é provável que o produto já seja comercializado com o imposto embutido", afirma Alexandre Ripamonti, professor de Finanças da ESPM-SP e especialista em impostos e comércio exterior. De qualquer forma, o profissional destaca que a base de clientes dessas lojas é muito maior do que as das varejistas brasileiras e, por isso, ainda saem em vantagem.
Shein, mas 'made in Brazil'
Justamente para não perder espaço no mercado nacional, a Shein começou a produzir peças em uma fábrica em Macaíba, no Rio Grande do Norte, em parceria com a Coteminas. A empresa chinesa também se comprometeu a fechar parcerias com cerca de dois mil comerciantes brasileiros, o que contribuiria para a geração de ao menos 100 mil empregos.
Foram anunciados ainda investimentos de R$ 750 milhões em fornecimento de tecnologia e treinamento aos fabricantes locais para atualizar modelos tradicionais de produção aos padrões da marca. A expectativa é que, até o final de 2026, cerca de 85% dos produtos vendidos pela plataforma no país sejam de fabricantes brasileiros.
A parceria entre a loja e o governo já rende bons frutos. Recentemente, a empresa lançou sua primeira coleção de 300 peças fabricadas no Brasil com preços entre R$ 17 a R$ 190 — toda a produção nacional pode ser encontrada no site ou no app buscando "She(In) Brasil; Envio Nacional".
"Em pouco tempo atuando no Brasil, a marca já mostrou seu compromisso com os consumidores brasileiros, tendo realizado quatro pop-ups que foram sucesso absoluto e agora um desfile para mostrar essa nova coleção nacional", diz Felipe Feistler, gerente geral da Shein.
Urbanic com presença física
Já a Urbanic, fast fashion de Londres, também resolveu investir pesado no Brasil: vem sendo injetados US$ 20 milhões na operação no país desde julho. É parte da iniciativa da marca fundada em 2019 (e atuante por aqui desde 2021) ações publicitárias no metrô e VLT de São Paulo e Rio, além de lojas pop-up, como a que funcionou no último fim de semana de agosto na Avenida Paulista.
"Após dois anos de presença no mercado brasileiro, a Urbanic está vivenciando um novo momento e crescimento. Visamos conquistar ainda mais o público daqui oferecendo tendências de estilo com peças de qualidade e preços acessíveis", explica a diretora de marketing Maria Vasconcelos. A marca ainda anunciou um projeto de reflorestamento no Brasil, o "Urbanic Oasis", que se compromete a plantar um milhão de árvores em cinco anos.
Zara em expansão
Já enraizada em território nacional, a Zara tem buscado ampliar sua experiência offline para os clientes fieis e conquistar aqueles que não conhecem seu repertório. O principal passo dessa empreitada foi a inauguração da flagship no Shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, em agosto.
"A unidade se torna a referência da nova imagem comercial da Zara, baseada em lojas que apresentam uma extensa gama de propostas de moda, equipada com os recursos tecnológicos mais eficientes para oferecer a melhor experiência ao cliente de maneira sustentável", diz a empresa sobre o espaço de dois mil metros.
Em breve, a marca também irá abrir um novo estabelecimento no Shopping Center Norte e, para os fãs de decoração, acontecerá a reinauguração da Zara Home no Shopping Iguatemi, também em São Paulo, com novo conceito para o Brasil, além de e-commerce e aplicativo próprios.
A chegada de Mango, Cider e H&M
Depois do adeus da Forever21, que encerrou sua operação em lojas física para se concentrar apenas no e-commerce através da Dafiti, outras duas marcas adotaram a mesma estratégia nos últimos meses, mas para dar os primeiros passos no país: Cider, através do próprio site, e Mango, também pela Dafiti.
Já a H&M pretende um salto mais ambicioso: a varejista sueca vai aterrissar no Brasil em 2025 com lojas físicas e operação online.
O impacto da moda instantânea
A indústria da moda está entre as mais poluentes do mundo, depois da indústria do petróleo. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), ela é responsável por 8% dos gases do efeito estufa e por 20% do desperdício de água no mundo.
Para produzir uma simples peça de jeans, por exemplo, são gastos algo como 7.500 litros de água. Além disso, grande parte dessas roupas contém poliéster, um tipo de tecido com resina plástica derivada do petróleo que demora 200 anos para se desintegrar.
By purchasing a $44 Existing Image at 50 cm resolution, we can confirm the giant clothes pile in the desert of Chile exists and is growing. https://t.co/47SssKPdtI pic.twitter.com/RlfUSBWbu9
-- SkyFi (@SkyfiApp) May 10, 2023
A prova é o gigantesco lixão de fast fashion no deserto do Atacama, um verdadeiro cemitério de camisetas, casacos, sapatos, vestidos e até trajes para a neve descartados ali — em quantidade tão impressionante que pode ser vista até do espaço, conforme mostram imagens capturadas pela empresa de monitoramento SkyFi.
*
Acarajé ou akará? Só tem feijoada no Brasil? E quem são os "brasileiros-africanos" do Benin? Pela primeira vez na África, o chef João Diamante mergulha entre passado, presente e futuro da história e do sabor brasileiro. Assista agora "Origens - Um chef brasileiro no Benin":
Deixe seu comentário