Como fazer cães e gatos viverem em harmonia? Algumas raças se dão melhor?
Lara Castelo
Colaboração para Nossa
02/11/2023 04h02
Há uma ideia geral de que cães e gatos naturalmente não se dão bem. Em parte, isso tem fundamentos, já que ambos têm natureza predadora e territorialista, o que dificulta a aproximação. Mas, com a domesticação, essas características mudaram e hoje é mais comum ver felinos e cachorros convivendo em harmonia.
Para construir uma relação tranquila — e até amistosa — entre os peludos, o primeiro passo é entender a origem dessas desavenças. Além dos instintos de proteção a si mesmos e ao território, cães e gatos têm características distintas que podem complicar ainda mais o contato.
"Cachorros costumam ser mais agitados, brincalhões e propensos a formar grupos. Gatos, por outro lado, são mais exigentes na formação de círculos de convivência, geralmente compostos pelas mães e filhos, enquanto os machos adultos são mais solitários", explica Anne Santos do Amaral, médica-veterinária e professora de clínica de pequenos animais da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
A especialista pontua, também, que felinos têm hábitos de vigília diferentes dos cães, com mais horas de sono durante o dia e instinto de caça à noite, o que pode gerar incompatibilidades.
Enquanto muitos cães dormem à noite, os gatos costumam sair para caçar insetos, por exemplo.Anne Amaral, veterinária
Esses traços, no entanto, foram atenuados pela domesticação. Diferente do que acontecia quando tinham que sobreviver na natureza e competir por alimentos, ao serem adotados por nós, humanos, cães e gatos suavizaram hábitos considerados selvagens, segundo Maria Lúcia Zaidan Dagli, médica-veterinária do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária da USP. "Eles sabem que podem contar com a nossa atenção e cuidados e isso os torna mais confortáveis para viverem pacificamente com outros".
Janela de socialização
Mesmo assim, para que cachorros e gatos tenham uma convivência amigável ainda são necessários cuidados. Segundo especialistas, o tutor com esse objetivo deve se familiarizar com um conceito-chave: o período de socialização.
"Trata-se da época em que eles têm menos medo do desconhecido, brincam com tudo e todos e criam conexões com animais da mesma e de outras espécies rapidamente", esclarece Anne.
De acordo com a professora, se expostos ao contato com outras espécies nesse período de início da vida (dos 19 dias a 12ª semana para cães e da 2ª a 7ª semana para gatos), o convívio com outros animais será mais fácil quando adultos.
Cachorros que, durante a janela de socialização, tiverem contato com gatos e vice-versa terão mais facilidade em se relacionar uns com os outros no futuro. Anne Amaral, veterinária
Outro ponto destacado pela especialista é que parte desse aprendizado é dado pela mãe e, por isso, a exposição a outras espécies deve ser feita com ela por perto. "A separação do filhote do restante da ninhada e da mãe nunca deve ser feita antes das sete semanas de idade, tanto para cães quanto para gatos"
Apresentação por etapas
Nem sempre, porém, os cuidadores conseguem aproveitar a janela de socialização. Nesses casos, ainda é possível introduzir o animal à convivência com outros, mas é necessário passar por um processo lento e que requer cuidados.
Para auxiliar nessa dinâmica, a médica-veterinária presidente da Comissão de Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Kellen Oliveira, listou 4 etapas que devem ser seguidas:
- Inicialmente, os animais devem ser apresentados pelos cheiros. O tutor deve pegar algo com o cheiro do gato e colocar perto do cão e vice-versa.
- Em seguida, é hora da aproximação sem contato visual. Nos momentos de brincadeira e alimentação, o recomendado é aproximar os animais, sem que eles possam se ver, separando-os, por exemplo, por uma porta.
- Introduzir o contato visual. Permita que os animais se vejam, mas em ambientes separados, preferencialmente, por grades.
- Apresentação vigiada: se até agora os pets pareceram confortáveis uns com os outros, é o momento de liberar a convivência direta entre eles. Nesse ponto, é importante que o cuidador ou profissional fique de olho e, ao menor sinal de mudança negativa de comportamento, cancele o processo e o inicie novamente.
Ao adotar duas gatas da raça Maine Coon de quatro meses, Olívia e Pandora, quando seu Pastor de Shetland, Lyon, tinha 3 anos, Maria Dagli usou uma metodologia parecida para apresentar os animais.
"Deixei os dois separados nos primeiros dias, depois permiti que se vissem por uma porta de vidro, o que gerou curiosidade e vontade de se conhecer. Aos poucos, iniciei o contato supervisionado, momento em que dávamos petiscos. Hoje, um ano e meio depois, os três convivem tranquilamente, inclusive, dormem juntos e se alimentam no mesmo ambiente".
Raça faz diferença para o convívio?
No caso dos cachorros, ela explica que o temperamento e, consequentemente, a facilidade em lidar com outros animais, varia de acordo com as experiências no ambiente e características genéticas da própria raça.
Assim, pode-se dizer que raças mais dóceis, como Golden Retriever, Pug, Maltês, Yorkshire, Labrador ou cães sem raça definida (SRD) tendem a conviver melhor com gatos, por exemplo.
Maria Dagli, veterinária
Como não é só esse fator que determina o comportamento, é possível ver cães agindo de forma diferente do que se esperaria da sua raça. "Alguns cães de companhia ou 'de colo' podem ser muito dominantes e ciumentos quanto ao seu tutor, que é visto como um recurso a ser protegido e, portanto, podem se tornar intolerantes à presença de outros animais", exemplifica Amaral.
Em relação aos gatos, segundo a professora, mais do que a raça, o temperamento está ligado à maneira de ser de cada um. "Eles tendem a se encaixar em dois perfis de personalidade: sociável, confiante e fácil de lidar ou tímido, nervoso e desconfiado. Os do primeiro perfil normalmente se adaptam mais facilmente a outros animais".
Independentemente da personalidade e raça dos pets, para Anne Amaral a aproximação entre eles nunca deve ser feita de forma abrupta e demanda atenção dos cuidadores. "É um processo que pode ser estressante para o animal, especialmente para aquele que não está acostumado com interação, por isso demanda planejamento e paciência".
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