Os segredos dos pét-nats, espumantes 'informais' para tomar no piquenique

Quando o vinhateiro Diego Cartier provou alguns espumantes europeus elaborados pelo método ancestral, "baixou um santo". Um deles era de autoria da vinícola francesa Les Capriades, do Vale do Loire, responsável por recolocar o estilo pét-nat no mapa mundial do vinho. Outro era nascido na região italiana do Vêneto, da casa de produtores naturais Costadilà.

O frescor e a originalidade daqueles vinhos borbulhantes fizeram com que Diego voltasse ao Brasil disposto a vinificá-los. Foi o que fez, ao lado do sócio Mikael Eckert, na Vivente Vinhos Vivos, em Colinas, Rio Grande do Sul. As primeiras garrafas de pétillant naturel da dupla foram lançadas em 2018. De lá para cá, a moda pegou e eles não pararam de fazer espumantes à maneira ancestral.

"Pouca gente apostava no estilo na época. Uma das vinícolas que já produzia pét-nats era a Vinhas do Tempo. Lançamos os nossos com certo receio e a reação foi surpreendentemente positiva", conta Diego, que presenciou a popularização desses vinhos turvos, fechados com tampinha de cerveja.

Bebidas descompromissadas

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Pét-nats são espumantes mais jovens, de fermentação única. De maneira geral, são bem refrescantes e menos complexos do que os que passam por longo período de maturação em garrafas ou tanques. Bons de verão, de piquenique e de tarde de sol na piscina, são bebidas descompromissadas, para serem curtidas sem pompa.

"Pét-nats são leves e felizes, combinam com nosso clima. Por serem comuns entre os produtores naturais, a chance de se conhecer mais variedades de uvas por meio deles é maior. Vinhateiros do Brasil usam castas pouco comuns como Peverella, Viognier, Gamay, Chenin Blanc. Também são ótimos para fazer o público perder o preconceito contra uvas de mesa como Isabel, Lorena e Niágara, que rendem pét-nats frescos e deliciosos", diz a sommelière Patricia Brentzel, do projeto Beba Bem em Casa.

Como é feito o pét-nat

Mas, afinal o que são os pét-nats e o que eles têm de diferente dos demais espumantes? Agora é preciso dar uma aulinha.

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Existem dois métodos bastante comuns na produção de vinhos com borbulhas: o tradicional (ou champenoise) e o charmat. (Há outros, tá?, mas não vamos encompridar a história.) Em ambos, o mosto das uvas passa por duas fermentações. Na primeira, as leveduras transformam o açúcar das frutas em álcool e faz-se o vinho propriamente dito (chamado de vinho base).

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Para fermentar outra vez, o produtor adiciona ao líquido mais açúcar e leveduras, que começam a trabalhar tudo de novo, produzindo gás carbônico. Só que dessa vez as borbulhas são presas no tanque (charmat) ou na garrafa (champenoise) e não têm como escapar. São liberadas apenas quando você tira a rolha e serve a primeira taça.

O processo do pét-nat é mais simples. O vinho começa a borbulhar no tanque e é transferido para as garrafas durante a primeira fermentação. Na grande maioria dos casos, são vendidos com a tampinha (tipo de cerveja mesmo) com que o produtor lacrou as garrafas pela primeira e única vez.

Vinhos turvos

Ué? Não tem rolha? Eita, mais aulinha... Os espumantes feitos pelo método tradicional passam por um processo chamado degola (ou dégorgement, se quiser ser mais chique). Após a segunda fermentação, as leveduras mortas, que formam uma borra, são retiradas e o vinho fica "limpinho". Aí é colocada a rolha de cortiça.

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Pét-nats costumam ir para o comércio com borra e tudo. Essa é uma das principais características do estilo, embora alguns produtores optem por degolar. Há quem diga que, se tem degola, não é pét-nat. A briga é boa, mas você não precisa se preocupar com ela, caso não seja um especialista e queira apenas beber um vinhozinho gostoso no fim de tarde.

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O enólogo Alejandro Cardozo sugere a qualidade como baliza. "Com ou sem a presença das borras, os dois têm seu valor. O importante é que o produto seja íntegro, sem defeitos. E os maiores defeitos que um vinho pode ter vêm da falta de experiência do produtor", diz ele, que vinifica um pét-nat com borras para a Sacramentos Vinifer e outro límpido, para a Estrelas do Brasil.

