Pelados em Barcelona: museu abre portas para nudistas e tem lista de espera
Lucila Runnacles
Colaboração para Nossa
31/10/2023 04h00
Não é de hoje que o corpo humano atrai nossa atenção. A história da arte sempre retratou corpos e modelos sem roupa durante séculos, mas agora a novidade mesmo é apreciar obras sem estar vestido. Isso mesmo, até o último sábado (28) visitantes podiam entrar em um museu de Barcelona totalmente pelados. E olha que isso não foi festa, nem pegadinha.
As visitas guiadas foram parte de uma atividade cultural que estava sendo feita na capital catalã no Museu Arqueológico da Catalunha (MAC). Em grupos de 25 peladões podiam ver a exposição fotográfica dos bronzes de Riace, antigas obras gregas que exibem corpos atléticos nus.
"Durante a visita falamos sobre a trajetória do nudismo através da história da arte e como nós vivemos isso hoje em dia em um nível artístico e social", explica Irene Vicente Salas, que é historiadora de arte e a guia do evento.
A inusitada proposta partiu do Clube Catalão de Naturismo e o museu topou. Durante o verão europeu, Edgard Mestre teve a ideia de fazer uma atividade voltada para quem é do clube e também abrir algumas vagas para o público em geral.
Ao estarem todos pelados, algumas pessoas começam a perceber que o normal não é ter um corpo nota 10, como aqueles que estamos acostumados a ver na mídia. O normal é ser diferente, é ter um corpo que não é um modelo estético, acredita Mestre.
Salas também tem uma opinião parecida a respeito do culto ao corpo que existe hoje em dia em quase todas as sociedades. "Estamos acostumados a ver corpos sem roupa em fotos, quadros ou revistas, mas os nossos próprios corpos ainda são um tabu. Ao estarmos sem roupa e vermos outro corpo refletido na nossa frente, quero que esse tipo de ação nos ajude a analisar esse contraste para abrir o debate", explica ela.
Os visitantes chegavam vestidos e entravam no museu em um horário especial, depois que o estabelecimento fecha para o público em geral. Ao chegar, o grupo ia até um local onde todos tiravam a roupa, menos o calçado, e depois disso todo mundo estava pronto para viver essa experiência um tanto quanto diferente na sala ao lado.
Ivan Vera, que é nudista e faz parte do clube, é uma das pessoas que decidiu participar do evento. "Ficar nu em um museu não é algo que se veja todos os dias. Acredito que isso quebra um pouco o costume de praticar nudismo em lugares mais comuns e por isso decidi ir", explica o espanhol.
O público percorria a mostra que exibe em detalhe grandes fotos de corpos atléticos e perfeitos. Nas imagens é possível ver os guerreiros de Riace, duas estátuas gregas do século 5º a.C. Essas estátuas foram encontradas dentro do mar por um mergulhador em 1972. Além de belas, elas são ainda mais importantes porque são um dos poucos exemplares de bronze que restam da arte grega antiga.
A visita guiada dura uma hora e no final o debate é aberto. "Ao consumir imagens de corpos ideais, musculosos e perfeitos, de certa maneira, isso nos faz adoecer porque é muito difícil atingir esse modelo de perfeição. Por isso ações como esta podem ajudar a que essa busca incessante pelo culto ao corpo comece a diminuir e que as pessoas aceitem que todos temos corpos diferentes, que não são perfeitos e que está tudo bem também", deseja Salas.
Ivan conta que para ele a nudez é algo natural e que não se incomoda ou se excita ao ver alguém sem roupa perto dele. "Esse tipo de visitas são superúteis para aproximar a nudez à sociedade e normalizá-la em certos lugares para criar uma reflexão sobre a percepção social da nudez e a sua presença na arte", destaca.
Alta demanda
Na Espanha não é difícil ver mulheres fazendo topless em praias ou em piscinas públicas mas andar sem roupa dentro de um museu tem chamado a atenção até mesmo da imprensa local que repercutiu muito o assunto.
Por conta disso, a demanda para o evento foi muito maior do que o esperado. A ideia deu tão certo que agora tem até lista de espera para as próximas visitas guiadas sem roupa.
Mestre conta que eles tinham vários lugares reservados para quem é do clube naturista, mas que muita gente de fora também quis participar. Por isso, a ideia é fazer mais eventos desse tipo no futuro, mas essas pessoas vão ter que esperar até o frio ir embora.
Em poucas semanas começa o inverno na Espanha e ficar sem roupa dentro de um lugar sem aquecimento não seria nada fácil. Os organizadores vão deixar para fazer mais atividades desse estilo a partir da primavera de 2024.
Em busca de outro público
Hoje em dia alguns museus espanhóis estão mais abertos e trabalham para atrair também outro tipo de público. O Museu Nacional do Prado de Madri ganhou o prêmio Webby, em 2023, pela melhor iniciativa mundial na categoria Arte e Cultura por mostrar um conteúdo diferente no TikTok. A conta do famoso museu nessa rede social tem mais de 500 mil seguidores.
Com essas visitas guiadas sem roupa e outras mostras onde corpos nus ficam na frente de obras estáticas, alguns museus de Barcelona também estão em busca de outro tipo de público.
"Um dos nossos objetivos é romper essa percepção de que os museus são lugares só para intelectuais. Por isso estamos inovando em eventos como esse para atrair pessoas que não estão acostumadas a consumir esse tipo de ócio", explica Mestre.
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