Amendoim, mandioca: como Brasil inspira a culinária do outro lado do mundo
Uma lenda típica no norte brasileiro diz que uma mulher indígena engravidou de Tupã, uma entidade tupi-guarani. Quando a criança nasceu, ela recebeu o nome de Mani. Certo dia, no entanto, Mani dormiu e nunca mais acordou. A criança foi enterrada dentro de sua oca. No local nasceu uma flor que tinha uma raiz marcante com a qual a aldeia pode se alimentar de diferentes formas.
A história de Mani é como muitos explicam o surgimento da mandioca. O nome mandioca vem do tupi-guarani "Mani-oca" ou "casa de Mani". Na região norte brasileira, o ingrediente é parte fundamental do cardápio, junto com feijão e milho.
Versátil, a mandioca é usada no preparo de uma infinidade de pratos, inclusive doces. No período escravocrata brasileiro, ela foi um dos alimentos levados pelos portugueses às regiões africanas que eram exploradas. Lá, também passou a fazer parte da culinária de países como Moçambique, Cabo Verde e Benin.
"Existe uma influência [brasileira] bem marcante, determinada pelas trocas culturais que se fundiram à identidade destes povos", explica a chef Aline Chermoula, professora de culinária e que há mais de uma década pesquisa alimentos presentes no Brasil que tiveram colaboração do continente africano.
Para entender mais destas conexões, o chef João Diamante esteve recentemente no Benin, onde provou, entre outros pratos, o akará, aqui no Brasil conhecido como acarajé, e também a "feijoada africana", lá feita pelos agudás, descendentes de traficantes ou de ex-escravizados que saíram do Brasil e foram pro Benin no século 18.
A jornada inédita resultou na série documental de quatro episódios "Origens - Um chef brasileiro no Benin", especial em vídeo produzido por MOV, produtora de vídeos do UOL, em parceria com ECOA, a plataforma por um mundo melhor do UOL, e o Núcleo de Diversidade do UOL. Os quatro episódios da série podem ser acessados pela página de MOV no Canal UOL e pelo canal do UOL no YouTube, em português e francês.
A semente que cruzou o Atlântico
De acordo com estudos históricos, o amendoim teve origem na região da América do Sul, mais especificamente nas áreas que atualmente compreendem a Bolívia, o Brasil e o Paraguai. A planta do amendoim é conhecida cientificamente como Arachis hypogaea, uma leguminosa que produz vagens contendo sementes comestíveis.
Hoje, o amendoim é amplamente cultivado na África, em países como Nigéria, Senegal, Sudão e Malawi, onde é utilizado tanto para alimentação humana quanto para a produção de óleo de amendoim e outros produtos.
Uma das teorias diz que o alimento também chegou no continente levado por escravizados africanos, que podem ter levado consigo sementes de amendoim para se alimentarem durante a travessia do Atlântico.
Por lá, ele se adaptou bem às condições climáticas e de solo do continente e se tornou importante em muitas regiões africanas.
"De maneira geral, os alimentos são cozidos e há uma mistura de ingredientes no mesmo prato. Além disso, existe a presença do pirão na mesa e o uso de condimentos marcantes"
Aline Chermoula, chef
Newsletter
BARES E RESTAURANTES
Toda quinta, receba sugestões de lugares para comer e beber bem em São Paulo e dicas das melhores comidinhas, de cafés a padarias.
Quero receberIntercâmbio culinário
Outra semelhança nas culinárias é a comida substanciosa, que alimenta bem quem consome e é composta por alimentos diversos e coloridos.
Há também, no Brasil e nos países africanos, pratos semelhantes com nomes distintos, por exemplo, a muamba de galinha, que é muito semelhante ao frango com quiabo brasileiro. Porém, o primeiro é feito com azeite de dendê e o último não carrega mais o ingrediente no preparo. Outro item em comum entre as culturas é a banana da terra frita, cozida ou assada.
O abolicionista e pioneiro nos registros antropológicos e na valorização da cultura africana na Bahia, Manuel Querino cita a "bola" presente nas comidas que os africanos reproduziam no Brasil em meados do século 19.
"A bola de amido, feita com milho, mandioca, inhame ou outro tubérculo, é cozida com água. Se dura, pode ser consumida com mel, mas se dissolvida em água, vira uma espécie de 'refrigerante', e se preparada na consistência mole, fica muito semelhante ao que os brasileiros conhecem como angu, que pode ser preparado de milho ou farinha de mandioca", cita Chermoula.
O intercâmbio dos alimentos e comidas foi e voltou. Ao chegarem no Brasil, os africanos também incluíram alimentos importantes na culinária brasileira, presentes em receitas típicas e muito conhecidas, como o azeite de dendê, o inhame, quiabo, café, além do cominho e do arroz vermelho.
*
Acarajé ou akará? Só tem feijoada no Brasil? E quem são os "brasileiros-africanos" do Benin? Pela primeira vez na África, o chef João Diamante mergulha entre passado, presente e futuro da história e do sabor brasileiro. Assista agora "Origens - Um chef brasileiro no Benin":
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.