Até aí, também virou moda no Brasil deixar as borras em espumantes que passaram por segunda fermentação. É o estilo sur lie, que várias vinícolas brasileiras começaram a fazer depois do sucesso do Lírica Crua, da Vinícola Hermann, também vendido com tampinha de metal.

Dá um certo bug no cérebro de quem ainda não se acostumou à ideia. Mas fundamental é saber que espumantes com borras têm aparência turva. E que o vinho evolui nesse contato, dentro da garrafa, ganhando outras notas de aroma e sabor.

Mantenha a calma, leveduras mortas não matam. Se você mover a garrafa bem suavemente antes de servir, para cima e para baixo (sem chacoalhão, pelamor), terá uma bebida turva e mais densa na boca. Se deixá-la de pé um tempinho, de preferência num balde com gelo, as borras se acumulam no fundo e você serve um espumante límpido. Questão de escolha.

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Rusticidade e borbulhas nervosas

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Outra diferença é que pét-nats são mais rústicos, como há quem goste de dizer. Um espumante tradicional pode ficar um tempão na cave e o contato com as leveduras mortas faz dele um vinho mais complexo em aromas e sabores, mais cremoso e com maior longevidade. Pét-nats são plá-pluf. Não é recomendável guardá-los por muito tempo. Oxidam mais facilmente.

Também é preciso tomar certo cuidado ao abri-los. Alguns pét-nats nervosos podem querer brincar de Réveillon na praia ou de final de Fórmula 1 e causar molhadeira na mesa e nos convidados. Por isso, é sempre bom abrir a garrafa dentro de um balde - limpo e sem gelo - para poder resgatar a bebida que resolver pular para fora.

Quem produz pét-nats também deve tomar suas precauções, pois é importante medir a densidade de açúcar e a pressão do vinho para decidir a hora de engarrafar. Ou melhor, estes parâmetros é que decidem tudo: quando alcançam o nível necessário, é preciso envasar imediatamente.

Se o produtor envasa depois da hora, corre o risco de acabar com um pét-nat chocho, sem carbonatação. Se envasa antes do momento exato, o risco é de que garrafas explodam na adega ou na cara do freguês. Historiadores do vinho acreditam que acidentes e fermentações descontroladas podem estar na origem do espumante de método ancestral.

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Do século 16 aos anos 1990

A região francesa de Limoux reclama para si a origem dos espumantes ancestrais, no século 16, bem antes de a expressão pét-nat ter sido cunhada. Monges beneditinos notavam que alguns vinhos apresentavam borbulhas quando abertos, numa época em que a humanidade mal entendia o processo de fermentação.

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As leveduras presentes nos vinhos da abadia (e em outros cantos da Europa) entravam em estado de dormência durante o inverno. Despertavam na primavera e, como ainda encontravam açúcar para devorar, reiniciavam os trabalhos. O gás ficava ali preso e - pluft - "assustava" os frades.

O método não foi totalmente abandonado ao longo da história e há registros de que o irmão marista Pacômio elaborava vinhos de fermentação única em Garibaldi, Rio Grande do Sul, na primeira metade do século 20. Na apelação francesa de Burgey-Cedron, a família Renardat Fache produz vinhos pelo método ancestral de 1958 até hoje.

Foi na décade de 1990, porém, que esse jeito antigo de criar borbulhas renasceu com força, por obra de vinhateiros do Vale do Loire. Da mesma forma que os monges de Limoux, o produtor Christian Chaussard, da apelação de Vouvray, supreendeu-se com um vinho espumante que continuou fermentando na garrafa, gostou do que bebeu e resolveu lançá-lo comercialmente. Lançou também a expressão pétillant natural - ou seja, borbulhante natural. Pegou.

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Virou modinha

Na virada dos anos 2000, com o interesse crescente por vinhos naturais, a moda dos pét-nats ganhou cidades que lançam tendências, como Nova York. O método espalhou-se pelo mundo e passou a ser replicado não apenas por adeptos da filosofia natural, mas por vinícolas tradicionais.

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Alejandro Cardozo acredita que o mercado dos pét-nats no Brasil é estável e que ainda se trata de um produto de nicho. "Porém, com mais vinícolas apostando no estilo e maior oferta, é natural que a categoria cresça", diz.

Para o vinhateiro Carlos Sanabria, o público jovem impulsiona os ancestrais. "O pessoal da faixa dos 20 aos 40 anos está mais aberto a explorar produtos diferentes, é um público ávido por novidades", diz ele, que produz pét-nats no Rio Grande do Sul e, ainda em fase experimental, no Vinhedo Lacustre, pequena vinícola urbana de Brasília.

O produtor Pedro Marchioro, da gaúcha Casa Ágora, tem colhido bons resultados com seu pét-nat de Isabel, uva cultivada desde os tempos de seu avô em Pinto Bandeira. "Ele tem a cara do brasileiro. É um vinho sem muito glamour, sem muita etiqueta. Embora poucas pessoas procurem entender o que é um espumante de método ancestral, ele cai no gosto de quem bebe, por seu ataque mais doce, seu frescor e sua acidez", diz.

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O pét-nat de Isabel de Pedro e outros irmãos de fermentação única ganharam seu lugar não só na taça de quem quer algo fresco e leve para o verão ou dos moderninhos bares de vinhos naturais. Templos da gastronomia de luxo em São Paulo, como o Evvai, Fasano e os restaurantes do hotel Rosewood renderam-se às borbulhas ancestrais e mantém opções de pét-nats brasileiros e importados em suas cartas.

O que provar

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Casa Ágora Isabel Rosado - feito com a uva americana Isabel, vem com um rosado inteso e fruta vermelha na boca, sobretudo morango e cerejas, com um leve toque de especiarias e boa acidez. Para perder o preconceito contra as uvas de Mesa. R$ 99 no Beba Bem em Casa.

Estrelas do Brasil Extra Brut Trebbiano - aventura no método ancestral de uma das vinícolas de espumantes mais premiadas do país. Fino e elegante, ele passa por degola e tem boa complexidade, resultado de 58 meses em contato com as borras. R$ 120 na Estrelas do Brasil.

Unha de Gato Pét-Nat - produzido no Rio Grande do Sul por Vinhos Sanabria, com as uvas Merlot, Pinot Noir e Chardonnay. De linda cor rosa salmão, tem bastante fruta silvestre no paladar e um toque amendoado, vindo do contato com as leveduras. R$ 136 na Sanabria.

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Casa Viccas Glera/Niágara - mescla da uva Glera, tradicional na feitura do Prosecco, com a variedade de mesa Niágara. Segundo a Sommelière Patricia Brentezel, ele é delicado, bem equilibrado e lembra uma kombucha fresca na boca. R$ 140 no Beba Bem em Casa.

4 Elementos: Fire - Eduardo Zenker é outro pioneiro do pét-nat no Brasil e faz pequenas vinificações na Arte da Vinha. Este Gamay e Sauvignon Blanc, com uvas de Pinheiro Machado (RS), teve apenas 250 garrafas produzidas. Vale correr. R$ 140 na Wines4U.

Patinete Espumante Natural Branco - a gaúcha Faccin escolheu a uva Malvasia Bianca para um de seus pét-nats mais populares e premiados. Para quem gosta de vinhos aromáticos, ele traz casca de laranja e um leve toque de pimenta branca no paladar. R$ 152 na Faccin.

Force Celeste Mother Rock - Pét-nat sul-africano indicado por Alejandro Cardozo, com as uvas Chenin Blanc e Pinotage, de cultivo orgânico. Rosé clarinho, traz notas de cranberry, framboesas e outras frutas vermelhas. Bastante suculento. R$ 175 na Wines4U.

Renardat & Fache Bugey Cerdon Rosé - feito na França com Gamay e Pulsard, é um rosé intenso, com frutas silvestres dominando os aromas, muita refrescância e algum dulçor. Fruto de agricultura biodinâmica, é perfeito para entender o estilo. R$ 176 na Vinhomix.

Vivente Pét-Nat Rosé - um exemplar feito com a uvas tintas Pinot Noir (70%) e brancas Chardonnay (30%) cultivadas em Campos de Cima da Serra (RS). Traz notas evidentes de frutas vermelhas e harmoniza com peixes gordurosos, como o salmão. R$ 179 na Vivente.

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Petulante Natural Branco - Vinhas do Tempo lançou o estilo pét-nat no Brasil e produz rótulo bastante interessantes, como este 100% Chardonnay, com uvas de Encruzilhada do Sul (RS). Descansa por seis meses na cave antes de sair para o mercado. R$ 187 na Cave Léman.

Cantina Furlani Pét-Nat Macerato - a Furlani representa bem a produção de pét-nats na Itália. A uva Pinot Grigio, por sua casca acinzentada, leva ao vinho uma tonalidade rosa clara e muito aroma de frutas e flores. Boa pedida para acompanhar frutos do mar. R$ 218 na Vinhomix.

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